Doentes psiquiátricos desprotegidos por falta de estruturas de apoio no Médio Tejo
Centro hospitalar acompanha doentes mas faltam cuidados continuados para aliviar famílias exaustas. Os doentes que são acompanhados pelo Centro Hospitalar do Médio Tejo ficam entregues às famílias quando saem do hospital ou têm de ir para instituições de Coimbra ou Lisboa. Sem capacidade, muitas vezes, e sem instituições de apoio, já há quem esteja a ficar doente devido à exaustão por cuidar de doentes.
Os serviços hospitalares de psiquiatria no Médio Tejo registam cerca de 550 internamentos e catorze mil consultas anuais, mas tirando o acompanhamento prestado pelo Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT) não há qualquer outro de retaguarda. Os doentes são entregues às famílias, que muitas vezes não conseguem lidar com as situações, ou vão para instituições de Lisboa ou de Coimbra, causando, além do desenraizamento, mais complicações aos familiares que em muitos casos já estão exaustos. Chegou a haver um projecto em Torres Novas para acompanhar os doentes psiquiátricos, mas há cinco anos que está para abrir sem perspectivas que seja em breve (ver caixa).
A situação foi abordada nas segundas Jornadas Templárias de Psiquiatria do Centro Hospitalar do Médio Tejo, que decorreram recentemente em Tomar. A directora do serviço de psiquiatria, Luísa Delgado, psiquiatra, em conversa com O MIRANTE, confessa que “os cuidados continuados em saúde mental continuam aquém”, o que leva a uma sobrecarga das famílias, que não têm capacidade para lidar com as situações, nem formação que devia ser ministrada para tal. Este desgaste provoca também doença nos mais próximos, o que leva a que comece já a ser uma realidade a existência de vários “cuidadores doentes a tratarem os seus familiares doentes”, revela a médica.
Para a psiquiatra, a falta de um fórum diurno, onde os doentes pudessem ser acompanhados com diversas actividades e objectivos terapêuticos, e alguns cuidados dirigidos aos seus problemas, representa “um constrangimento”. Luísa Delgado sublinha que o centro hospitalar não pode ficar com os doentes todos para acompanhamento durante largos períodos, mas apesar disso “tem sido feito um esforço para dar a melhor resposta possível”.
Um dos esforços para que seja prestado mais apoio a quem tem problemas do foro psiquiátrico é o funcionamento de um serviço domiciliário, para os doentes com maiores necessidades de acompanhamento. Mas só isso, apesar de ser importante, com o complemento da acção dos serviços sociais, não chega. Até porque o número de pessoas que recorrem ao serviço de psiquiatria tem vindo a aumentar. A directora do serviço esclarece que isso não significa necessariamente que existam mais pessoas a terem problemas, porque também se pode dever ao facto de os cidadãos terem “menos vergonha de recorrerem à psiquiatria”. Outra hipótese é haver situações que não eram diagnosticadas como doença psiquiátrica.
Durante este ano de 2017 assistiu-se a um aumento do número de primeiras consultas de pessoas das populações de Sardoal e também de Ponte de Sor e de Alvaiázere, já fora da abrangência do hospital e do distrito de Santarém. De entre as primeiras consultas tem vindo a crescer o número de idosos assistidos no centro hospitalar. “Trinta por cento das primeiras consultas são de pessoas com mais de 65 anos”, revela Luísa Delgado. A médica explica ainda que os problemas mais comuns não estão só relacionados com a depressão, havendo também situações de demências e alterações de comportamento. Quem recorre ao serviço espera em média pela primeira consulta cerca de 40 dias, o que é um tempo razoável atendendo aos recursos existentes e à procura.
Zona onde o suicídio está a ser contido
O Médio Tejo é uma das zonas da região centro onde as taxas de suicídio não têm aumentado. “Somos uma ilha no panorama do país, porque tem sido contido o número de mortes por suicídio”, salienta Luísa Delgado, realçando que o Centro Hospitalar do Médio Tejo “tem feito um grande trabalho nesta área com incidência no tratamento da depressão e da psicose”. O risco de suicídio ocorre mais nas populações envelhecidas. O relatório de 2016 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde indica que a mortalidade por suicídio ocorre, “em grande parte, em pessoas com idade superior a 65 anos”.
Espaço em Torres Novas para acompanhar doentes está há cinco anos por abrir
O agora presidente da Câmara de Torres Novas, Pedro Ferreira, iniciou quando era presidente do Centro de Reabilitação e Integração Torrejano (CRIT), há cerca de cinco anos, um projecto de criação de um Fórum Sócio-Ocupacional para doentes psiquiátricos. Chegaram a ser adaptadas instalações, compradas pela instituição no centro da cidade, mas nunca houve luz verde da Segurança Social para o funcionamento desta valência. O projecto foi criado em parceria com a Câmara de Torres Novas e o Centro Hospitalar do Médio Tejo para dar resposta ao acompanhamento na saúde mental, com equipas preparadas para o efeito.
Pedro Ferreira conta a O MIRANTE que o projecto foi apresentado à Segurança Social e não houve resposta favorável para apoio financeiro. Como não foi obtido acordo, o CRIT chegou a propor abrir o fórum sem acordo, com as despesas a serem assumidas pela instituição, mas também não houve autorização. “Esta questão da assistência a estes doentes tem corrido mal”, desabafa o ex-presidente do CRIT. O agora presidente do município destaca as vantagens desta valência, dizendo que em vez de os doentes terem de ir ao hospital quinzenalmente podiam ter acompanhamento do fórum, evitando sobrecarregar os serviços hospitalares. Além disso estava previsto que uma equipa médica do Centro Hospitalar do Médio Tejo se deslocasse regularmente à instituição.
O actual presidente do CRIT, José Faustino, ainda acredita que o fórum da saúde mental um dia possa ser uma realidade. Mas para já e para aproveitar as instalações, a instituição concorreu à abertura no local de um centro de actividades ocupacionais para deficientes. José Faustino diz que se abrirem candidaturas para a criação de fóruns da saúde mental, o CRIT está em condições de concorrer, mas, sublinha, não pode estar à espera e para já aposta em rentabilizar as instalações.