Ordens do director de uma tourada são transmitidas através de toques regulamentares
José Henriques é cornetim há 48 anos na praça de toiros do Campo Pequeno. José Henriques chegou a pensar ser toureiro mas faltou-lhe a coragem para enfrentar os toiros. O trompete permitiu-lhe juntar o melhor de dois mundos: música e tauromaquia. É ele que, há 48 anos, transmite as ordens para a arena do Campo Pequeno, através dos toques regulamentares.
O som do trompete sobrepõem-se ao ruído de fundo no Campo Pequeno. Por instantes reina o silêncio, depois abrem-se as portas da zona das cavalariças e entra um cavaleiro a galope na arena, debaixo de aplausos. Aos 74 anos, com mais de meio século de experiência como cornetim, 48 dos quais no Campo Pequeno, José Henriques esconde o nervosismo que só o irá abandonar quando a corrida terminar.
Com um cartel de qualidade e uma ganadaria de excelência José Henriques vaticina, antes da corrida, de O MIRANTE que esta pode muito bem ficar registada na lista das que mais o marcaram pela positiva, como a da celebração dos 50 anos do mestre João Branco Núncio, ou a da despedida do matador Diamantino Viseu.
No entanto, confessa que as corridas que correm muito mal também não lhe saem da memória, como a de 11 de Agosto de 1983, durante a qual o cavaleiro Varela Crujo foi projectado do cavalo pela investida de um toiro, ficou em coma e acabaria por morrer.
Com formação musical, José Henriques tocou em diversas bandas e acompanhou as marchas populares de Lisboa mas actualmente dedica-se apenas às touradas. “Tive que optar e escolhi o que mais gostava, juntando o útil ao agradável. A música e a tauromaquia”, revela.
Foi através do pai, também cornetim na mesma praça, que aprendeu a técnica. O seu sonho era ser toureiro, mas confessa que lhe faltou a coragem necessária para enfrentar os toiros.
Ao longo da carreira José Henriques tem feito soar o trompete nas mais importantes praças de toiros do país, mas o seu grande orgulho está além-fronteiras, quando foi chamado a actuar na Praça de Toiros Monumental de Barcelona, em Espanha, numa corrida de gala integrada nas comemorações do Dia de Portugal naquela cidade da Catalunha, nos anos 70 do século passado. Desde então José pensa ser o único cornetim português internacional, “pelo menos oficialmente”, diz-nos emocionado.
“Há quem diga que comer azeitonas tira força ao músculo da embocadura”
Há, no mínimo, 32 toques por corrida. No toureio a cavalo há cinco toques e no toureio a pé há quatro. “Multiplicando isso pelo número de toiros, incluindo o toque de entrada de quadrilhas e avisos, chega-se facilmente às três dezenas”, refere o cornetim adiantando que nunca lhe faltou o fôlego mas que há alguns cuidados que procura ter. Um deles é não comer azeitonas. “Pode ser um mito mas eu não arrisco. Há quem diga que o óleo da azeitona tira força ao músculo da embocadura”, explica.
No toque para saída do touro gosta de fazer uns “adornos” e normalmente o público corresponde. Na noite da Corrida de
O MIRANTE foi ao segundo e ao sexto toque que surgiram as variações e o público reagiu com duas grandes salvas de palmas.
A maioria dos toques são avisos. “Uma lide a cavalo dura treze minutos. Aos dez toca-se o primeiro aviso, dois minutos depois o segundo e um minuto depois soa o toque de fim de lide”, exemplifica José Henriques. Os toques do cornetim, indicados pelo director de corrida, servem para orientar o toureiro que perde a noção do tempo durante a lide.
“Somos um transmissor das ordens do director de corrida para os artistas e para o público em geral. Se não o senhor teria que estar aos gritos, ‘não mete mais ferros’ ou ‘os forcados podem saltar agora’… isso não fazia sentido, assim ele transmite-me a mensagem e eu faço-a chegar através do som do trompete”, explica.
Quando a corrida chega ao fim, José sente um alívio extraordinário. Finalmente descalça as luvas brancas que sempre usou, tal como o seu pai e outros cornetins antes dele, e embora não saiba exactamente porque são usadas, confessa que não vai ser ele a quebrar a tradição.