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Um atropelamento que pôs a nu o país em que vivemos
Ana Cristina Silva diz que é preciso melhorar o apoio dado às vítimas de atropelamento

Um atropelamento que pôs a nu o país em que vivemos

Ao ser atropelada numa passadeira Ana Cristina Silva enfrentou as falhas que existem no sistema: dos tratamentos à falta de apoio social, atrasos das seguradoras e erros da justiça. Um relato da professora e escritora de Vila Franca de Xira que visa despertar consciências.

Passavam poucos minutos das 09h00 do dia 11 de Setembro de 2017 quando Ana Cristina Silva, saiu da sua casa em Vila Franca de Xira para beber um café e, momentos depois, acabou atropelada na passadeira. Acordou cercada de bombeiros e polícia com um traumatismo craniano grave e uma clavícula partida. Mas estava longe de imaginar que seria o início de um pesadelo que ainda hoje lhe custa recordar mas que deseja reviver, através de O MIRANTE, para despertar consciências e tentar que a legislação seja melhorada para proteger as vítimas deste tipo de acidente.
“Foram azares e lapsos uns atrás dos outros. Ter passado por isto permitiu-me ver todas as falhas do sistema”, confessa, admitindo que toda a situação ainda vai dar um livro no futuro. Segundo a base de dados Pordata no último ano morreram por atropelamento 105 pessoas, num total de 5.652 acidentes. 68 deles aconteceram no concelho de Vila Franca de Xira, onde duas pessoas faleceram.
O acidente que envolveu Ana aconteceu num dia de sol. O condutor deu-se como culpado mas até hoje nunca pediu desculpa à escritora e professora do ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. Diz que a sua história “é o reflexo deste país” e que felizmente conseguiu ultrapassar a recuperação graças a algumas economias que tinha.
Ana Cristina Silva elogia o atendimento das urgências do Hospital Vila Franca de Xira e depois de três dias no Hospital São José, em Lisboa, voltou para a unidade de Vila Franca de Xira onde ficou duas semanas internada na Medicina Interna. Aí não gostou do que viu: ficou muitas vezes desamparada pelos técnicos da enfermagem e até para ir à casa-de-banho teve de se aventurar por sua conta, arrastando-se pelas paredes, quando não conseguia andar.

A complicação dos seguros
Só ao fim de um mês Ana conseguiu tratar das questões relativas ao pagamento da sua baixa com a seguradora do condutor. Foi um jogo do empurra para a Segurança Social e até a documentação relativa ao seu caso foi perdida pelo balcão. Só ao fim de três meses Ana começou a receber o valor que lhe era devido. “Acho inadmissível o que aconteceu. Felizmente o ISPA pagou-me parte do ordenado e não me causou mossa, mas penso nas pessoas que têm família e casa para pagar e não podem ficar sem o ordenado. É preciso pensar seriamente nisto”, diz.
Fez queixa ao provedor da seguradora e levantou o problema pessoalmente junto de três deputados do Bloco de Esquerda, PCP e PS. Escreveu à Assembleia da República alertando para a falta de apoio às vítimas de atropelamento. “Nos casos em que o condutor assume a responsabilidade as seguradoras deviam pagar na hora e não andar para lá e para cá com a Segurança Social. Há um lapso na lei que lhes permite fazer isto e que deve ser revisto”, defende.
Ana Cristina Silva fartou-se da burocracia do processo e contratou um advogado, que acelerou a resolução do problema. “Pagaram o que deviam e deram-me uma indemnização mas porque eu pude contratar um advogado. E quem não pode? É isso que a lei precisa de acautelar. É preciso passar a dar essa protecção social”, exige.

Queixa no Ministério Público acabou arquivada
Por se tratar de um crime semi-público fez queixa do condutor e o caso seguiu para o Ministério Público, mas um alegado lapso nos serviços levou ao seu arquivamento sem que Ana tenha sequer sido informada dessa conclusão. “Ao fim de uns meses, quando me senti melhor, fui informar-me e disseram-me que por lapso o processo fora arquivado por não terem reparado que tinha sido solicitado um procedimento criminal”, nota.
O MIRANTE contactou o Ministério Público de Vila Franca de Xira sobre este assunto mas nenhuma resposta nos foi enviada até à data de fecho desta edição. Ana pediu entretanto a reabertura do processo.
Só ao fim de quatro meses de recuperação conseguiu voltar a dar aulas mesmo sofrendo de fortes dores. Doutorada em Psicologia da Educação, Ana Cristina Silva escreveu até hoje onze romances, incluindo “Cartas Vermelhas”, seleccionado como livro do ano em 2011 pelo Expresso. Foi a primeira vencedora do prémio Urbano Tavares Rodrigues com a obra “O Rei do Monte Brasil” e, em 2017, venceu o prémio Fernando Namora com “A noite não é eterna”.

Um atropelamento que pôs a nu o país em que vivemos

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