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“Seu Cabral” é a única figura que une Brasil e Portugal
Henrique Monteiro, Manuel S. Fonseca e Francisco Seixas da Costa em entrevista na redacção de O MIRANTE, em Santarém

“Seu Cabral” é a única figura que une Brasil e Portugal

O MIRANTE juntou na redacção em Santarém três figuras da cultura portuguesa para falarem de Pedro Álvares Cabral e dos 500 anos da sua morte. Manuel S. Fonseca, Francisco Seixas da Costa e Henrique Monteiro, um editor, um diplomata e um jornalista, que têm ligações a Santarém, conhecem bem a História de Portugal e são figuras que cultivam o amor pela cultura brasileira e pelo Brasil.

Henrique Monteiro

Gosto de estar em Santarém e particularmente numa redacção de um jornal. Tenho que confessar que a minha relação com Santarém é de passagem. Mas estive aqui várias vezes quando o Jorge Custódio, que foi meu professor na faculdade, veio trabalhar para a cidade. Nessa altura tive oportunidade de visitar Santarém com ele; sei ainda que, do ponto de vista cultural e monumental, a cidade merece ser visitada sem qualquer dúvida. Nunca sei se é por ficar demasiado perto de Lisboa para vir passar uns dias, ou demasiado longe para vir cá passar umas horas, que para mim a cidade fica fora de caminho.

Pedro Álvares Cabral é muito importante para Santarém, e é isso que nos junta na redacção de O MIRANTE, mas quero chamar a atenção para um escalabitano ilustre chamado Estácio de Sá, que foi fundador da cidade do Rio de Janeiro e que, neste ano de 2020, faz 500 anos que nasceu. Estácio de Sá é filho de Gonçalo Correia e Filipa de Sá e foi o primeiro governador-geral da Capitania do Rio de Janeiro. Já que Santarém quer ser a capital do Brasil em Portugal é bom que não esqueçam este filho ilustre que fundou uma das cidades mais importantes do mundo. Também ele merecia uma estátua na cidade de Santarém para sermos justos com os homens mais importantes desta terra.

Se formos ao Google e procurarmos pelo seu apelido só encontramos o nome de uma farmácia em Lisboa. No Rio de Janeiro o seu nome é bem conhecido e lembrado em datas festivas. Voltando a Pedro Álvares Cabral: o navegador é uma figura que esteve ignorada durante séculos e é preciso não esquecer esse pequeno pormenor.

Manuel S. Fonseca

O que o Joaquim Emídio contou no início da conversa sobre a multidão que em 2000 recebeu o presidente do Brasil em Santarém é importante para nos situarmos: Confesso que tenho saudades dessa ideia de união entre Brasil e Portugal. Parece-me que tudo o que se construiu também desapareceu entretanto. A minha primeira relação com o Brasil começou em Luanda (Angola) em 1966. O meu pai trabalhava no porto de Luanda. Eu tinha 13 anos e fui para o porto da cidade com muitas outras crianças ver chegar um navio de guerra que era, na altura, o Rolls Royce dos mares. Nunca se tinha visto nada igual na cidade. Milhares de soldados e oficiais, fardados a rigor, a chegarem num barco lindíssimo, brilhante. Na hora da formatura a banda tocou uma música do Chico Buarque. Toda a população ficou rendida ao brilho, ao aparato e mais ainda ao ouvirem as músicas de amor do Chico Buarque. Foi uma festa, uma espécie de fusão semelhante ao texto original da Carta de Pêro Vaz de Caminha. Luanda branca, negra, mulata, recebeu aqueles marinheiros como se fossem da família. Ainda hoje penso que deve haver muitos descendentes das pessoas que durante três dias se uniram em carne e espírito, tal era a festa e o entusiasmo. Tenho saudades dessa ligação afectiva ao Brasil, e ao povo brasileiro, aos livros e à música, sinto nostalgia desses tempos.

