“Um padre não deve casar para ter disponibilidade total para a Igreja”
Tarasse Goyvanyuk, 31 anos, nasceu na Ucrânia mas foi em Portugal, na paróquia de Samora Correia, que encontrou a sua casa. Jovem e de sorriso fácil, vai todos os meses a Fátima, é presença assídua no ginásio, não gosta de ver televisão e concentra todas as atenções nos deveres pastorais.
Fátima é a verdadeira casa dos católicos, portugueses e não só: é também a de Tarasse Goyvanyuk. O padre de 31 anos nasceu em Ivano-Frankivsk, na Ucrânia, mas há 10 anos que está em Portugal. Foi a Fátima pela primeira vez há dois anos, pelo 13 de Outubro, numa peregrinação de sete dias a pé a partir de Vila Viçosa. A experiência marcou-o tanto que volta lá todos os meses e mantém o sonho de um dia levar um grupo de paroquianos de Samora Correia consigo.
“Para uma peregrinação a sério não bastam dois dias, porque não dá para sentir o espírito de comunidade que se cria no seio do grupo. Dois dias é só para aquecer: a partir do quarto é que começamos a dar valor àquilo que passámos e às amizades que fazemos, que sei que ficarão para o resto da vida”, diz.
Tarasse Goyvanyuk está ao serviço da paróquia de Samora Correia há quatro anos. Sempre quis ser padre, pois foi educado numa família muito ligada à igreja. O pai é um dos responsáveis pela paróquia de Ivano-Frankivsk e Tarasse lembra-se de brincar com os amigos e vestir-se sempre de sacerdote, um presságio daquele que viria a ser o seu futuro.
O celibato foi uma opção
A Igreja Greco-Católica do rito Bizantino, que Tarasse e a família seguem, permite aos padres casarem e terem família, algo em que Tarasse chegou a pensar: “Tive uma namorada, mas a partir de certa altura percebi que o meu desejo de me oferecer a Deus era maior que o de me oferecer a uma mulher. Mas tinha medo de dizer isto à minha namorada, não tinha coragem de terminar com ela, até ao dia em que lhe liguei e lhe contei. Descobri que afinal ela já pressentia e estava só à espera da minha confirmação”.
Terminaram a relação e apesar de no dia seguinte Tarasse se arrepender, ouviu o conselho dos colegas de quarto no seminário - hoje casados e com filhos – de deixar passar algum tempo antes de lhe ligar. O tempo passou e nunca chegou a telefonar: “Um padre não deve casar por uma questão de disponibilidade para a vida da Igreja. Hoje em dia o padre é visto como um funcionário da Igreja, muitas pessoas não sabem o que ele faz antes e depois da missa, mas ser padre é muito mais que isso e se se tiver família não há tempo para as restantes tarefas”.
O sacerdócio é, por isso, um sacrifício: “Sacrificamos o nosso direito a darmos continuidade às nossas famílias porque o padre é o homem de Deus que faz os sacrifícios no altar mas que também faz da sua própria vida um sacrifício”.
Durante um tempo Tarasse ainda pensou ser médico e chegou a entrar para Medicina na Universidade de Kiev (capital da Ucrânia), mas só lá esteve um mês antes de desistir e de pedir para voltar para o seminário. Acabou por prosseguir lá os estudos e por, em 2007, vir, juntamente com um colega, para o Seminário Menor de Vila Viçosa para estudarem Português. Chegaram sem saber uma única palavra e foi uma professora aposentada que não sabia uma palavra de ucraniano e não se desenrascava bem no inglês que acabou por os salvar.
“Lembro-me de a professora entrar na sala no primeiro dia e começar a falar francês. Eu e o meu colega olhámos espantados um para o outro, eu tentei falar com a professora em alemão, explicar-lhe que não sabia francês e ela não me percebeu. Então o meu colega tentou falar inglês. Ela também não conseguia falar bem e quando demos por nós estávamos a rir às gargalhadas. Na altura não percebi o que ela disse quando deitou as mãos à cabeça, mas agora acho que era: “O que é que eu vou fazer com estes dois?!”.
Ainda assim, Joaquina não desistiu dos pupilos, a quem ensinou Português palavra a palavra. Tarasse também se obrigou a decorar 40 novas palavras todos os dias e chegou ao fim do primeiro ano com uma grande evolução. De Vila Viçosa passou para Évora, onde esteve três anos antes de chegar a Samora Correia, que hoje “já não trocaria por nada”.
