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Desaparecimentos misteriosos  de quem sai de casa e esquece como voltar  
Filipa Gomes, Associação Alzheimer Portugal. Vera e Carla Silva, filhas de José Silva, doente de Alzheimer desaparecido há três meses

Desaparecimentos misteriosos  de quem sai de casa e esquece como voltar  

Saíram de casa e a doença de Alzheimer fê-los esquecer o caminho de regresso. Na região há desaparecimentos que ao fim de um ano continuam por resolver. Em Alverca, a família de um idoso com demência continua à procura de respostas. No Cartaxo, a confirmação da morte pôs ponto final num misterioso desaparecimento.

Foi uma corrida contra o tempo que o esforço não compensou. Já passaram três meses desde o desaparecimento de José Silva, o idoso de 72 anos diagnosticado com Alzheimer que saiu de casa, em Alverca do Ribatejo, e nunca mais regressou. Ainda não há sinal do seu paradeiro ou respostas para o que possa ter acontecido. Polícia, família e amigos bateram quilómetros de terreno à procura do homem que nunca mais ninguém viu. A família sofre diariamente com a sua falta e a angústia da incerteza enquanto espera há mais de um mês por uma resposta do tribunal sobre um possível retomar das buscas.
“Nem uma resposta tivemos. Sentimos que há muito que estão a ignorar este desaparecimento e nós, que tanto o procurámos, já não temos força para mais”, lamenta a filha, Carla Silva. Este é um dos casos que se junta a outros cinco desaparecimentos de pessoas com demência no último ano, na área de intervenção da Polícia de Segurança Pública (PSP), no concelho de Vila Franca de Xira. Além de José Silva, uma outra pessoa com a doença que afecta a memória continua há mais de um ano, em paradeiro incerto.
Para Filipa Gomes, directora técnica do departamento de serviços de Lisboa e do núcleo do Ribatejo da Associação Alzheimer Portugal, sediado em Almeirim, tendo a pessoa desaparecida um diagnóstico de demência “seria fundamental que as autoridades agissem no próprio dia podendo fazer a diferença entre encontrar a pessoa viva ou morta”. Mas não é isso que acontece, pelo menos em algumas situações, sendo disso exemplo o caso de José Silva cujas buscas policiais começaram no dia seguinte. A própria legislação diz que só 48 horas após o desaparecimento é que as autoridades podem procurar uma pessoa maior de idade com ou sem demência.
“A diligência para busca de desaparecidos pressupõe uma ocorrência recente e a presunção de eventual perigo para a vida da pessoa ou de terceiros ou de eventual indício de ocorrência criminal”, destaca a O MIRANTE, o tenente-coronel da GNR João Fonseca.

Polícia Judiciária
com 11 desaparecimentos
à espera de resposta
No Cartaxo, o último desaparecimento de uma pessoa com Alzheimer teve a morte como desfecho, quatro meses após o alerta e oito dias de buscas. O corpo de Vitalina Galvão, de 86 anos, foi encontrado em avançado estado de decomposição, numa vala a 8 de Dezembro de 2019, por dois caçadores. Depois de ter ido às compras a idosa terá caminhado quilómetros sem rumo até perto do concelho vizinho de Azambuja levando o corpo ao limite pelo cansaço, falta de água e alimento.
Ainda no distrito de Santarém, na área de intervenção da GNR, desapareceram nos últimos cinco anos outras sete pessoas com demência, duas das quais foram encontradas sem vida. A nível nacional, entre 1 de Março e 20 de Agosto, 99 pessoas com mais de 65 anos foram dadas como desaparecidas. Na lista de pessoas desaparecidas da Polícia Judiciária, composta por 43 pessoas, 11 têm Alzheimer ou demência degenerativa que afecta a memória.
As memórias mais antigas são as últimas a desaparecer
A desorientação espácio-temporal, explica a psicóloga e directora do Núcleo do Ribatejo da Alzheimer Portugal, é “um dos sintomas de uma pessoa com demência que vai evoluindo até que a pessoa sai de casa e deixa de saber como voltar”. Quando isso acontece, acrescenta, o mais certo é que acabe em desaparecimento, e como as “memórias mais antigas são as últimas a desaparecer” é comum essas pessoas “tentarem visitar os pais que já morreram, ir para o trabalho que já não têm ou para outra casa onde viveram”.
Um discurso que começou a ser frequente em José Silva semanas antes do seu desaparecimento. “Dizia que ia visitar familiares nossos que já morreram e que ia até Subserra, em Alhandra, ter com eles”. No dia em que saiu de casa com uma camisa vermelha e calças de ganga vestidas, sem dinheiro ou quaisquer documentos, foi visto por um indivíduo no sentido Alverca-Alhandra, que mais tarde contactou a família. Foi a última pista que José Silva deixou à família, que ao fim de um mês era a única a prosseguir com as buscas.
A filha, Carla Silva, contou a O MIRANTE que o pai raramente saía de casa sozinho, mas para controlar possíveis saídas, até porque já se tinha perdido noutras ocasiões, a família tinha colocado um dispositivo de localização por satélite (GPS) no porta-chaves que naquele dia não levou. “O ideal será colocá-lo, por exemplo, nos sapatos, porque dificilmente uma pessoa, mesmo com Alzheimer, sairá descalça para a rua”, aconselha Filipa Gomes, lembrando que existem outras opções como a pulseira com código alfanumérico do programa “Estou Aqui” da PSP.

Alzheimer em tempo de pandemia

As restrições da pandemia de Covid-19 nos hospitais levaram a que sejam cada vez mais os idosos que entram para as listas de desaparecidos depois de receberem alta. O caso mais grave levou à morte de uma mulher de 66 anos, com Alzheimer, mas foram quase dez os idosos com demência dados como desaparecidos. O alerta é dado pela Associação Alzheimer Portugal.
“Antes da Covid-19 já chegavam à associação algumas queixas de pessoas a questionar se era legal darem alta a uma pessoa com demência, ou seja, esta pandemia só veio destapar o que já existia, a falta de sensibilidade e organização nos hospitais”, destaca a O MIRANTE, Filipa Gomes.

Desaparecimentos misteriosos  de quem sai de casa e esquece como voltar  

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