Como editor não posso deixar de salientar o facto de a Carta de Pêro Vaz de Caminha também só ter sido conhecida dois séculos depois e publicada só em 1817. Para mim ler essa Carta é como assistir ao nascimento de um novo mundo. A Carta regista o encontro entre dois povos, duas culturas, duas civilizações completamente distintas.

A Guerra & Paz vai publicar uma nova edição da Carta?

Vamos sim. Estou a trabalhar com a minha equipa numa edição acessível, com um português que todos entendam, e assim possam fruir da beleza do texto. Quero que a Carta de Pêro Vaz de Caminha deixe de ser um livro académico, escolar; quero que o texto chegue às pessoas que gostam de bons livros mas que não têm tempo nem paciência para lerem ou traduzirem o português de antanho.

O Francisco Seixas da Costa deve ser o diplomata vivo que mais correu mundo como embaixador de Portugal, onde se inclui o Brasil. Quando lá esteve encontrou muitos descendentes de Pedro Álvares Cabral?

Primeiro dizer-vos que a minha relação com Santarém também não é muito profunda mas deve ter sido a única cidade que, durante a minha vida, me obrigou a fazer cem quilómetros de carro para vir aqui almoçar. E não foi há muito tempo. Tudo porque sou um viajante/visitante compulsivo do país, para compensar a minha vida de diplomata que me fez estar muito tempo ausente. Posso ainda afirmar que venho a Santarém com alguma frequência. Ainda há pouco tempo estive nas Portas-do-Sol num dia magnífico em que fiz várias fotos, que publiquei no meu blogue. Tinha familiares em Alpiarça e nessas ocasiões passava-se sempre obrigatoriamente em Santarém. Vim cá há 5 anos numa noite trágica; trágica para o mundo. Vim à Casa do Brasil fazer uma palestra sobre questões de segurança e, no momento em que decorria a palestra, soubemos do atentado terrorista em Paris que matou mais de cem de pessoas.

Sobre o Brasil e Portugal e Pedro Álvares Cabral temos de perceber o contexto daquilo que o Manuel S. Fonseca referiu anteriormente. A nossa relação é muito complexa e eu diria até muito traumática. Há muitos sectores importantes das duas sociedades que mantêm desde sempre relações distantes. Posso dar um exemplo: durante o século XIX, a seguir à independência do Brasil, houve uma certa resistência por parte dos portugueses que ficaram no Brasil no sentido de se manterem na estrutura administrativa do país e isso gerou conflitualidade com as novas gerações de brasileiros. Essa conflituosidade prolongou-se por todo o século. Portugal esteve de relações cortadas com o Brasil. Um embaixador português apoiou uma vez um golpe de Estado no Brasil e criou uma situação inconcebível. No século XX diria que a circunstância de Portugal ser a segunda República europeia, depois da França, acabou por aproximar a realidade brasileira e portuguesa. Foram para o Brasil, como embaixadores, figuras gradas do republicanismo português, mas é também durante o tempo da República, em particular a seguir à semana do modernismo no Brasil, em 1920, que se dá uma ruptura cultural que era importante para o Brasil. O Brasil era um país independente mas não era um país descolonizado. Há uns anos ouvi um discurso aquando da morte de uma figura importante do Brasil. Nessa gravação, de 1912, o orador brasileiro falava português fluente que era a língua da elite brasileira, que se falava em Coimbra ou Lisboa. A mudança da linguagem é algo que acontece mais à frente, ainda no século XX, que procura uma certa recuperação da dignidade brasileira no uso da língua. Se lermos uma antologia do conto brasileiro, desde o final do século XIX até aos anos 30 do século XX, a linguagem muda completamente, até o léxico muda. Os brasileiros recuperaram uma linguagem oral e em termos escritos que não condiz com aquilo que eles acham cerimonial na forma como escrevemos e falamos. Hoje isso é visível na imprensa brasileira: Aquando da história do ‘mensalão’, no primeiro dia, a palavra apareceu com aspas, no segundo dia já não teve, no terceiro dia passaram a ser os mensaleiros, no quarto dia havia um outro mensal, passou a ser o mensalinho e mensalar passou a ser um verbo. Nós estamos nos antípodas destas formas de lidarmos com a língua portuguesa.

