PSP reclamou moto que já só tem quatro peças e não lhe pertence há 46 anos
A Polícia arranjou uma dor de cabeça a um coleccionador de motos antigas de Abrantes, que adquiriu o quadro, o depósito e duas rodas de uma Harley-Davidson de 1954. A PSP, que pensaria que a moto estava inteira, perdeu a acção em tribunal com custos muito maiores que o valor do veículo.
Um coleccionador de motos antigas de Abrantes viu-se envolvido numa carga de trabalhos por causa da compra de um quadro, um depósito e duas rodas de uma Harley-Davidson, de que a PSP reclamava a posse, apesar de o veículo já não lhe pertencer há 46 anos. Paulo Alho foi constituído réu num processo movido pela direcção nacional da Polícia, teve que entregar as peças no Tribunal de Santarém para uma peritagem, perdeu tempo e ganhou preocupações. Mas o tribunal montou o puzzle da história da moto que, em 1981, já sem algumas peças, foi avaliada em 75 euros.
A mota, de 1954, tinha integrado a frota da PSP entre 1955 e 1973, altura em que foi considerada em fim de vida e retirada de serviço. A juíza da secção central cível de Santarém chegou à conclusão que a mota foi entregue à então Direcção-Geral da Fazenda Pública, que à data vendia os veículos em lotes a sucateiros ou em leilões particulares. O que terá acontecido foi que apesar da venda, não se tendo conseguido apurar a quem, a Polícia nunca deu baixa do registo da matrícula da mota.
Valeu a Paulo Alho o facto de existir um inventário de herança depositado há 38 anos no Tribunal de Vila Nova de Gaia, que só terá sido feito porque a herdeira era de idade. A mota, já incompleta, andou depois de mão em mão. O Tribunal de Santarém concluiu que o coleccionador provou as sucessivas transmissões do veículo, condenando a PSP a reconhecer Paulo Alho como dono e legítimo possuidor da moto de que restam as quatro peças, permitindo-lhe que a registe em seu nome por usucapião.
A acção da PSP, interposta sem que sequer tivesse contactado o coleccionador e restaurador de motos antigas, o que este lamenta, obrigou o tribunal a ter que mandar fazer uma peritagem. Entre deslocações do perito, honorários e a decapagem do quadro para se tentar descobrir um número de série, que, veio a verificar-se, não era na altura colocado no quadro, gastou-se 507 euros. Ou seja, sete vezes mais do que valia a mota, sem contar com outros custos do processo.
O caso foi espoletado quando Paulo Alho, funcionário da Autoridade Tributária, fez em 2017 um pedido de registo da moto por usucapião no Cartório Notarial de Alcanena de Carlos Arês, a forma que usa quando compra motos antigas e não sabe quem é o dono. Quando adquiriu as peças, em 1999, juntamente com outro material, já tinham decorrido 26 anos após a moto ter sido abatida à frota, o que ultrapassa em muito o tempo necessário para se fazer o registo por usucapião, que agora lhe foi reconhecido pelo tribunal. O coleccionador manteve as peças na sua garagem e foi pedir o registo na altura em que ia iniciar o restauro da moto.
Paulo Alho diz que esperava por parte da PSP que esta entrasse em contacto com ele para esclarecer a situação e a forma como adquiriu as peças, em vez de partir logo para tribunal, com custos para o Estado. O funcionário público refere, em conversa com O MIRANTE, no local onde tem dez motas antigas que recuperou ao longo dos anos, que se tivesse sido sujeito a um processo-crime isso poderia prejudicar a sua actividade laboral.
Gosto por motos antigas nasceu no cinema
Paulo Alho, 48 anos, começou a recuperar motos em 1993, mas o gosto pelas relíquias de duas rodas começou em adolescente no antigo cinema de Alferrarede, Abrantes, que já não existe. Frequentava muitas vezes o cinema e as motos eram presença em muitos filmes, sobretudo da Segunda Guerra Mundial, o que lhe fez crescer a admiração pelos veículos. O facto de o pai ter sido mecânico na fábrica da Mitsubishi, no Tramagal, também acabou por o influenciar no gosto de recuperar motos, apesar de não ser especialista em mecânica.