No mercado de Coruche resiste-se à hegemonia das grandes superfícies
Aos sábados o espaço enche-se de movimento. Hortícolas, fruta, carne, peixe, queijos e enchidos. Ali vende-se de tudo um pouco e a procura vai dando alento a quem ainda não se rendeu e procura ser alternativa aos supermercados.
São seis da manhã de sábado. Lá fora, ainda o silêncio da madrugada. Cá dentro a agitação começa. Vendedores de um lado para o outro a carregar caixas, as bancas cada vez mais coloridas. De um momento para o outro o cheiro do pão acabado de sair do forno, dos enchidos e dos queijos, do peixe, das flores, das frutas e legumes invade o pequeno espaço. Chegam os primeiros clientes. Fazem-se as primeiras compras. Esboçam-se os primeiros sorrisos. Os corredores enchem-se. Vende-se e conversa-se de tudo. Afinal, estamos num mercado, o mercado de Coruche.
António Júnior, 77 anos, é dos mais velhos a vender no mercado municipal de Coruche. Começou nestas andanças há 30 anos quando faliu a empresa onde trabalhava. “Trabalhei 20 anos na Moagem Vale Sorraia. Quando fechou portas decidi dedicar-me inteiramente aos meus cultivos e a vendê-los ao sábado no mercado tal como a minha mãe fazia”, conta o coruchense enquanto vai pesando um saco de tomates e de couves. E acrescenta: “Neste momento só continuo a ir vender ao mercado porque ajuda a passar o tempo, não é pelo dinheiro que ganho porque isto está difícil para vender”.
A vender exclusivamente o que produz, António conta que quem costuma ir mais ao mercado são os mais velhos, de meia-idade e tanto vem a mulher como o homem. “Normalmente, pagam logo e não regateiam preços até porque quando dizem que na outra banca é mais barato mando irem lá antes comprar”, revela.
O coruchense admite que tudo o que vende é apanhado à sexta-feira para vender no sábado, para além do que sobra e é colocado numa câmara frigorífica no mercado. E como é o dia-a-dia de António? O vendedor confessa que acorda sempre muito cedo para ir para as suas terras, por isso levantar-se cedo ao sábado já é algo natural. “Normalmente, durante a semana acordo todos os dias entre as seis e meia e as sete da manhã para ir tratar das minhas hortas. Ao sábado, que é dia de mercado levanto-me um bocadinho mais cedo, às cinco e meia da manhã, mas também não me custa. Depois costumo carregar tudo e chego aqui ao mercado pelas sete horas para depois descarregar e começar a vender”. António não tem dúvidas: a parte que mais gosta é de estar à conversa com os clientes e estar sempre actualizado sobre o que se passa na vila e da vida dos outros. “Sou muito calhandreiro”, ri-se.
Deixou a secretária para vender flores
Isabel Pontes, 45 anos, é das mais novas a trabalhar no mercado. “A ideia surgiu quando tinha 27 anos, no dia de aniversário de falecimento do meu pai. Na altura queria levar um ramo para colocar na campa mas andei às voltas em Coruche e não encontrei nem uma florista nesse dia para fazer um ramo de flores. Foi então que decidi deixar o meu trabalho como secretária de escritório para começar este negócio”, explica.
Isabel confessa que, na altura, a família não achou uma boa ideia, mas decidiu arriscar. “Neste momento, o negócio não é tão rentável como antes mas dá para tirar o meu ordenado”, admite, enquanto vai fazendo um ramo com gerberas cor-de-rosa para um velório. “O que sai mais aqui são as flores de corte, como as margaridas, os cravos e as rosas, que vou buscar directamente ao Montijo, onde estão os produtores de flores. Mas também vendo flores de vaso que são produzidas na Holanda e os distribuidores vêm cá trazer”, conta a coruchense.
Vendedora há 16 anos, Isabel confessa que quem costuma ir mais à florista são as mulheres e quem compra as flores tradicionais são os mais velhos e as mais exóticas os mais jovens. Quanto ao pagamento a conversa é outra. “Todos os dias aparecem aqui pessoas de todas as idades para levarem ramos sem pagar. O problema é que, como o ramo já está feito, não há nada a fazer e levam-nos. Depois combinam que pagam para a próxima e nunca mais aparecem. Há ainda quem venha cá e regateia os preços. Normalmente vêm de Lisboa. Pensam que, como vivemos numa vila pequena, que temos quase de oferecer o ramo”, considera.
Isabel conta como é o seu dia-a-dia: “Normalmente, acordo às sete e meia. Depois levo os meus dois filhos pequenos à escola e venho para o meu local de venda. Costumo abrir às nove horas. Como é um estabelecimento à parte do mercado não necessito de fazer o horário de mercado. Às sete da tarde vou para casa”.
E será que na florista os clientes também gostam de conversar? “Claro que sim, até porque os psiquiatras estão caros e as pessoas descarregam nos vendedores todas as frustrações em relação à câmara, aos médicos, ao centro de saúde, ou aos filhos que não telefonam... Estou sempre actualizada”, adianta.
Florista de noivas
Isabel Pontes conta que há momentos que não esquece nestes 16 anos como vendedora de flores, nomeadamente o facto de ter já feitos ramos para várias figuras públicas, como a noiva do ‘Gato Fedorento’ Tiago Dores. “Costumava fazer os ramos e depois ia levá-los aos hotéis em Lisboa onde estavam as noivas”, explica, dizendo que, uma vez, se lembra que foi levar um ramo ao conhecido Hotel Ritz, em Lisboa, onde a noiva estava a ser penteada por um cabeleireiro muito famoso. “Foi um orgulho fazer um ramo para uma pessoa tão especial”.
Uma oportunidade que surgiu por ter feito uma parceria com uma loja de vestidos de noiva. “Eles recomendavam-me e depois tive essa possibilidade. Geralmente, costumávamos primeiro combinar um encontro num hotel conhecido, onde levava vários protótipos de ramos e depois a noiva escolhia. Elas gostavam sempre. Entretanto, desisti porque não tenho muito tempo para isso e também porque não é muito rentável, pois tinha de o ir levar a Lisboa e saía bastante caro”, afirma.
Mas não só de ramos de famosos tratou Isabel. A vendedora de flores admite que ainda hoje é ela que trata dos ramos das noivas coruchenses. “Faço os ramos de quase todas as noivas de Coruche”, revela, dizendo que não é uma tarefa difícil já que muitas delas já sabem o que querem e eu só tenho de reproduzir.
Os palavrões vindos do norte
Isabel conta que já teve clientes para todos os gostos, desde os mais exigentes aos mais excêntricos, mas houve um que não esquece. “Foi um cliente vindo do norte do país. Pediu-me para fazer um ramo de flores e enquanto o fazia começámos a falar sobre política e foi quando ele começou a dizer palavrões atrás de palavrões. Fiquei muito embaraçada porque nós aqui na vila não estamos habituados nem a dizer nem a ouvir essas palavras”, admite, dizendo que só não disse nada porque sabe que no norte do país é normal.