Há ainda um ponto importante nas nossas relações que interessa realçar; o Brasil mantém durante muitos anos, na área diplomática, um certo sentimentalismo na relação com Portugal. O que fez com que o Brasil, durante muitos anos, mesmo nas Nações Unidas, estivesse ao lado de Portugal, a certa altura já em contraciclo daquilo que era a sua posição natural no mundo, que era ser um país do sul. E há um momento em que se desliga de Portugal nas Nações Unidas. Esse momento, curiosamente, é durante a ditadura militar brasileira. Os diplomatas brasileiros recebem instruções no sentido de se afastarem do voto em relação a Portugal para não porem em causa as relações futuras com o mundo do sul.

Por razões que demorariam a explicar, o Brasil também cavalgou muito a onda anti-colonial e a circunstância do regime português se ter acantonado nos anos 50, 60 e 70 na defesa de algo que estava completamente condenado pela História. Isso deu alento àqueles que no Brasil tinham um discurso anti-português. Costumo dizer que a lusofobia é a doença infantil do brasileirismo mas ela aconteceu sempre em vários tempos e foi-se renovando várias vezes. Hoje em dia, e para terminar, vamos ser claros: os amigos de Portugal no Brasil estavam normalmente à direita. A esquerda brasileira não tinha uma grande afectividade com Portugal nomeadamente a esquerda cultural, intelectual e universitária. Sempre tiveram uma relação complicada com Portugal e ainda hoje mantêm. Embora agora as coisas estejam mais pacificadas. O discurso diplomático brasileiro sempre dava a entender que Portugal era uma espécie de parente pobre que estava sistematicamente a mostrar que queria ser útil ao parente rico.

O Henrique deve ter muitas histórias para contar das suas visitas ao Brasil no exercício da profissão de jornalista?

Já visitei mais vezes do que actualmente. Estava a gostar de ouvir o Francisco. Tenho uma leitura ainda mais empírica observada aqui e ali em várias ocasiões em que atravessei o Atlântico. Acho que também somos muito culpados do estado actual das nossas relações.

Toco piano por brincadeira e uma vez, numa visita com Mário Soares, em 1986, toquei para uma plateia uma música do Caetano Veloso e do Chico Buarque. Posso testemunhar que eles ficaram admirados por nós conhecermos e admirarmos tanto as suas músicas. Uma coisa curiosa: todos os dias leio pelo menos a primeira página do Estado de São Paulo, do Globo e da Folha de São Paulo e confesso que não percebo uma série de notícias por causa daquilo que o Francisco disse que é o uso e o abuso da língua. Por outro lado penso que a grande maioria dos portugueses acha que o Brasil é uma espécie de São Tomé e Príncipe grande. Um país que não tem importância no mundo e recusam-se até a discutir o acordo ortográfico, que é uma discussão que não quero trazer para aqui, principalmente por causa do Manuel S. Fonseca (risos)

