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Famílias da cidade regressam à aldeia para fugir à Covid-19
Só o pequeno André, da família Rodrigues, não quis ficar na fotografia de O MIRANTE

Famílias da cidade regressam à aldeia para fugir à Covid-19

O medo e a incerteza provocada pelo surto do novo coronavírus levou algumas famílias a sair da cidade e a refugiarem-se no campo, retomando hábitos antigos de subsistência, enquanto aguardam por condições para regressar às suas vidas “normais”. O MIRANTE falou com a família Rodrigues e a família Bernardino, que saíram de Lisboa rumo à aldeia, em Santarém e Sardoal.

O casal Bernardino mudou-se para uma aldeia do Sardoal com os filhos

Pedro Rodrigues, 43 anos, é publicitário, organizador de eventos, retiros e workshops. Vive em Lisboa com a família e decidiu mudar-se para o campo, para casa dos pais no Casal das Azinheiras, em Casével, Santarém. Um dos motivos fortes para o fazer foi dar apoio aos pais, que vivem na aldeia e, sem carro, não têm grande mobilidade. Pedro e a esposa Andreia são pais de três filhos, os gémeos Bruno e Beatriz, de 14 anos, e o pequeno André, de 6 anos.
Assim que começaram a aparecer os primeiros casos de Covid-19 em Portugal decidiram rumar à aldeia onde podem usufruir do ar puro e do que a horta dá. Para Andreia foi a melhor decisão para não ficarem presos em Lisboa, num apartamento cheio de gente e limitados à varanda.
Pedro tem consciência que em Lisboa estariam mais próximos de supermercados, farmácias e hospitais, em caso de necessidade, mas considera que esses locais são também os principais centros de contágio.
“Somos vegetarianos, a comida vem mais da horta do que do supermercado. Aqui na aldeia é tudo família, uns dão batatas outros tomate e há sempre comida”, conta Pedro a O MIRANTE numa entrevista onde se manteve a distância social recomendada.
Ponderaram o facto de poderem ser um eventual foco de infecção para os avós, mas confessam que praticamente desde que o vírus apareceu no país já estavam mais recolhidos. E para os avós é bom ter a família toda reunida, apesar das recomendações da Direcção-Geral de Saúde. Irene, mãe de Pedro, diz que “se fosse na cidade ou se os miúdos andassem fora talvez fosse mais perigoso, mas não aqui no campo”.
São sete pessoas em casa, mais o cão Lucky, que também está agradecido por poder correr à vontade pelo campo. A logística não é a mais simples, encheram o frigorífico, a arca congeladora e a despensa. Muitas leguminosas, grão, feijão, arroz, massa. “Para nós, casal, já era assim e o resto da família vai-se adaptando embora continuem a comer carne e peixe”, diz-nos Pedro. Quando falta alguma coisa vai às compras nos minimercados locais.
A mulher de Pedro, Andreia, 43 anos, é professora de meditação com crianças e jovens em escolas de Lisboa. Faz também acompanhamento individual de adolescentes e mulheres. Um trabalho que tem conseguido manter online através do programa de videoconferência “Zoom”.
Bruno e Beatriz preferiam a normalidade das aulas, no 9º ano, a esta pausa obrigatória. Beatriz gosta de estar na aldeia, mas queixa-se da quantidade de trabalhos de casa que tem recebido. Bruno confessa que fica confuso com as tarefas enviadas pelos professores e por vezes não sabe se as fez todas ou não. Já para André, no 1º ano do ensino básico, as tarefas têm sido mais simples e há muito tempo para brincar e explorar.

O campo representa tranquilidade e qualidade de vida
A família Bernardino também decidiu abandonar a capital e instalar-se no interior. Está há perto de duas semanas na aldeia de São Domingos, Sardoal, na casa que João herdou da avó e onde sempre passou férias e fins-de-semana. João e Filipa, com 38 e 40 anos, respectivamente, são engenheiros. Ele formou-se em engenharia civil e economia e trabalha como consultor independente na área de mobilidade e inovação; ela formou-se em engenharia civil e psicologia e trabalha também na área de mobilidade, especificamente em mobilidade escolar, na Câmara de Lisboa.
À pergunta ‘porque decidiram vir para o campo?’, feita por email, para evitar deslocações e possíveis contágios, Filipa responde que para pessoas que viveram toda a vida na capital, as cidades pequenas e o campo representam tranquilidade e qualidade de vida.
“Já tínhamos imaginado várias vezes como seria viver aqui, e tínhamos bastante vontade de experimentar. Entre ficar em Lisboa num apartamento ou vir para o campo onde todos podemos usufruir do ar livre, não tivemos dúvidas sobre qual seria a melhor opção”, diz a engenheira.
João lembra que, assim que começou a aperceber-se do que se estava a passar noutros países, a ideia foi partir para São Domingos. “Fizemos a bagagem para passar cá uma longa temporada se for necessário. Acabou por ser uma óptima oportunidade para vivermos aqui durante uns tempos”, refere.
O casal Bernardino tem três filhos: Manuel (10 anos), Vasco (8 anos) e Henrique (4 anos), que frequentam o 5º e o 2º anos do primeiro ciclo e o jardim-escola. “Os professores dos mais velhos encararam a missão de eles prosseguirem os estudos e por isso têm tido bastante trabalho para fazer”, afirma Filipa.
João lembra que num cenário “apocalíptico”, com encerramento total de supermercados e farmácias, há mais resiliência no campo, onde sempre existe comida da terra. Filipa garante que, por enquanto, continuam a ter acesso fácil aos bens essenciais. “Todos os dias passa a carrinha do pão à porta, à terça e sexta-feira a da fruta, vegetais e peixe e às quartas a da carne”, aponta. A farmácia fica a cinco minutos de carro e os supermercados em Abrantes não têm a confusão que existe em Lisboa.
Mais cauteloso, João reconhece que as vendas ambulantes são muito práticas, mas podem ser um risco de transmissão da doença. “É preciso ter cuidado com as trocas de dinheiro e sacos de plástico, que são materiais onde o vírus sobrevive com maior facilidade”, alerta.
Redobraram cuidados ao chegar ao campo, onde a população é mais vulnerável à doença, devido à idade. Mas reforçam que também há efeitos positivos: “Quando soube que aqui estávamos, ligou-me o filho dos nossos vizinhos da frente, que estava bastante preocupado com eles, e pediu-nos para irmos às compras por eles, de forma a que corram menos riscos. Já dizia a minha avó: ‘temos que ser uns pelos outros’”, conta João.
As dificuldades com a Internet, as tarefas domésticas e trabalhar com os filhos em casa são desafios a que o casal confessa estar ainda a adaptar-se. “Só no sábado conseguimos realmente usufruir de estarmos aqui e não enfiados num apartamento”, dizem. É no fim-de-semana que João aproveita os tempos livres para finalmente cuidar das árvores e da horta, cortar balsas e acabar de podar videiras. “Já não conseguia fazer tanto há anos”, assume.

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