Novas formas de fumar também matam
Cigarros electrónicos são uma nova dor de cabeça para os pneumologistas. Profissionais dos centros de saúde do Estuário do Tejo e do Hospital Vila Franca de Xira juntaram-se para falar de tabagismo. Os clínicos têm na agenda um novo desafio: identificar e reportar às autoridades de saúde casos de infecções respiratórias agudas em doentes que usem cigarros electrónicos.
A maioria das pessoas com doenças respiratórias quer deixar de fumar e os centros de saúde do Estuário do Tejo e o Hospital Vila Franca de Xira são os que mais consultas de cessação tabágica realizam por ano, em todo o país. No último ano, só no hospital foram feitas cerca de 300 primeiras consultas para acabar com o vício do tabaco. Os doentes fumadores que tenham sofrido um episódio agudo, como Acidente Vascular Cerebral (AVC), iniciam tratamento anti-tabágico ainda em fase de internamento.
A informação foi avançada pela pneumologista Rafaela Campanha, à margem do primeiro Curso de Cessação Tabágica organizado no auditório Reynaldo dos Santos, pelo Hospital Vila Franca de Xira com o patrocínio científico da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP).
O tabagismo está na base de cerca de 40 por cento das doenças respiratórias crónicas e os sintomas começam geralmente por tosse com expectoração e dificuldades em respirar provocadas pela combustão do cigarro e de um dos seus componentes, o alcatrão, que irrita as vias respiratórias. Mas há agora uma nova forma de fumar que pode estar na base de inflamações respiratórias graves: os cigarros electrónicos. Este foi um dos temas abordados na sessão, com o propósito de alertar e esclarecer os médicos sobre estes cigarros que já foram desaconselhados pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia, depois de terem sido identificados nos Estados Unidos da América 450 casos de doenças respiratórias graves e seis mortes que se suspeita estarem relacionadas com esta forma de fumar.
“Os cigarros electrónicos não têm os efeitos imediatos associados ao tabaco tradicional. Há fumadores que os passaram a utilizar e deixaram de ter alguns sintomas a curto prazo e isto pode ser enganador, porque a pessoa e sente-se melhor e desiste de pensar em deixar de fumar. Mas o que nos preocupa é o que acontece a longo prazo, porque as substâncias que provocam cancro e doenças cardiovasculares estão presentes nesses cigarros”, explica Paula Rosa, directora do serviço de pneumologia do hospital e coordenadora da comissão de trabalho de tabagismo da SPP.
Nos doentes fumadores com problemas respiratórios procurava-se uma doença crónica por ser a que está associada ao tabaco convencional, mas esta nova forma rara de pneumonia (lipoide aguda) que está a ser associada aos cigarros electrónicos é uma doença aguda. “Como não estava descrita não se estava com atenção a ela. Agora espera-se que haja mais algum cuidado médico em se fazer esta relação”, refere a médica.
Desde que foi tornado público um estudo feito pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos norte-americano, que regista um número crescente de casos de doença respiratória grave associados ao uso de cigarros electrónicos, a SPP passa a recomendar que os médicos comuniquem às autoridades de saúde casos de doentes com sintomas respiratórios agudos que suspeitem estar ligados ao consumo desse tipo de cigarro.
Tabaqueiras aliciam camadas jovens
Os cigarros electrónicos têm sido vistos como um mal menor do tabagismo, tendo aliciado sobretudo as camadas mais jovens. É também esta franja, entre os 18 e os 35 anos, a que menos ajuda procura para largar o vício. Rafaela Campanha reconhece que as estratégias de marketing da indústria tabaqueira estão muito bem implementadas e focadas em chegar à população mais jovem.
“As novas formas de consumo estão a ser desenhadas para os mais jovens, aliando o acto de fumar às novas tecnologias, com aparelhos semelhantes a uma pen e diferentes capas que se podem trocar, tal como se faz com os smartphones”, explica a
O MIRANTE. Rafaela Campanha alerta ainda para o crescente número de lojas vaping - onde se vendem os cigarros electrónicos e os óleos com aromas - com designs atractivos e saudáveis que facilmente enganam a população e confundem a comunidade científica se não houver uma posição estruturada sobre esta alternativa aos cigarros de combustão.
Sobre estes perigos Paula Rosa referiu que a SPP já questionou o Ministério da Saúde a propósito do controlo a este tipo de marketing. “Em festivais de Verão as marcas instalam-se e chamam os jovens a experimentar gratuitamente estas novas formas de fumar. É gritante e vergonhosa esta propaganda barata e sem nenhum tipo de controlo”, disse a O MIRANTE.
Vai levar tempo até se apurar que doenças causa o cigarro electrónico
Os profissionais de saúde presentes mostraram preocupação com o possível aumento de doentes que sejam consumidores de cigarros electrónicos. Segundo Paula Rosa, ainda não é possível falar de casos específicos neste hospital, mas não descarta que pneumonias graves possam estar relacionadas com o consumo de cigarros electrónicos. Acredita que vai levar tempo até se descobrirem que doenças provoca este cigarro e convencer a população dos seus malefícios. “Andámos cinquenta anos para demonstrar que o cigarro [tradicional] tira em média dez anos de vida. Muitos morreram até que se convencesse a comunidade científica e a população que o tabaco mata e o nosso receio é que se demore mais 40 anos até haver evidências de que estas novas formas de fumar também matam”, disse.