Preparar negócios atrás das grades para uma nova vida fora da prisão
Reclusos do Estabelecimento de Prisional de Torres Novas em projecto de inclusão inovador. A incubadora de empresas (StartUp) de Torres Novas entrou dentro da prisão da cidade para dar um novo estímulo aos reclusos interessados em terem uma nova vida após cumprirem as penas. O projecto desenvolvido entre muros encimados de arame farpado, numa parceria com o estabelecimento prisional, está a dar ferramentas para a ressocialização dos presos.
João Oliveira está a preparar-se na prisão para abrir uma peixaria daqui por uns meses. Quando voltar a Marinhais, no concelho de Salvaterra de Magos, já leva tudo o que precisa para se reinserir na sociedade através da criação do seu próprio negócio. Com 53 anos, foi parar atrás das grades à quinta vez que foi apanhado a conduzir sem carta, porque não renovou a licença aos 50 anos. Apanhou um ano e quatro meses e tem aproveitado o tempo para dar um novo sentido à vida, com a ajuda de Helena Caetano, a técnica da StartUp de Torres Novas, que vai à prisão ajudar os reclusos a desenvolverem ideias de negócios. Um projecto de empreendedorismo social desta incubadora de empresas da Câmara de Torres Novas, que está a projectar o estabelecimento prisional para a vanguarda da inclusão.
Este projecto não é só uma forma de reconduzir a vida de reclusos com penas menos graves. João Ávila foi transferido da cadeia de Vale de Judeus (Azambuja) para preparar em Torres Novas o seu regresso à sociedade, após mais de 14 anos de reclusão. Espera sair com dois terços da pena cumprida depois do Verão deste ano e leva já a ideia de dois negócios que tem estado a trabalhar. João, que não quer dizer o crime pelo qual foi condenado, prefere manter em segredo a sua ideia de negócio, revelando apenas que está ligado ao empreendedorismo social e que decorre de uma necessidade com que se deparou nesta estadia na prisão.
João Ávila, de 35 anos, é casado e tem um filho de seis anos, gerado durante o tempo de reclusão. Está em Torres Novas a delinear uma nova vida, a partir do zero, para a qual também tem contribuído o facto de estar a trabalhar durante o dia no exterior, através de um protocolo com a câmara, regressando à cadeia ao fim do dia. Os projectos de negócios são o ânimo deste recluso que não quer voltar a reincidir e que já tem perspectivas bem definidas, a começar pelo facto de mudar de zona de residência, afastando-se do local onde arranjou os problemas.
A participação nas reuniões de preparação dos projectos de negócios, dentro da prisão, também é uma forma de entreter o tempo e obter mais conhecimentos de quem ainda não sabe se quer avançar para a criação do seu próprio emprego. Eurico Madeira, de Rio Maior, condenado a nove anos e meio por tentativa de homicídio da mulher, por razões passionais, dos quais já cumpriu seis anos e meio, considera que o que tem aprendido pode servir-lhe para ajudar o filho. O operador de máquinas agrícolas sempre gostou de aprender, tem diploma e experiência na inseminação de animais e pretende primeiro procurar trabalho. Se não conseguir vai usar o que aprendeu para tentar avançar com uma estufa de produção de cogumelos.
“Aqui temos tempo para pensar na vida e prepará-la”, diz João Oliveira em jeito de resumo do sentimento dos seus colegas que participam no projecto, realçando que vai “tentar tirar partido da experiência que tem obtido para ainda tentar ser alguém na vida”. A sua peixaria vai ter a inovação de beneficiar os idosos, facilitando-lhes a vida, com entregas no seu domicílio. O recluso já foi segurança privado, trabalhou para o grupo Sonae, serviu em casamentos e foi árbitro de futebol, está agora também a tirar a carta de condução durante os períodos em que beneficia de precárias (saídas curtas concedidas pelo estabelecimento prisional).
Preparar negócios sem internet
Preparar um negócio dentro da prisão não é tão fácil como para quem está em liberdade. Os reclusos não têm acesso à internet e por isso não podem fazer pesquisas e obter mais informações. Tudo o que precisam é levado em fotocópias pela técnica do projecto. O empenhamento é muito grande, revela Helena Caetano que trabalha com estes empreendedores. Desenvolverem o seu próprio negócio não é apenas um estímulo que sentem ter entre muros e arame farpado, mas também uma forma de reconhecerem que há uma vida melhor, porque estar preso, nas palavras de João Oliveira, “não é vida para ninguém”.