Manuel S. Fonseca

Estive 13 anos à frente da SIC, 9 anos como director-adjunto e 4 anos como director de programas. O Brasil tinha uma capacidade de produção audiovisual mil vezes superior à de Portugal. A Globo é um estado dentro de um estado. A Globo criou uma verdadeira Hollywood no Rio de Janeiro. Tem estúdios, tem uma capacidade imensa de produção. Fez de Portugal uma colónia audiovisual porque Portugal era o único país europeu onde não se percebia bem o brasileiro, o que mostra que a questão do acordo já vem muito de trás, mas ainda era compreensível e, portanto, o público português foi compreendendo ou esforçava-se por compreender uma língua que não era a dele no sentido coloquial. Portugal, para eles, era como se fosse uma aldeia no mundo porque o que eles queriam era vender na Rússia, nos países europeus mais populosos, depois na China. A amargura brasileira é que Portugal, apesar de tudo, com a sua venda da aldeia, era a melhor receita do mundo que eles tinham e isso é que é o mais espectacular. Eles vendiam a Portugal dez vezes mais caro que vendiam nos outros países e com isso tinham a maior receita da venda do seu produto. Fomos de facto colonizados pelas novelas e apreendemos outros hábitos. Mas a produção portuguesa conquistou o seu espaço entretanto e arrumou com a brasileira. Isso agora contamina a questão cultural. Os livros já sentem esta história desde a 2ª Guerra Mundial. Na Segunda Guerra Mundial Portugal era um exportador líquido para o Brasil de livros. Nos anos 40 e 50 tudo muda. Quando chegamos aos anos 60 Portugal é um importador líquido de livros do Brasil. Nos anos 60 nós já não temos a capacidade para colocar o livro português no mercado brasileiro e junto das elites brasileiras. Resumindo: a língua transformou-se, evoluiu de tal forma que não conseguimos colocar lá os nossos livros quando não há muitos anos os nossos escritores eram a referência da elite brasileira. Por isso não faz sentido estarmos a falar de unidade da língua porque não há mais unidade da língua, nunca mais haverá. O que há, ou deve haver, é um norma brasileira. Adoro a forma de falar brasileira. Deve haver uma norma brasileira, como acontece com Espanha; os espanhóis têm 10 normas. Aliás vamos à internet e estão lá as normas todas, a mexicana, a argentina, etc. Já não há hipótese de voltarmos a pôr as línguas juntas do ponto de vista semântico, lexical; já não vale a pena lutarmos por um acordo ortográfico, é chover no molhado.
Henrique Monteiro

É verdade. Portugal nunca se achou, sempre pensou que o Brasil fosse um aliado de Portugal, houvesse o que houvesse, acontecesse o que acontecesse. Nunca descolonizamos o Brasil na nossa cabeça e nunca percebemos que o país tem uma grandeza que ultrapassa em muito a dos outros países de África.

É possível a um editor português aproveitar as traduções dos livros brasileiros de autores estrangeiros?


Manuel S. Fonseca

Nem pensar. Uma vez comprei uma tradução brasileira de um livro estrangeiro e gastei mais dinheiro a actualizar o português da tradução brasileira que gastaria a pagar a tradução do original em inglês. Não se aproveitava quase nada.

Francisco Seixas da Costa

Relativamente ainda ao trabalho da Globo em Portugal: no imaginário popular português estamos a falar dos anos 40 e 50, ouvir falar um brasileiro originava sorrisos. Estávamos habituados a ouvir brasileiro nos circos, em registo de anedota. A novela, de repente, coloca os portugueses a chorar. É a novela que dignifica a língua portuguesa no Brasil. É a novela que nos traz o outro Brasil e para o imaginário português, de repente, o Brasil não é só aquele personagem, tipo o amigo da onça ou aquele brasileiro caricaturado que viajava porque o brasileiro que conhecíamos era o que retornava da viagem ou o brasileiro rico que viajava com o cabelo penteado para trás e de bigodinho com ar de quem vinha do Copacabana Palace. Enquanto fui embaixador no Brasil a minha táctica era falar devagar, não comer as palavras e assim nunca tive problemas no diálogo com eles.

Uma vez tentei explicar a Cavaco Silva que há muito brasileiro que não sabe nada de Portugal nem da geografia portuguesa. Porque são descendentes de emigrantes de muitas partes do mundo e desconhecem a História do país. E não raro dirigem-se a nós e exclamam; ah vocês também falam português lá em Portugal. E porquê? Porque para os brasileiros a língua é deles e não do Pedro Álvares Cabral ou do Camões.

