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Carlos Pereira é um “coveiro” dos tempos modernos porque opera um forno crematório
Carlos Pereira trabalha no crematório da Póvoa de Santa Iria há 8 anos

Carlos Pereira é um “coveiro” dos tempos modernos porque opera um forno crematório

As cinzas entregues aos familiares dos defuntos são apenas as dos ossos dos mesmos

Carlos Pereira é operador de forno crematório há oito anos. Trabalha no crematório da Servilusa, na Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira. O equipamento fica no cemitério da cidade, onde trabalham coveiros que procedem aos enterramentos tradicionais.

Ele é uma espécie de “coveiro” dos tempos modernos. Em vez de abrir covas e descer caixões à terra perante familiares e amigos das pessoas falecidas, carrega em botões que accionam sofisticados equipamentos, num gabinete reservado e mais tarde acondiciona as cinzas que serão entregues às famílias.
Este não é o primeiro emprego de Carlos Pereira. Antes de ser operador de forno crematório trabalhava como distribuidor no sector das floristas. Quando lhe propuseram a mudança de actividade aceitou logo mas confessa que a adaptação não foi fácil, já que o seu trabalho mexe com um dos temas tabu como é a morte, que inflige dor às pessoas que vivem a perda de um ente querido.
Diz que recebeu formação e que frequenta sessões de psicologia do luto, que lhe dão ferramentas para se proteger e para melhor lidar diariamente com as pessoas que estão a viver momentos de grande pesar. No entanto reconhece que não consegue distanciar-se completamente do que faz.
O MIRANTE visitou o local de Carlos Pereira numa altura em que o forno crematório não estava a trabalhar. Tudo no local é asséptico. Tirando umas coroas de flores à entrada, que fazem pensar que está para breve outra cremação, nada mais indica de forma evidente o que ali se passa. Se noutro local do cemitério há uma cova aberta para receber o cadáver de um falecido, ali a boca do forno em inox está fechada e só se abrirá na altura de entrar a urna com o corpo a cremar.
Apesar de dizer que já está habituado ao seu trabalho, o operador do forno crematório confessa que evita entrar na sala de tanatopraxia (sala onde se preparam os cadáveres para o velório ou funeral), principalmente se estiver lá um corpo que foi autopsiado. “Não tenho estômago”, confessa.
As situações em que o corpo a cremar é de uma criança também o perturbam mais e esse desconforto agravou-se quando esteve do lado reservado aos familiares para se despedir de um sobrinho. “Foi uma experiência muito dolorosa mas fez-me compreender ainda mais os sentimentos dos familiares”, sublinha.

Não há lápides nem o reviver da dor a quando da exumação nem a compra de ossários
O Crematório da Póvoa de Santa Iria, um dos vinte e três do país, tem capacidade para cerca de quatro cremações por dia. Segundo Paulo Carreira, director geral da Servilusa, a média anual é de novecentas cremações mas o número de cremações tem vindo a aumentar substancialmente. A taxa de cremações em Portugal é já de 18% mas está muito distante dos 35% de Espanha e muito mais ainda nos países do norte da Europa onde a taxa de cremações é muito superior a 80 por cento.
As principais razões para a opção com a cremação é o facto de as pessoas não quererem ficar vinculadas a uma sepultura ou um jazigo. A falta de campas disponíveis nos cemitérios também contribui. E há os custos com as lápides, por exemplo. Além disso, com o enterro tradicional há um reviver da dor quando, após alguns anos, os corpos são exumados e os restos mortais entregues às famílias que têm que adquirir ossários nos cemitérios para os guardar. Para algumas autarquias o aumento das cremações tem significado o abandono de projectos de ampliação de cemitérios.
As salas da cerimónia e da última despedida estão preparadas para receber os familiares. Já o forno crematório e a sala de preparação dos falecidos não estão ao alcance dos olhares do público. Depois do velório e de a urna passar pela janela da sala da última despedida, entra no forno e começa a operação de cremação que leva cerca de uma hora e meia a duas horas até estar finalizada.
A urna na qual vem o corpo da pessoa a cremar é própria para a cremação. Não pode ter pregos ou metais e as colas e os vernizes têm que ser especiais, à base de água e sem materiais poluentes. Também os materiais de que são feitas as roupas do falecido devem ser especiais para evitar que sejam expelidos gases nefastos para o meio ambiente durante a cremação.
O forno crematório tem duas câmaras. Na segunda são queimados os gases, permitindo uma emissão limpa para a atmosfera. As cinzas entregues às famílias são apenas as dos ossos dos cadáveres. Toda a restante matéria, como a dos tecidos orgânicos ou da própria urna, é queimada na câmara que opera sobre os gases.
As cinzas são entregues aos familiares numa urna de cinzas tradicional ou numa ecológica que permite, por exemplo, lançá-las ao mar ou utilizá-las para plantar uma árvore, embora a maioria prefira guardá-las. Também há um espaço numa zona relvada, designada Jardim da Memória, onde as mesmas podem ser depositadas.

Carlos Pereira é um “coveiro” dos tempos modernos porque opera um forno crematório

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