No mercado de Rio Maior a maioria dos vendedores é das Caldas da Rainha
Vendedores mais antigos continuam a manter a tradição apesar da falta de movimento
O mercado é de Rio Maior mas os vendedores são quase todos do concelho vizinho de Caldas da Rainha. Um facto que não parece incomodar vendedores de um e de outro concelho, que em mais uma manhã de sábado atarefada vendem brócolos, tomates, batatas, maçãs, uvas, tremoços e azeitonas ou amanham umas douradas, pescadas e robalos. “Aqui não há rivalidades. Muito pelo contrário, somos todos amigos”, confessa Maria Alice Frazão, de Alcobertas, uma das poucas vendedoras do concelho de Rio Maior. “Antigamente éramos muito mais vendedores daqui do concelho mas deixaram de vir porque já não compensa”.
Foi aos 18 anos que Maria Alice começou a vender no mercado de Rio Maior, seguindo as pisadas da mãe e da avó. Na altura, tinha acabado de se casar e como nem ela nem o marido tinham emprego, decidiram começar a cultivar hortícolas e a venderem na antiga praça. “Vínhamos de tractor ou de motorizada. O pior, diz, era no Inverno em que, “com tanto frio e gelo, chegávamos sempre resfriados”. A vender no mercado há 42 anos confessa que o negócio já teve dias melhores porque com o aparecimento dos hipermercados as pessoas deixaram de aparecer no mercado. “As coisas até podem ser lá mais caras, mas quando vão lá aproveitam e aviam-se logo de tudo”, adianta enquanto remexe nos poucos cachos de uvas que tem ainda para vender.
Maria Alice levanta-se sempre muito cedo. Sai de casa pelas 5h30 e antes das seis da madrugada já está no mercado. “Sou das primeiras a chegar porque também sou eu que, sozinha, tenho de descarregar e arrumar as minhas frutas e legumes”. Além disso, confessa, prefere fazer as coisas mais calmamente para depois poder dar mais atenção aos clientes, que começam a chegar pelas 7h00 antes de entrarem no trabalho.
A vendedora conta pelos dedos os sábados que faltou no mercado e não falha mesmo quando é convidada para um casamento ou baptizado. “Normalmente, costumo vir vender e depois costumo ir embora um pouco mais cedo. Depois chego a casa, trato dos animais, tomo banho, arranjo-me e vou. Só faltei mesmo no casamento dos meus filhos e quando os meus netos fizeram anos ao sábado. Custou-me mas teve de ser”, conta.
E porque vender no mercado foi quase sempre a sua vida, momentos embaraçosos é o que não faltam na sua lista. “Às vezes, quando está muita gente, as clientes levam para casa os sacos umas das outras e depois apercebem-se que levaram os sacos errados e chegam aqui com eles para trocá-los”, ri-se.
De carroça para o mercado
Maria Cândida Santos é a mais velha de idade a vender no mercado de Rio Maior. Natural da aldeia de Carrasqueira, Vidais, concelho de Caldas da Rainha, diz que Rio Maior é a sua cidade de eleição. “Podia estar nas Caldas a vender mas prefiro estar aqui”, diz enquanto dá a provar a uma das suas clientes mais assíduas um pedaço de uma das broas de mel feitas no dia anterior.
Quando começou a vender no mercado de Rio Maior, Maria Cândida, 73 anos, deslocava-se diariamente de madrugada numa carroça, puxada por um burro, na qual transportava os seus produtos agrícolas. E nem mesmo quando ficou grávida do primeiro e do segundo filho deixou de o fazer. “Só comecei a ir de carro quando o meu marido me pressionou para tirar a carta de condução, tinha 32 anos”.
Conta, com orgulho, que só precisou de uma aula de código e outra de condução e tirou logo a carta. Para a vendedora, que começou a vender no mercado há 46 anos para escoar as frutas e legumes que o seu marido cultivava, o negócio já não é o que era. “Antes era necessário, mas agora tenho a minha reforma. Só estou cá mesmo porque senão dava em doida em casa”, admite.
Durante a semana Maria Cândida trata dos seus cultivos e não tem horas de acordar. Aos sábados, que é dia de mercado, a reformada levanta-se sempre à mesma hora. “Levanto-me às 5h45, depois tomo o pequeno-almoço, arranjo-me e saio de casa pelas 6h30. A vendedora confessa que normalmente são as mulheres que fazem compras mas os homens também já estão a começar a aparecer. Quanto às idades são, sem dúvida, os mais velhos. “É uma pena os jovens não virem ao mercado tradicional porque aqui quase tudo o que vendemos não tem químicos mas eles preferem ir ao supermercado e comerem produtos que não sabem o que têm por dentro?”.
“O mercado está esquecido”
Maria Alice não tem dúvidas que o mercado municipal da cidade está muito esquecido e, apesar de ter sido remodelado há quase meia dúzia de anos, já apresenta bastantes problemas. “Basta ver que não existe uma única sinalética na cidade a indicar onde é o mercado”, afirma. Mas, aponta, “há outras situações que deveriam ter em atenção: não temos um lugar de cargas e descargas, tanto que já não é a primeira vez que os vendedores são multados; o estuque das paredes está a desfazer-se devido à humidade. Isto para não falar da forma como as bancadas foram colocadas porque há vendedores que nem se vêm por causa das paredes que nós na brincadeira chamamos de ‘Muro de Berlim’”.
Os vendedores também usam tablets
Quem disse que só os vendedores mais novos é que são viciados nas novas tecnologias? Maria Cândida é o exemplo contrário e desde que teve contacto com um tablet nunca mais o largou. Só não o leva para o mercado porque as colegas iriam gozar com ela. Assim, adianta, “lá em casa, durante a noite, em vez de estar a ver televisão vou para o tablet para estar um bocadinho na calhandrice com as minhas amigas e partilhar coisas no Facebook”.