Tenho uma história com o presidente Lula da Silva que não posso deixar de contar. Quando lá cheguei não pude apresentar credenciais porque havia vários embaixadores na fila. Entretanto, o Lula convidou-me para jantar com o primeiro-ministro de Espanha, José Luís Zapatero. No final do jantar o Lula chamou-me, começamos a falar de futebol e Zapatero disse que o Pelé era uma figura fantástica no futebol, enfantizando o facto de os espanhóis gostarem muito dele. Meti-me na conversa e disse que a melhor equipa brasileira não tinha o Pelé e era do ano de 1962. O embaixador conhece a equipa de 1962?, perguntou Lula da Silva, ao que eu ripostei; e o senhor presidente conhece? Então não lembro, não jogou o Pelé, mas jogou o Amarildo e citou mais um ou dois nomes E eu desafiei:, porque é que não começa de início? Citei um a um todos os jogadores desse ano de 1962: Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Zózimo, Nilton, Santos, Zito, Didi, Garrincha, Vavá, Amarildo e Zagalo. Depois expliquei: como Portugal não ia aos campeonatos do mundo a nossa equipa era a selecção brasileira. Posso jurar que era a única equipa que conhecia. Mas foi o suficiente para fazer um figuraço. Por causa disso, e contrariando a cúpula do PT (Partido Trabalhista), mais tarde levei o Lula ao Real Gabinete Português de Leitura e, no mesmo dia, a almoçar no Palácio de São Clemente. Lula ficou completamente encantado e acho que aprendeu mais sobre Portugal naquele dia que em toda a sua vida.

Henrique Monteiro

Isto é muito importante porque a maior parte dos brasileiros não fazem a menor ideia o que é Portugal e o que os portugueses representam na História do Brasil. Fomos nós que contribuímos para a organização daqueles territórios e negociámos de forma a que o Brasil seja hoje um verdadeiro continente. Curiosamente, os manuais da História do Brasil explicam muito mal a importância dos portugueses na fundação do país.

No seu trabalho pelo mundo alguma vez o associaram ao Brasil ou a outro país de língua oficial portuguesa?

Francisco Seixas da Costa

Portugal tem uma imagem muito forte na Europa por ser um país antigo. Nos últimos anos as coisas têm vindo a mudar. Ainda somos um país prestigiado, embora muitas vezes caricaturado por vários temas, seja o colonialismo, salazarismo ou várias outras coisas, mas é uma imagem de um país antigo e que está no imaginário mundial.

Falemos ainda da forma como Portugal é visto no Brasil e vice-versa. Somos um país que teve uma migração fortíssima para o Brasil no século XIX, diria até meados dos anos 50 do século XX. Nunca deixamos os nossos créditos por mãos alheias. Sempre procuramos melhorar a vida social dos emigrantes mas também dos naturais; daí o Real Gabinete Português de Leitura e tantas outras obras que a comunidade portuguesa fez no Brasil ao longo de quase dois séculos. Também percebemos que esse era um momento de dignificação eterna e esse momento de dignificação tem depois um elemento importante que é a parte económica. A comunidade portuguesa no Brasil tinha uma força expressiva muitíssimo grande até que se abrasileirou em definitivo nos anos 50 e 60.

Quando recebe o mapa de vendas dos seus livros o que é que representa o distrito de Santarém ou a região do Ribatejo?

Manuel S. Fonseca

80% das vendas são em Lisboa, Porto e Braga. O resto é paisagem, ou seja, cerca de 20% das vendas. Esta iniciativa de reforçar as relações luso-brasileiras pode ter várias vantagens para vários sectores, inclusive para os livros, embora estejamos a falar de tarefas muito complicadas. Hoje a importância do livro brasileiro em Portugal é baixíssima; nos 500 livros mais vendidos em Portugal, no primeiro semestre deste ano, só um é brasileiro e de um autor brasileiro, que é o romance do Chico Buarque; é o único e vem já do ano passado. A música foi sempre um elo de comunicação fortíssimo mas tem hoje o mesmo grau de importância na relação entre países.