Não perde tempo a ver televisão
Tarasse só liga a televisão muito raramente para ver notícias, “mas são quase sempre desastrosas, por isso não gosto, e novelas e filmes para mim não existem”. Defende que os valores que os meios de comunicação de hoje transmitem “vão contra os ideais cristãos”, logo não tem vontade “de perder tempo com eles”. Os jornais são uma melhor alternativa, mas prefere ouvir as novidades das bocas dos paroquianos de Samora Correia e da sua terra natal quando quer saber o que se passa por lá.
Apesar de longe, Tarasse preocupa-se com o pai, hoje com 63 anos, e com a mãe, de 53, que encontra muito diferentes sempre que volta a casa para um mês de férias no Verão. “Eles estão numa fase em que envelhecem muito depressa, o que me preocupa e me entristece, mas sei que é um processo inevitável e que não podemos ter medo das coisas que não controlamos”, defende o padre, que, embora gostasse de poder acompanhar os pais nesta fase, não abandona o seu papel: “Coloco em primeiro lugar os meus deveres pastorais e continuarei em Samora até a Igreja decidir outra coisa”.
Um padre preocupado com o físico
Disciplina é a palavra de ordem na vida de Tarasse e ele encontra-a no ginásio, na musculação e no levantamento de pesos, modalidade em que chegou a ser federado na Ucrânia e a ganhar prémios. “A riqueza do desporto é o ritmo que impomos a nós mesmos”, defende o padre, que considera a disciplina fundamental na vida de cada um “porque sem ela não há responsabilidade e a pessoa acaba por ‘morrer’ quando a preguiça toma conta dela”.
Porém, como vê-lo levantar halteres no ginásio não é uma imagem que venha à cabeça da maioria das pessoas, são muitas as que ficam na dúvida quando o vêem. “No outro dia um catequizando meu de 17 anos viu-me mas eu não o vi e ele não me reconheceu, mesmo conhecendo-me há dois anos!”, confessa Tarasse, admitindo que a ideia de um padre preocupado com o físico não passa pela cabeça de muitas pessoas mas que não o incomoda o espanto com que elas reagem quando descobrem esta paixão.
Hoje ser um jovem católico é ir contra a corrente
“Os jovens que vêm hoje rezar precisam de ter coragem, de ir contra a corrente e para mim são heróis”, defende o padre Tarasse. O Grupo de Jovens de Samora Correia conta actualmente com cerca de 40 elementos, que já foram mais no passado, e Tarasse acredita que a influência das famílias e dos professores e a falta de tempo no dia-a-dia são as principais razões para a descida do número de elementos.
“A escola acaba por desmotivar os jovens e afastá-los da Igreja”, critica o padre: “Vários alunos vêm-me dizer que nas aulas de História os professores acabam por falar mal da Igreja. Há temas como os Templários, a Idade Média e a Inquisição que são muito delicados e não são explicados com objectividade”, diz.
Tarasse chegou a dar aulas de Educação Moral e Religiosa na Escola Secundária de Benavente e afirma que os alunos “aprendem aquilo que a instituição lhes propõe estudar e cada professor dá a matéria de acordo com a sua visão, o que não devia acontecer”.
No seu tempo, além de não haver tantos professores “anticlericais” também não havia tantos passatempos: “Os jovens hoje em dia têm a agenda da semana cheia com jogos de futebol, ginástica ou ensaios na banda, e isto acaba por condicionar a vinda deles às reuniões do Grupo de Jovens”, alerta Tarasse, que também vê na família um potencial factor de afastamento da Igreja: “Nas reuniões falamos sobre a oração e os jovens gostam, mas se chegam a casa e o pai ou a mãe diz ‘deixa lá isso que não interessa’, a experiência morre ali”.
Tarasse defende que “a primeira evangelização acontece na família” e que quando esta não dá bases para uma vida católica, e os jovens ainda querem participar na vida da Igreja, “só se pode explicar como a verdadeira fé e um toque de Deus”.
O padre também tem uma palavra a dizer sobre quando o baptismo deve ou não ser feito: “A Igreja nunca nega o baptismo a nenhuma criança, o que pode fazer é adiá-lo”, e aconselha a que isso aconteça quando os pais da criança, não sendo casados mas podendo se o façam primeiro e só depois baptizar o filho. “Se os pais não dão a esperança de que aquela criança vai ser criada segundo os ideais cristãos, por respeito à criança, nós adiamos o baptismo para que ela no futuro possa escolher se esta é realmente a fé que quer”, esclarece Tarasse. O mesmo acontece com a rejeição dos padrinhos não-católicos: “Se a pessoa não nos dá esperança de que será o educador espiritual daquela criança, se nunca lhe dará o exemplo nem testemunhará a sua fé para ela, não pode ser aceite”.