Jovem com problemas mentais inferniza população de Pernes
Mulher de 24 anos, com distúrbios psiquiátricos, tem causado desacatos em Pernes, na Chã de Baixo, onde reside, e no Hospital de Santarém, para onde é levada frequentemente pelos bombeiros.
No quartel dos Bombeiros Voluntários de Pernes basta mencionar o nome Raquel para deixar de sobreaviso bombeiros e administrativos. Uma das últimas situações que envolveu os Bombeiros de Pernes e Raquel, uma jovem de 24 anos, residente em Chã de Baixo, com graves distúrbios psiquiátricos, foi o sinistro que provocou em meados de Janeiro quando era transportada de ambulância para o Hospital São José, em Lisboa. Já na capital foi acometida de um ataque de fúria que desestabilizou a tripulação da ambulância provocando um acidente.
O comandante dos Bombeiros de Pernes, José Viegas, refere que as ocorrências já se dão há mais de um ano, embora com maior intensidade desde o último Verão. Chegam a ser quase diárias ou, por vezes, até mais do que uma vez por dia. A jovem passa dados falsos ao Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) que manda avançar a viatura do INEM. “Ficamos com uma viatura ocupada numa situação que não é de emergência podendo vir a ser necessária numa outra situação realmente urgente”, lamenta o comandante, realçando que têm que cumprir o protocolo sob pena de serem responsabilizados criminalmente caso não o façam.
Inicialmente atendia à chamada apenas a tripulação da ambulância, depois a agressividade passou a aumentar e, por receio, fazem-se acompanhar pela Guarda Nacional Republicana (GNR).
A jovem é corpulenta e tem força. “Quando é transportada ao Hospital de Santarém ali permanece por uns instantes, mas acaba por provocar alguma zaragata com o pessoal médico, enfermeiros, seguranças ou mesmo com utentes”, diz José Viegas.
“Andei 15 dias cheia de medo que me partisse isto tudo”
No café do Centro de Convívio e Cultura de Chã de Baixo e Outeiro de Fora ninguém quer dar a cara, todos temem a ira de Raquel. Mas entre um café e uma cerveja ouvem-se histórias dos vizinhos. Dizem ser raro o dia em que não lhes bata à porta para os importunar ou para lhes pedir que liguem para o INEM. O objectivo é que o número não lhe seja associado. Alguns contam que já se atirou para os carros em movimento. Há também quem a conheça desde tenra idade e com ela tenha frequentado a escola básica e garanta que era uma miúda normal, educada e sociável de longos cabelos encaracolados (agora está de cabeça rapada).
Sónia Rodrigues, proprietária do estabelecimento comercial, conta que há cerca de um mês teve que chamar a GNR, depois de Raquel se barricar na despensa do café. “Acabou por sair voluntariamente, vinha de ‘ice tea’ e chocolate na mão, a rir como se nada fosse”, relata. “Andei 15 dias cheia de medo que ela me aparecesse aqui e me partisse isto tudo. É muito agressiva”.
Angustiado, o pai, João Fernandes, conta a O MIRANTE que tudo começou há cerca de dez anos. Depois do divórcio, Raquel foi viver com a mãe para Santarém e aí começou o consumo de drogas e o comportamento desviante. Sem conseguir ter mão na filha e sendo vítima de violência da parte desta, a mãe entregou-a ao pai há perto de seis anos. Padeiro de profissão, João Fernandes trabalha de noite e só queria ter algum sossego durante o dia. “Mas ela não me deixa, quer que eu ande a passeá-la, diz que é mais importante que o trabalho. Se lhe digo que não, enerva-se parte tudo a pontapé e agride-me”, confessa o progenitor.
Raquel, diagnosticada com esquizofrenia, já esteve internada em várias instituições. O pai recorda apenas algumas: Abrantes, Bombarral ou Vila do Conde. Nesta última, onde permaneceu mais tempo, esteve durante três meses. “Nas outras fica pouco, pede alta e os médicos deixam-na ir. É maior, não podem fazer nada enquanto não avançar o processo que decorre há ano e meio no Tribunal de Santarém para ver se é internada compulsivamente”, informa o pai.
As recaídas acontecem quando deixa de tomar a medicação e consome drogas ou álcool. João Fernandes fez também várias queixas de violência doméstica pelas agressões que tem sofrido e lamenta que até agora nada tenha sido resolvido, resignando-se: “Fiquei com ela. É minha filha. O que posso fazer?”.
À espera de uma decisão do tribunal
Alice Rodrigues, directora técnica da Santa Casa da Misericórdia de Pernes, também conhece o caso e garante que a instituição já tentou ajudar Raquel. Como não existe a valência do apoio psiquiátrico a Santa Casa articulou-se com parceiros e disponibilizou-se para ajudar no acolhimento de Raquel numa unidade de recuperação, em Abrantes. A paciente acabou por sair depois de provocar distúrbios. “É uma pessoa que procura atenção e o seu caso é complicado enquanto não houver uma resposta do tribunal”, garante.
Opinião idêntica tem Liliana Silva, directora técnica de A Farpa - Associação de Familiares e Amigos do Doente Psicótico, em Santarém. Também conhece o caso e lamenta que nada se possa fazer sem uma decisão judicial.