Dia da Pinga é uma tradição única de que o Espinheiro se orgulha
De porta em porta há uma casa aberta e um petisco em cima da mesa que é servido a quem passa. A música dá o mote a momentos de bailarico. E assim se consolida uma tradição que já atrai pessoas de outras zonas do país.
O Dia das Pingas no Espinheiro começa logo pela manhã, sempre a 27 de Dezembro, representando uma tradição única na região. Os preparativos começam logo a seguir ao dia de Natal. Há quem diga que é ainda melhor que o próprio dia dedicado à união das famílias. A receita é simples: as casas da aldeia do Espinheiro, concelho de Alcanena, abrem as portas põem as mesas nos alpendres ou quintais e dão de comer e beber a todos os que pelas ruas passam a cantar e a dançar, este ano ao som da Bandinha da Moca, de Alcanede.
Este é o dia mais forte dos festejos, que em 2019 decorreram de 21 a 28 de Dezembro, em honra de Nossa Senhora da Encarnação. Assim que se chega ao núcleo da festa há copos típicos para vender, que devem ser postos ao peito para deixar as mãos livres para se poder comer à vontade. Não existe uma organização que planeia o evento. São as próprias gentes da terra que já sabem o que têm a fazer. Todos são bem vindos e não é preciso serem da aldeia. A vizinhança também é bemvinda.
Quem vem de fora diz que nunca viu tal tradição e arrisca mesmo a afirmar que é única a nível nacional. Mário Costa veio de Leiria e é já o sexto ano consecutivo que marca presença no Dia das Pingas. Não poupa elogios à população do Espinheiro e aos ribatejanos em geral. “Não conheço uma tradição assim, com tanta gente, com tantos jovens, nesta altura do Natal. Isto é um espectáculo”, afirma.
Para o ano vem outra vez. “Só se morrer é que não estarei cá”, diz à reportagem de O MIRANTE, sorridente. O leiriense trouxe um grupo de amigos de Leiria, da Nazaré e até de Peniche. “Tenho cá um amigo que me falou desta tradição. Desde então tenho vindo e cada ano que passa trago amigos de outras localidades e todos ficam maravilhados. Não é só o comer e beber, são as pessoas que marcam e que ficam nas nossas vidas”, sublinhou.
Quem espera ouvir músicas alusivas à quadra natalícia vai enganado. Até as mulheres mais idosas agarram pares ao acaso e o bailarico dá-se onde houver vontade e a música puxar para isso. A marcha não pára e o ritual pelas ruas da aldeia segue a passo lento. São milhares de pessoas nas ruas. Este ano o tempo sem chuva e com temperaturas amenas ajudou à festa e os populares agradeceram por isso. Todos ou quase todos se conhecem. E se não conhecem passam a conhecer.
Mas a tradição não é igual ao que já foi. Os sinais dos tempos estão à vista. Se há 60 ou 70 anos, no Dia das Pingas, era servido o vinho, o pão e as carnes dos animais que se criavam, hoje em dia já não é bem assim e vem quase tudo das grandes superfícies. Apesar da alegria de aos 70 anos ainda ver passar estas centenas de pessoas, Eduardo Louro conta, entre um brinde e outro com quem vai passando à sua porta, que antigamente era de outra maneira. “Punhamos na mesa o que tínhamos, era mais à base de carne de borrego, porcos e galinhas que criávamos e pouco mais. Éramos pobres. Agora cada casa quer mostrar que tem a mesa mais farta e que tem mais posses que a outra”, diz.
Sardinha assada em Dezembro
Aqui não há frangos assados, como nas festas de Verão. Mas há sardinha assada em pleno Dezembro. Na casa de Eduardo Paião o fumo que sai do assador é um chamariz para quem passa. E claro, por ali ficam à espera com uma fatia de pão na mão, de onde só saem depois de ser posta uma sardinha em cima. “Dizem que as sardinhas estão melhores agora do que no Verão”, defende Eduardo Paião. Em Outubro preparou-se para este dia, foi a Peniche de propósito buscar as sardinhas que congelou com água do mar.
Na casa de Hugo e Bruno Almeirão todos já sabem o que os espera: uma enorme panela de massa à barrão. Com uma concha servem os populares que se perfilam com o prato na mão. “É a especialidade da casa e é tudo feito por nós”, referem. Há mais de 25 anos que assim é e, pelo amor que têm à terra, esperam nunca ver esta tradição morrer.
Casa após casa, a fartura de carne, salgados, mariscos e doces sucede-se. Sem esquecer a boa pinga da região, que leva muitos a fazer algumas paródias no final do dia, quando já estão todos “bem aviados”, conta Eduardo Louro.
Ninguém consegue ao certo contar como surgiu esta tradição. Até os mais velhos apenas se recordam que “sempre foi costume” no Espinheiro. Começou por ser só a gente da terra que, ano após ano, traz amigos das aldeias vizinhas. Até chegarem a vir de fora da região.