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Multidão recebeu presidentes de Portugal e do Brasil em Santarém

Quinhentos anos depois da saída da armada de Pedro Álvares Cabral para o Brasil, a cidade de Santarém, onde o navegador viveu os últimos anos da sua vida, recebeu a visita dos Presidentes das Repúblicas de Portugal e do Brasil com um entusiasmo popular de tal dimensão que os ilustres visitantes e as suas comitivas viram-se atrapalhados para navegar pelo meio da multidão. Jorge Sampaio chegou a perder a calma. Fernando Henrique Cardoso desculpou o povão afirmando ter provocado o incidente ao querer saudar todo mundo. Foi em 9 de Março de 2000.

O banho de multidão que aguardava os presidentes de Portugal e do Brasil no dia 9 de Março de 2000 em Santarém esteve quase a transformar-se num dilúvio, quando uma torrente humana se abateu sobre os chefes de Estado à saída da Igreja da Graça. No dia em que se assinalavam os 500 anos da partida da armada de Pedro Álvares Cabral rumo à descoberta do Brasil, valeu a Jorge Sampaio e Fernando Henrique Cardoso o porto seguro em que se transformou o auditório do Lar de Santo António, contíguo ao templo onde está sepultado o navegador português.
Foi aí que se improvisou uma conferência de imprensa que não estava no programa e onde os presidentes puderam descansar um pouco depois do aperto por que haviam passado. À saída da Igreja da Graça, onde tinham inaugurado uma exposição e depositado flores no túmulo de Cabral, os dois chefes de Estado foram literalmente abafados por uma vaga humana composta por populares, jornalistas, seguranças e homens do protocolo.
Jorge Sampaio, aos gritos de “não empurrem” e queixando-se da “desorganização” lá conseguiu furar mais o seu homólogo brasileiro, levando no encalço algumas dezenas de jornalistas dos dois países. Já no auditório, Fernando Henrique Cardoso assumiu a responsabilidade pelo sucedido, ao não ter medido as consequências de querer saudar a multidão que o aplaudia.

O POVO SAIU À RUA
Quem vaticinou uma cidade vazia no improvisado feriado municipal de 9 de Março, enganou-se. O povo saiu à rua para saudar os presidentes, mas houve quem não lhes pusesse quase a vista em cima. Foi o caso de Amália, Celestina e Etelvina, três senhoras que subiram da Ribeira ao planalto com esse fim. Para não darem a viagem como perdida, as três amigas esperavam, depois do almoço, visitar a exposição “Cabral - O Viajante do Rei”, patente na Igreja da Graça. Até porque de manhã só a ela tiveram acesso as entidades convidadas, tal como aconteceu com a inauguração da Casa do Brasil. Ao povo restou o papel de bater palmas aos políticos, à reconstituição histórica levada a cabo por dezenas de elementos dos grupos de teatro de Santarém e contribuir para a moldura humana do largo em dia de visitas ilustres.
Nas janelas, bandeiras de Portugal e do Brasil reflectiam o carinho que merece a muitos scalabitanos o chamado país irmão. O povo aguardava debaixo de um sol bisonho mas bastante quente. Os poucos momentos de sossego vividos pela comitiva presidencial ocorreram na Casa do Brasil, de onde os chefes de Estado assistiram de uma janela à evocação de Pedro Álvares Cabral feita por Eliseu Raimundo, naquele momento vestindo a pele de Pêro Vaz de Caminha.
Foi ainda na Casa do Brasil que o presidente da Câmara de Santarém teve a única ocasião de botar discurso nessa manhã. Palavras breves mas que sensibilizaram Fernando Henrique Cardoso. Sobretudo quando José Miguel Noras afirmou ser aquele imóvel, recuperado pela autarquia, “chão de duas pátrias” e a “primeira pedra” para fazer de Santarém a cidade mais brasileira de Portugal e a capital do Brasil em território lusitano.
Cerca do meio-dia estava o programa cumprido e adivinhava-se o regresso dos presidentes a Lisboa. Mas à saída da Igreja da Graça as coisas complicaram-se. O povo não arredava pé para poder ver de perto a comitiva. Jornalistas e seguranças jogavam ao gato e ao rato. Cada classe tentava fazer o melhor na sua tarefa. As primeiras-damas são evacuadas do meio da enxurrada e enfiadas em carros que partem de seguida. Os maridos são submersos. Sampaio perde a compostura e fala em desorganização. “Não empurrem. Deixem-nos passar”, grita com voz autoritária. “Ainda falam dos jornalistas portugueses!”, comenta com um sorriso o presidente da Câmara de Santarém a O MIRANTE.

“DEIXEM-NOS SAIR EM PAZ”
Momentos depois, já no remanso do auditório, Sampaio teve quase que dar um murro na mesa para que se calassem as vozes e se iniciasse a conferência de imprensa. Nada de declarações polémicas, antes muitas palavras de agradecimento e de elogio mútuo.
Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro a falar: “Aproveito esta ocasião para agradecer muito ao povo de Santarém. O modo pelo qual nós estamos sendo recebidos aqui me emociona. Podem ter a certeza que o Brasil inteiro sente o mesmo frémito que eu sinto nesse instante. Quando o presidente Jorge Sampaio e eu, nesta catedral, estivemos prestando home­nagem diante do túmulo de Pedro Álvares Cabral não era possível deixar de sentir a grandeza de Portugal”.
Cinco minutos depois, foi a vez de Jorge Sampaio pegar no microfone. Agradeceu a visita do seu homólogo brasileiro, que deu “profundidade” às comemorações dos 500 anos, lembrou o percurso quase paralelo dos dois países rumo à democracia e as ligações que o passado determinou.
Aos aplausos do povo, que ouvia os discursos através de colunas de som colocadas no exterior, seguiu-se um pedido de Fernando Henrique Cardoso com destinatários especiais: “Agora vou fazer um pedido à imprensa: que nos deixem sair com calma. Eu falo com a imprensa brasileira noutra oportunidade sobre o que for necessário, mas não agora”.
A saída foi realmente mais calma do que a entrada naquele espaço. O que não era difícil. Mas mesmo assim ainda houve apertos. Depois os presidentes lá foram à sua vida. Dias depois encontrar-se-iam de novo no Chile. Sampaio, na hora da retirada, cabeça e tronco saindo do tejadilho do Mercedes presidencial, retribuiu com acenos à população, qual atleta olímpico dando a volta de honra após ganhar o ouro na maratona.

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