Na branca sala fria fechada por uma porta de grades de ferros grossos pintados de azul, com apenas uma mesa e algumas cadeiras, onde decorre mais uma sessão da SartUp, Stefan Martinho, de 24 anos, que não controlou os impulsos numa briga, o que lhe valeu uma pena de dois anos e seis meses, já aprendeu a utilizar os seus impulsos em seu próprio benefício. Calceteiro em França, onde os pais estavam emigrados e onde nasceu, considera que já aprendeu o essencial na teoria e sente-se entusiasmado para pôr as suas ideias em prática. Prefere não divulgar a sua ideia de negócio, que diz ser inovadora, e que provavelmente vai desenvolver em Abrantes, a terra da família, e onde ocorreu o crime durante umas férias de Natal em Portugal. Foi julgado à revelia e quando voltou a Abrantes foi mandado para a prisão.
População prisional está toda ocupada em formação e trabalho
Paula Quadros é uma directora prisional orgulhosa do trabalho que tem sido feito na valorização e ressocialização dos reclusos. Directora há oito anos do Estabelecimento Prisional de Torres Novas, com cerca de meia centena de presos, Paula Quadros revela que, ao contrário do que às vezes as pessoas podem pensar, toda a população prisional está ocupada, seja a trabalhar, seja em cursos de formação ou de escolaridade.
Há reclusos de Torres Novas a trabalhar para câmaras municipais da região, como as de Vila Nova da Barquinha ou Almeirim, com quem o estabelecimento tem protocolos de colaboração. Também há pelo menos uma dezena que trabalha dentro da cadeia em várias funções. Antes do Natal dezoito reclusos terminaram uma formação do Instituto de Formação Profissional de Tomar em manutenção hoteleira. Há também presos que estão a fazer o processo de certificação para obtenção do quarto ano de escolaridade.
A directora realça que o estabelecimento prisional tem protocolos de colaboração com o centro de emprego, sendo afixadas ofertas de trabalho na cadeia às quais os reclusos em fim de pena concorrem. Chegam a ser feitas entrevistas de emprego na cadeia e outras vezes os interessados são transportados às empresas em carrinhas celulares para serem entrevistados. Paula Quadros sublinha que tem havido uma boa receptividade das instituições e empresas e que muitos reclusos saem da prisão para um trabalho. Outros vão para cursos de formação profissional.
Paula Quadros entende que as entidades devem ser “chamadas a colaborar no processo de ressocialização dos reclusos desde a primeira hora”, considerando que “as pessoas têm de ter consciência de que os reclusos são cidadãos e estão aqui de passagem”. O projecto da StartUp que tem proporcionado a oportunidade dos reclusos poderem criar o seu próprio emprego, através de um negócio, é importante também para desmistificar a ideia que se tem da população prisional e preparar a sua inclusão no mercado de trabalho.
Há uma grande receptividade em Torres Novas para a ressocialização dos reclusos, segundo revela a directora da prisão, fruto também dos vários projectos em que o estabelecimento participa. Há pessoas que chegam à cadeia com uma vida pessoal bastante desorganizada e depois entre muros descobrem que têm jeito para algumas coisas. “Eles têm oportunidades que, se quiserem aproveitar, lhes permite “saírem daqui pessoas melhores e mais valorizadas em termos pessoais e profissionais”, conclui Paula Quadros. Há reclusos que chegam bastante desorganizados e depois aqui percebem que têm imenso jeito para algumas coisas.
Projecto transmite ferramentas necessárias para o trabalho
O projecto de empreendedorismo social e inclusão, uma parceria da StartUp de Torres Novas e do estabelecimento prisional da cidade, também é importante para dar ferramentas aos reclusos, que participam de livre vontade, para a procura activa de emprego quando saírem da prisão. Helena Caetano, o rosto da iniciativa e a formadora, que passa muitas horas entre as grades a dar novos estímulos a quem um dia deitou quase tudo a perder, explica que nas sessões é muito motivador ver o entusiasmo dos reclusos.
Nas sessões são trabalhados modelos de negócios, bem como áreas como o marketing e a comunicação. São também desenvolvidos planos financeiros e explicadas questões ligadas ao enquadramento jurídico das empresas e negócios, o pagamento de impostos, entre outros.