O incumprimento de regras em casa leva algumas jovens à institucionalização
Directora técnica da Casa Dr. Alves, em Ourém, diz que quando uma criança é sinalizada a intervenção deve ser feita o mais cedo possível. Na Casa da Criança, como é conhecida a Casa Dr. Alves, não faltam regras mas também há afecto e mimo. É uma forma de preparar estas crianças e jovens para uma vida adulta com autonomia e responsabilidade.
Há 15 anos as crianças eram institucionalizadas em idades mais novas e os motivos, por norma, eram a negligência, a mendicidade, os abusos sexuais ou porque os pais não tinham comida para lhes dar. Actualmente as crianças e jovens que aparecem na Casa Dr. Alves, em Ourém, vêm de famílias mais estruturadas, com algumas condições para as terem, mas a quem os pais não conseguem impor regras. A informação é dada por Joana Calado, directora técnica da Casa Dr. Alves, também conhecida por Casa da Criança. “Algumas jovens estão cá devido a comportamentos de risco, nomeadamente incumprimento de regras em família, como desobediência e consumos”, explica Joana Calado, defendendo que quando uma criança está sinalizada a intervenção deve ser feita o mais cedo possível.
A directora técnica considera que não se pode tirar uma criança aos pais e entregá-la, por exemplo, a outro familiar, sem dar apoio a esse familiar. “Existem imensas estruturas capazes de auxiliar estas famílias mas nem sempre funcionam. Tem que haver mais apoios por parte das estruturas do Estado”, afirma.
A Casa Dr. Alves tem actualmente à sua responsabilidade 20 crianças e jovens mas tem acordo com a Segurança Social para acolher 38. Na Casa da Criança já chegaram a viver 43 menores. “O grande problema de hoje das nossas instituições é a chegada de crianças nas alturas mais criticas e já com idade mais avançada. Dantes vinham com 12 ou 13 anos e com essas idade o trabalho é muito mais difícil”, refere.
Há dez anos a Casa Dr. Alves trabalhava para que as suas meninas fossem para a universidade. Durante seis anos consecutivos não tiveram uma única reprovação e várias jovens frequentaram a universidade. “Hoje não. Tenho miúdas com 18 anos a frequentar o 6º e o 7º ano e a nossa esperança é que terminem o 9º ano. As que foram para a universidade viveram connosco 15 ou 16 anos, vieram pequeninas. Agora conseguirmos que frequentem as aulas e regressem a casa sem processos disciplinares já é uma conquista”, conta.
A Casa Dr. Alves sempre recebeu meninas mas há cerca de quatro anos a Segurança Social pediu para acolher três irmãos – duas meninas e um menino – e há cerca de um mês chegaram mais três irmãos, dois meninos e uma menina. Joana Calado, que está no cargo há 13 anos, garante que na Casa Dr. Alves há regras e que todas têm que ser cumpridas. Ao mesmo tempo também há alegria e mimo. “Alguma coisa há-de faltar em casa senão estes menores não vinham para cá. Eles sentem que aqui alguém olha por eles”, sublinha.
A Casa Dr. Alves recebe também menores acompanhados pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). “Alguns passam a semana connosco e ao fim-de-semana vão ter com os pais”, acrescenta.
Há jovens que não querem sair da instituição
Muitas vezes são os pais pedem ajuda ao tribunal porque não conseguem lidar com os filhos. Segundo Joana Calado, os pais pensam que as filhas ficam na instituição um ano e depois de a medida ser revista pelo tribunal regressam a casa e está tudo bem. “O problema é que depois algumas não querem voltar, querem ficar aqui, porque é aqui que se sentem bem”, afirma, e conta o caso de um menino de 12 anos que podia ir para casa mas disse ao juiz que era ali que queria ficar porque teria o apoio no estudo que não teria em casa. “Aqui reforça-se o sentido de segurança e pertença destes jovens”, realça a directora técnica.
Situações de negligência representam mais de um quarto dos problemas com crianças e jovens
CPCJ de Santarém promove apoio junto dos pais como medida de protecção de menores
A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Santarém, que engloba as 21 delegações do distrito, acompanhou no ano de 2018 mais de 480 casos. Foram instaurados 197 novos processos, 172 transitaram do ano anterior e 115 foram reabertos.
A negligência voltou a ser a problemática mais acompanhada, registando-se em 27,1% dos casos acompanhados, o que se traduz em 75 processos. Seguiu-se a exposição a comportamentos que podem afectar ou comprometer o bem-estar e o desenvolvimento das crianças e jovens, com 70 casos, o equivalente a 25,2%, onde a violência doméstica assume de novo números preocupantes (33% do total de casos). As situações de perigo que põem em causa o direito à educação, surgem em terceiro lugar, enquanto problemática de relevo (com 49 casos, correspondentes a 17,6%), destacando-se aqui o absentismo escolar (16%).
O apoio junto dos pais foi a medida de promoção e protecção aplicada na maior parte dos casos (80,6%), privilegiando-se, assim, a manutenção da criança ou jovem no seu meio familiar. A segunda medida prende-se com o acolhimento residencial e foi aplicada em cerca de 9% dos casos.
Uma medida em linha com os dados nacionais da CPCJ, divulgados a propósito do Dia Internacional dos Direitos das Crianças, que se assinalou a 20 de Novembro, onde se destaca que apenas nove crianças tiveram uma medida de protecção em regime de acolhimento familiar em 2018, sendo que quase todas as crianças sinalizadas pelas comissões de menores ficaram na família, a maioria junto dos pais.
A maioria das sinalizações das situações de perigo chegaram à CPCJ de Santarém por correio electrónico e foram realizadas, pelas autoridades policiais seguidas dos estabelecimentos de ensino e do Ministério Público.
O “perfil tipo” das crianças e jovens acompanhadas foi idêntico ao dos anos anteriores e situa-se no escalão etário entre os 11 aos 17 anos. Com uma predominância de rapazes entre os processos instaurados e reabertos.
A nível nacional no ano passado foram aplicadas 14.007 novas medidas de protecção, que se somaram às 20.928 transitadas de outros anos que dão o global de 34.935 medidas de promoção e protecção de crianças e jovens.