Bombeiras de ferro forjadas em Coruche
Correr com uma mangueira, resgatar vítimas, transpor obstáculos, transportar equipamentos e subir uma escadaria de 323 degraus numa luta contra o tempo. No total, são cinco provas individuais para bombeiros de ambos os sexos em que só os melhores de cada escalão de idades ganham o prémio Bombeiro de Ferro. Este ano, mais uma vez, as mulheres dos Bombeiros Municipais de Coruche não deixaram os créditos por mãos alheias.
Não é das mais extrovertidas da equipa mas foi das que arrecadou mais prémios. Sónia Alves fez um brilharete na quinta edição do campeonato nacional “Bombeiro de Ferro”, mostrando que as mulheres, tal como ela diz, “são uma força da natureza”, conseguindo “mostrar aos homens que também conseguem fazer tanto ou mais do que eles”. A jovem de 27 anos, dos Bombeiros Municipais de Coruche, venceu o escalão dos 25 aos 29 anos e também em termos absolutos na competição realizada nos dias 7 e 8 de Outubro, no Monte de São Félix, Póvoa do Varzim.
Um campeonato em que participaram 246 soldados da paz, provenientes de 33 corporações de todo o país e ainda alguns convidados provenientes da Alemanha e de Inglaterra. As mulheres de Coruche também venceram colectivamente.
Sónia Alves, natural de Torres Novas, conta que no ano passado já tinha participado na prova de equipas, que ganharam, mas desta vez, decidiu ir mais longe e participar também nas competições individuais. Quanto à preparação, conta que não foi fácil mas com vontade tudo se conseguiu. “Eu pratico crossfit” o que ajudou bastante.
Além disso, “fizemos alguns treinos de equipa no quartel, sendo por vezes difícil porque dois dos elementos da equipa são bombeiras a tempo inteiro”, explica, dizendo que treinou também a nível psicológico pois “exercício físico e mente confiante são essenciais neste tipo de concurso”.
Foi há oito anos que Sónia começou o seu percurso como bombeira, na altura nos Bombeiros Voluntários da Chamusca, mudando-se depois para os Bombeiros Municipais de Coruche. “Foi por causa do flagelo dos incêndios que assolaram o meu concelho em 2003 e de ver a coragem e grandiosidade dos homens e mulheres que são os bombeiros de Portugal que decidi, mais tarde, contribuir para a mesma causa, que é ajudar o próximo com gosto e dedicação”, revela.
A desafiadora de serviço
Apontada como desafiadora de serviço, a detentora do primeiro lugar individual, no escalão dos 18 aos 24 anos e segundo lugar absoluto, Beatriz Bernardes, não tem dúvidas que as mulheres bombeiras devem participar neste tipo de concursos. “Se as mulheres e os homens têm os mesmos direitos e deveres enquanto bombeiros, porque não participarem ambos nas mesmas provas. Assim podemos provar a nós mesmas que conseguimos fazer o mesmo que os nossos colegas do sexo oposto”, confessa.
E se em dias de serviço treinava no quartel (corrida de média duração, séries de sprints, escadas) e treinos de musculação com uns halteres, já em dias de folga a coruchense treinava no ginásio. “Em equipa treinamos, na maioria das vezes, no quartel”, explica. Foi em 2013 que a jovem de 23 anos iniciou a recruta para bombeira ao mesmo tempo que frequentava o 12.º ano de escolaridade. Não era propriamente a sua actividade de sonho até aí, mas passou a gostar dela mal entrou.
Quanto ao facto de ser uma profissão ainda muito masculinizada por obrigar a um grande esforço físico, Beatriz afirma: “É um facto que a mulher (no geral) tem menos força que um homem mas tentamos sempre fazer o mesmo que os nossos colegas homens e fazer bem feito. Já quando temos dificuldades há sempre bons colegas que nos ajudam. A união nesta profissão é essencial”, defende.
A capitã do ‘barco’
Capitã na prova por equipas, não é a primeira vez que Liliana Morais participa neste campeonato. “Quem teve a ideia que proporcionou isto tudo foi a minha colega de equipa Beatriz Bernardes, que no ano passado nos desafiou para participar e nós aceitámos”, refere. A jovem, de 33 anos, natural da Branca, concelho de Coruche, conta que a preparação para a prova nem sempre foi fácil, especialmente porque foi durante os meses de Verão, época em que houve muitos incêndios e foi complicado fazer treinos em que conseguissem estar em conjunto.
Já fora do quartel, sempre que podia, costumava variar entre caminhadas ou corridas pelas ruas da vila. Foi em 2014 que Liliana Morais iniciou o seu percurso como bombeira depois de ter deixado a vida militar no Exército português. A oportunidade surgiu quando frequentava um curso sobre técnicas de socorrismo e o formador, que é bombeiro no Barreiro, incentivou-a a ingressar nessa carreira. “Como estava a acabar o meu contrato no Exército e tinha a vantagem de ser condutora de pesados decidi aproveitar a oportunidade”, admite.
“A mulher é o sexo forte”
Apesar de ter participado apenas nas provas por equipas, Teresa Rita não deixou de mostrar o que vale e de que “massa” é feita. A jovem de 23 anos não tem dúvidas: “A mulher é o sexo forte, tanto que conseguimos fazer igual ou melhor que os homens”. A participar pela segunda vez no concurso por equipas, a coruchense conta que, sempre que as quatro bombeiras podiam, juntavam-se para treinar, apesar de, muitas vezes, os horários não ajudarem. “Nós costumávamos treinar, na maioria das vezes, no quartel, durante a noite”, adianta. E acrescenta: “todos os dias são uma peripécia, com o nosso bom humor não há quem não se ria connosco”.
Foi aos 20 anos que o pai de Teresa lhe mudou a vida quando pediu uma inscrição para a filha ir para os bombeiros. “Na altura tinha acabado os estudos e pensei que podia ser uma boa forma de me ocupar”, admite, referindo que até lá nunca quis ser bombeira, apesar de sempre admirar a profissão. “Comecei a tirar a recruta e descobri logo que não queria fazer mais nada da minha vida a não ser bombeira. Tinha descoberto a minha vocação”, afirma.
Bombeira voluntária desde 2015, a coruchense admite que esta não é uma profissão como tantas outras. “É preciso ter orgulho na farda e, às vezes, até sacrificar a nossa vida pelo próximo”. Quanto ao facto de ser mulher, Teresa confirma que não é fácil, apesar de neste momento haver muitas mulheres bombeiras. “Todos os dias são um desafio e só cabe a cada um de nós saber ultrapassá-lo”, conclui.
Bombeira campeã do ju-jitsu
Antes de se alistar nos bombeiros Teresa Rita já era praticante habitual de desporto, nomeadamente andebol, futsal, judo e ju-jitsu. E foi precisamente nessa última modalidade que tirou o curso de treinador e esteve em vários campeonatos, tanto nacionais como internacionais, sendo muitas vezes campeã nacional. “Foi uma lesão que ocorreu em 2011 que me forçou a abandonar as competições. Hoje já não pratico nem ensino. É um desgosto muito grande mas a minha profissão também não permite ter muito tempo para tal”, considera.
Modelo em part-time
Beatriz Bernardes não é modelo profissional mas já chegou a fazer alguns trabalhos nessa área. E será que mulheres bombeiras não se preocuparem com a imagem? “Não é por uma mulher bombeira ser vaidosa e gostar de estar apresentável que é pior a desempenhar as suas funções. Uma coisa não prejudica a outra, muito pelo contrário. O atavio, a higiene e a boa apresentação são importantes em qualquer profissão”, conclui.