Lar ilegal tem ordem de encerramento mas continua a funcionar
Proprietária contesta ordem de fecho do Instituto da Segurança Social e nega maus tratos. A Residencial Nova Estrela, em Salvaterra de Magos, funciona como lar ilegal. Há relatos de maus tratos e falta de condições de salubridade. A reportagem de O MIRANTE esteve nas instalações e falou com a exploradora do lar.
À primeira vista pode parecer apenas uma residencial de três estrelas, situada na principal artéria de Salvaterra de Magos. No seu interior, a realidade é outra. Na Nova Estrela reside um grupo de 20 idosos, alguns deles acamados, alegadamente sem condições de higiene e segurança.
O Instituto da Segurança Social tem conhecimento da situação e assegura a
O MIRANTE que, em articulação com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), “realizou uma acção de fiscalização ao estabelecimento de apoio social em questão, tendo sido deliberado o seu encerramento administrativo imediato”.
O edifício, licenciado apenas para utilização turística, não cumpre com as condições legalmente exigidas para poder funcionar como lar de idosos. As casas-de-banho não estão preparadas para banhos geriátricos, nem com as barreiras metálicas que servem de apoio em caso de queda. Tão pouco a casa-de-banho assinalada com a placa de deficiência cumpre as normas legais.
As camas, tal como refere a O MIRANTE a exploradora do lar, de 55 anos, não são preparadas para idosos ou pessoas acamadas. “São camas normais”, diz Odete Elias. Admite-o, por negar de seguida que nos quartos esconde idosos debilitados e acamados. “As pessoas são autónomas, fazem a vida delas”, acrescenta.
Ex-funcionária fala em violência
A O MIRANTE, uma ex-funcionária conta que “era obrigada a amarrar os idosos com cordas e trapos”. De braços esticados, os idosos eram presos pelos pulsos à cabeceira da cama. O mesmo acontecia com os tornozelos. E para que ficassem completamente imobilizados ainda lhes era colocada mais uma corda à volta da cintura que prendia nas laterais da cama. A exploradora do lar nega qualquer acto de violência.
Nenhumas das quatro auxiliares que o lar tinha na altura em que lá trabalhou tinha formação em cuidados geriátricos. À noite ficava apenas uma funcionária, número insuficiente para cuidar de 20 idosos. Segundo a lei deve existir um ajudante de acção directa por cada oito residentes.
Na altura em que lá trabalhou, conta Carla Mota, os idosos “eram lavados com trapos velhos” e “havia pessoas cobertas de fezes e urina” deitadas na cama, confessa. A alimentação não passava de pão embebido em leite e café ao pequeno-almoço e sopa ao almoço e ao jantar. “Nunca vi uma refeição sólida”, acrescenta.
Familiar de utente proibida de fazer visitas
Manuela, chamemos-lhe assim, retirou a sua familiar deste lar depois de se aperceber das condições pouco dignas em que a idosa se encontrava. Os primeiros sinais de alerta surgiram quando tentou visitar a familiar. “Não a podíamos ver. A dona dizia-me para esperar e que ainda não era a altura, porque ainda se estava a adaptar”. Depois vieram os sinais de magreza e violência. “Não queria falar, parecia que tinha medo. Quando lhe levantei a camisola vi que tinha feridas na zona da cintura e um pé inchado e com um grande hematoma”, conta a O MIRANTE, pedindo-nos para não ser divulgada a sua identidade.
A utente, na casa dos 65 anos, com problemas do foro psíquico, foi uma das vítimas dessa realidade social e económica. Esteve lá menos de um mês. Pagou 700 euros. Agora reside num lar licenciado onde “recebe todos os cuidados de que necessita”.
Segurança Social fiscaliza
Na intervenção efectuada pela Segurança Social, em Junho de 2017, foram detectadas várias irregularidades, nomeadamente a “falta de licenciamento, deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto”. Este organismo adverte ainda que as instalações representam “um perigo potencial para os direitos dos utentes e a sua qualidade de vida”.
A O MIRANTE a Segurança Social confirma também que “a entidade proprietária interpôs uma acção judicial a impugnar a deliberação do Instituto da Segurança Social, I.P.”. Em consequência do incumprimento da deliberação, o processo foi remetido para o Ministério Público pela prática de crime de desobediência.
Idosos dão mais lucro
Depois de ter chegado à conclusão de que uma residencial não dá lucro em Salvaterra de Magos, Odete Elias teve de se voltar para os “velhos”. A renda do imóvel que paga ao proprietário do edifício ronda os três mil euros mensais. Valor que as entradas de hóspedes não cobriam. Na vertente de residencial, o preço por noite é de 40 euros. “Se eu estivesse só à espera dos turistas”, não conseguia manter a porta aberta, confessa a O MIRANTE.
Continua a receber turistas, até “estrangeiros”, mas à porta avisa-os de que ali estão pessoas de “uma faixa etária mais elevada”. E diz, sem papas na língua, que “quem quiser ficar nessas condições, fica”.
Quem está na vertente de lar não paga o valor de 40 euros por noite. “Há um acordo. A pessoa que vai ficar paga 600 euros [mensais]”. Não há qualquer contrato ou recibo de pagamento legal. Todas as despesas extra como medicamentos, fraldas e consultas médicas são valores que acrescem à mensalidade do idoso.
A responsável adianta ainda que tem uma “parceria” com um médico e que também já chegaram a receber um médico psiquiatra. “Quando o idoso precisa chamamos. Foi nossa preocupação porque estava a aparecer muita gente idosa”, conta.
Incêndio nas instalações
Em Fevereiro de 2017 um incêndio deflagrou naquelas instalações e fez 15 feridos. Tal como O MIRANTE noticiou, 10 idosos foram transportados para o Hospital de Santarém e cinco para o Hospital Vila Franca de Xira, sem sequelas graves. No total foram retiradas do edifício de três andares 30 pessoas. O fogo começou com um curto circuito na lavandaria que se alastrou até à caldeira.
Lar ilegal em Foros de Salvaterra
A responsável admite a O MIRANTE que já foi proprietária de um lar ilegal em Foros de Salvaterra, no concelho de Salvaterra de Magos. O lar funcionava clandestinamente numa vivenda. “Esse sim foi mandado encerrar pela Segurança Social”, comenta. A multa de mais de 20 mil euros ao Estado continua por saldar.