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De enxada na mão numa escola de Constância
A Horta Camões deu um novo alento aos alunos de Constância

De enxada na mão numa escola de Constância

Um grupo de alunos do 8º ano da escola de Constância construiu uma horta que é um exemplo de como se pode ensinar os alunos fora da sala. O projecto chama-se “Horta Camões – produtos à pala”, fica em terrenos da própria escola e é o orgulho de 25 alunos da professora Paula Malheiro.

A Escola Básica 2/3 e Secundária de Constância tem cerca de 400 alunos mas é um grupo de 25 que faz notícia pelo trabalho que está a realizar na comunidade escolar. Há cerca de um ano que desenvolvem um projecto denominado “Horta Camões – produtos à pala” que se traduz na implantação de uma horta numa pequena parcela de terreno onde todos os alunos podem aprender a fazer agricultura. Alunos e não só porque os pais também participam e os professores dão uma ajuda.
O repórter de O MIRANTE foi a Constância onde foi recebido pelos alunos e por Paula Malheiro, uma das professoras da escola e uma das mentoras do projecto. Foi ela que nos contou como surgiu a ideia. “Um aluno disse um dia, numa apresentação oral, que sonhava ser engenheiro agrónomo. Vi-o tão motivado que resolvi começar a pensar como poderia tornar o sonho realidade”, conta.
O aluno chama-se Filipe Costa, tem 13 anos e vem de uma família que vive da terra e da criação de animais. Até à altura da apresentação era um jovem que criava algumas dificuldades aos professores: faltava às aulas e tinha um baixo aproveitamento escolar. “Tudo mudou na vida do Filipe quando conseguimos dar vida ao projecto da horta”, diz Paula Malheiro. “O Filipe ficou de tal forma entusiasmado com o projecto que se tornou melhor aluno e colega, ao ponto de ensinar aquilo que sabe de agricultura aos colegas. Foi esta oportunidade que lhe deu confiança e motivação. Hoje é ele que ao fim-de-semana, quando a escola está fechada, se responsabiliza pela alimentação das aves de galinheiro, que também fazem parte do projecto”, explica.
Na Horta Camões, para além da criação de galinhas, cultivam-se tomates, alfaces, cebolas, rabanetes, feijão verde, grelos e favas. “Vem aí o gelo e estamos todos com receio que as favas não se aguentem”, refere Domitília Mendes, professora apaixonada pela agricultura e pelo mundo rural e que também está envolvida no projecto.
O primeiro problema que surgiu, já depois da horta estar a dar os seus frutos, foi encontrar forma de dar ou vender a produção. A professora Domitília diz que a turma resolveu a situação sem grandes dificuldades. “Vão uma vez por mês vender no mercado municipal e depois os pais, professores e funcionários da escola também compram os produtos”, conta, referindo que já têm um pé de meia de algumas dezenas de euros e que o dinheiro é sempre reinvestido para comprar novos produtos. “Já temos pessoas em lista de espera”, conta entusiasmada.

“Borda D’Água” é leitura obrigatória
O almanaque “Borda D’Água” começou a ser de leitura obrigatória para os 25 alunos de Paula Malheiro. É nas suas páginas, mês a mês, que eles vão seguindo conselhos para se orientarem no amanho da terra e nas sementeiras. As professoras, habituadas a ensinar, não têm problemas em admitir que nesta área são os alunos que mandam. “Temos muito orgulho, e até vaidade, em sermos ensinadas por eles”, afirmam.
A conversa no pátio da escola, com os olhos nas cebolas acabadas de semear e nas seis galinhas a depenicarem umas folhas de couve num galinheiro que parecia uma instalação artística, durou cerca de meia hora. O toque da campainha para o regresso à sala de aula não foi suficiente para desmobilizar alunos e professores. Havia entusiasmo na forma como em meia hora de conversa os alunos meteram também a mão na terra ou usaram a enxada para provar ao repórter de O MIRANTE que não falavam de cor e salteado.
Os mais atrevidos ainda sugeriram que continuássemos por ali mais meia hora pois ninguém melhor do que as duas professoras para os ajudarem a justificar a falta à aula que os esperava. O pedido não foi atendido, mas ficou a declaração final, já sem os alunos por perto para que depois eles a pudessem ler no jornal: “Temos orgulho neste trabalho. Estamos satisfeitas por uma ideia tão simples e fácil de aplicar ter mudado comportamentos e implementado uma dinâmica nova na escola. Este espaço é também uma forma de terapia para os professores”.

Filipe Costa é um hortelão entusiasta

“Agora sinto que tenho alguma coisa para fazer na escola”

Filipe Costa é um menino de 13 anos que sabe usar uma enxada como um hortelão experimentado. Na conversa com O MIRANTE disse que sempre viveu no meio da horta do avô e a ajudar a dar milho às galinhas e couves aos coelhos.
O avô ensinou-lhe tudo o que sabe e abriu-lhe os olhos para os deveres de casa, que incluem a ajuda familiar na horta e no cuidado com os animais de criação. Filipe tem agora também a tarefa de passar todos os conhecimentos aos colegas que o acompanham na Horta Camões. “Ensinar é uma grande responsabilidade, mas os meus colegas também têm jeito para a coisa”, diz com um sorriso. Em jeito de brincadeira, já depois da confiança gerada com o jornalista, brincou dizendo que a parte que mais gosta neste projecto é quando tem que ensinar as professoras a semear os grelos.
Filipe Costa admite que era um aluno desmotivado e com pouco interesse nas aulas, mas que as coisas mudaram assim que a ideia da horta andou para a frente: “Para mim as aulas não chegavam. Não tinha motivação para ficar só ali sentado a ouvir as professoras. Agora sinto que tenho alguma coisa para fazer na escola”.
O jornalista perguntou-lhe como é que ele consegue explicar a diferença entre o que sente hoje e o que sentia antes: “Agora estou preso na escola como dantes mas sinto-me livre”, disse, sem pestanejar, e com uma cara que deu a entender que já tinha a resposta na ponta da língua.

De enxada na mão numa escola de Constância

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