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O meu rio sagrado é o Tejo e nada tenho a ver com o esgoto que, lamentavelmente, é o Ganges. Não vivo debaixo de uma árvore, sento-me em cadeiras e tenho um modo de vida ocidental o mais consciente e são que consigo

Em busca da paz interior decidi que as férias seriam passadas num “retiro de silêncio de dez dias”. O tiro saiu pela culatra mas valeu a pena: fiquei inequivocamente a saber que sou ocidental e cristão. Não há problema nisto, pois não! Conto-vos porque, nestes tempos de enormes desafios, até o experiente caminheiro tropeça e pode cair. Os dez dias ficaram-se por quatro. Vim-me embora porque tomei consciência que não tinha nascido na Índia há 2500 anos, mas sim no Alentejo há 60 anos. Os meus queridos progenitores têm exatamente o mesmo terroir e matriz identitária e cultural que “herdei”. Necessito de uma escola para me encontrar comigo? Era só mesmo o que faltava! Uma brutal contradição de “conceito”. O que há de mais individual/pessoal do que o ato de estar comigo, meditar? Porque razão tenho que me sujeitar a um método de um Buda de há 2500, oriundo de uma terra e cultura que nada têm a ver comigo?
Nasci com um corpo que decididamente não é ajustado para a posição de lótus. E o que fazer, contrariar a natureza do meu corpo? Na sala de meditação tive um lugar que me deu o privilégio de observar um indiano, saído de um filme, que se mantinha em lótus com a mesma naturalidade com que eu bebo um copo de vinho numa taberna. É assim a natureza é diversa; vamos contrariá-la? Não trouxe aqui o vinho por acaso: trouxe-o porque, como elixir milenar, é sangue sagrado na minha terra.
Incomoda-me a miséria de África ou de Timor mas a minha opção é nitidamente pelos sentidos de proximidade (olfato, paladar e tato), o up local, aqui, onde vivo.
O meu rio sagrado é o Tejo e nada tenho a ver com o esgoto que, lamentavelmente, é o Ganges. Não vivo debaixo de uma árvore, sento-me em cadeiras e tenho um modo de vida ocidental o mais consciente e são que consigo. Confesso que no curso me custou aceitar que em quatro dias de trabalho não tivesse ouvido as palavras Deus e Família. E, imagine-se, dez dias tudo gratuito. Dos 120 alunos presentes ninguém pagou um cêntimo de alojamento, alimentação, o que seja. Será que há almoços grátis? Na verdade estes tempos têm armadilhas fantásticas, todo o cuidado é pouco, temos de estar atentos e ver onde pomos os pés.
Carlos A. Cupeto
Universidade de Évora

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