Henrique Monteiro

À volta de Pedro Álvares Cabral e Estácio de Sá, Santarém pode liderar a relação cultural e política entre os dois países. Se formos ao googlemaps e observarmos o trajecto do rio Amazonas encontramos dezenas de lugares com nomes de cidades e vilas desta região. Ninguém em Portugal explora esta familiariedade, esta ligação afectiva, esta ligação umbilical com os povos do Brasil e com a nação brasileira; alguém tem que tomar a liderança. Santarém está numa boa posição para fazer esse caminho.

Francisco Seixas da Costa

Só há duas figuras portuguesas que são bem tratadas no Brasil: Pedro Álvares Cabral e D João VI, embora a este último sejam sempre associados aspectos caricatos da sua vida. Mas o Cabral não. O Cabral é a única figura que toda a gente conhece ou ouviu falar. Está nos sambas, nas escolas, em todo o lado. Uma vez tive uma briga com o director do Estado de São Paulo por causa do texto da Carta de Pêro Vaz de Caminha que acaba com o escriba a pedir ao rei para tirar um seu familiar de São Tomé e Principe. Num editorial do Estado de São Paulo o jornalista defendia a ideia de que em 1500 os portugueses já traficavam influências. Escrevi uma carta com algum humor ao director do jornal e lembrei outros tempos em que o jornal foi porto de abrigo de muitos portugueses que colaboraram para que a Folha tenha o prestígio que tem hoje.

Manuel S. Fonseca
Deixem-me falar do Jorge de Sena que é um bom exemplo de um escritor e erudito que não era bem aceite nas Universidades brasileiras e entre os intelectuais. Publiquei as cartas trocadas com João Sarmento Pimentel, que recomendo a toda a gente, não para vender livros mas para que se perceba que as universidades brasileiras foram de facto, em muitos aspectos, um elemento de repressão e de abafamento da cultura portuguesa.

Se Santarém quisesse apostar forte nos dias de hoje nas relações luso-brasileiras por onde deveria começar?

Henrique Monteiro

Eu apostava nos músicos (risos): Apostava nos músicos e na comunidade brasileira que vive em Portugal. Organizava espectáculos em Santarém mesmo com aqueles gajos pirosos que a gente nem é capaz de ouvir…


Manuel S. Fonseca

Tipo o Nilton César?


Henrique Monteiro

Sim, esse já morreu, mas tinha “A namorada que sonhei” de que todos nos lembramos e cantamos.


Francisco Seixas da Costa

Para mim Santarém tem que se aliar à Casa do Brasil de Lisboa e organizar um festival de gastronomia já que Santarém é bom nesse tipo de organização. Não esquecer que a comunidade brasileira está centrada em Lisboa, mas há muita gente espalhada por todo o país. O primeiro a organizar algo que ligue essa comunidade é que vai ter Pedro Álvares Cabral do seu lado.

O que é que vos identifica com Santarém? Uma resposta rápida e sem pensarem muito.

Henrique Monteiro

A Capital do Gótico.

Francisco Seixas da Costa

Eu é um traje de campino que herdei do meu primo de Alpiarça e com que tenho uma fotografia para aí com 5 anos de idade.

Manuel S. Fonseca

Salgueiro Maia e o 25 de Abril.

Henrique Monteiro

Boa. Mas nessa estamos todos de acordo.

Francisco Seixas da Costa

Foi ele que comandou a coluna militar que arrancou para Lisboa antes da minha.

Henrique Monteiro

A minha nunca arrancou porque ainda não estava na tropa. Mas não acabo sem voltar a lembrar que uma festa em honra do Senhor Cabral é, logo a seguir ao fim da pandemia, a melhor iniciativa para fazer de Santarém a capital do Brasil em Portugal.

“Seu Cabral” é a única figura que une Brasil e Portugal

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