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Entre a depressão e a impotência  há empresários que resistem ao medo
Hélder Cunha (na foto com a esposa), o dono da Ourivesaria Chambel no Entroncamento, tem uma história de vida que é também de resistência

Entre a depressão e a impotência  há empresários que resistem ao medo

Histórias de empresários da região que lutam para que não se alastre nas suas vidas o vírus da frustração, do medo e da incerteza da manutenção dos negócios e dos empregos. Há quem já tenha tido depressões e há quem as tente curar com medo que a pandemia as torne num pandemónio. E há a história de um sobrevivente de várias desventuras que só pensa em resistir.


Foi salvo minutos antes da sua casa ter sido arrastada pelas águas. Teve cancro. A sua mulher também teve cancro e já esteve infectada com Covid-19. Recebeu ordem de despejo quando estava internado no hospital. Já somou depressões. Esta é parte da história de Hélder Cunha, o dono da Ourivesaria Chambel no Entroncamento. Mas não é a história do desgraçadinho. É uma mensagem de resistência. O comerciante é um dos muitos que tiveram de parar os negócios pela segunda vez em menos de um ano. O que é que se sente? Frustração. Mas as desventuras da vida ensinaram-no a enfrentar as dificuldades e, apesar de desanimado, a sua forma de combater a pandemia é não desistir.
Hélder estava a mudar a ourivesaria para outro espaço, com a força de começar a recuperar mais de meio ano em que praticamente não teve rendimentos. Em 2020 teve de fechar por causa da pandemia. Depois a sua mulher, funcionária num lar de idosos foi apanhada no surto da instituição. O comerciante, com dois filhos que atracaram em porto seguro na Marinha de guerra, teve de deixar as pratas e relógios nos expositores para dar assistência à família.
Ainda com as marcas alojadas na mente por causa do cancro na pele, que descobriu há quatro anos, preparava-se para abrir a ourivesaria num novo espaço, mas por causa do confinamento não encontrou gente disponível para acabar as obras. Meteu mãos ao trabalho e está sozinho a fazer os acabamentos. Assim distrai o pensamento e evitar engordar, como aconteceu no primeiro confinamento, em que ganhou cinco quilos. Trabalhar não mete medo a quem não tem férias há cinco anos e já teve de vender bens para ter uma vida condigna. “Há pessoas que quando regressam de férias dizem que ficam depressivas por terem de voltar ao trabalho, por terem de comprar material escolar dos filhos… Se tivessem tido os meus problemas não pensavam em depressões”, desabafa.
A vida tem sido madrasta para o comerciante, que aos quatro anos de idade foi apanhado com a família pelas cheias da região de Lisboa. O dilúvio causou cerca de 700 mortes e destruiu 20 mil casas. Retiram-no da habitação uns minutos antes de a casa se desmoronar. Ficou-lhe marcado o espírito de ajuda e foi por isso que aceitou entrar para os rotários do Entroncamento, onde vive há anos, tendo sido presidente da organização no ano passado. Dois anos depois de lutar contra o seu cancro, teve de lidar com o cancro da mama da mulher, em 2018. Entretanto, teve de recorrer à banca para não morrer enquanto comerciante. “Sou um resistente, um sobrevivente”, reconhece Hélder Cunha com o espírito de quem acha que “já não há nada muito pior para acontecer”. A paragem forçada fá-lo sentir “inútil, fraco, impotente e frustrado”. Mas diz que “desistir é para fracos”.

O medo de não se livrar da depressão e os que encontram forças nos filhos
Resistir é a vontade de empresários com os nervos em franja pelas contas para pagar e pelos empregos que tentam a todo o custo manter. Sobreviver mentalmente é o que está a tentar fazer João Mourato, que carrega uma depressão há tempo demais. Está a fazer o inventário da José & Rosa - Pronto a Vestir, que tem em Almeirim, para se manter entretido. O seu maior medo é que, quando já não tiver mais nada para fazer no estabelecimento nem clientes para atender, a angústia alastre e a depressão se agrave.
O nascimento do filho há cerca de duas semanas tem libertado o espírito de Manuel Vargas do restaurante Oh Vargas, em Santarém. São também os filhos, com quem passa mais tempo agora em brincadeiras, que têm afastado Luís Ferreira, gerente do restaurante “O Pinheiro”, em Almeirim, do desânimo total. O pensamento de ambos os empresários está permanentemente nos funcionários.
Manuel Vargas, com 18 colaboradores que dependem de si, tem-se tentado aguentar com serviço de comida para fora, mas vive uma angústia permanente de quem abriu o negócio há ano e meio e não sabe como lhes vai pagar. Agora acorda a meio da noite com o choro do menino, mas antes era com a preocupação em arranjar soluções. Do Pinheiro estão 30 pessoas em casa. Luís Ferreira sente-se doente por estar parado. Faz-lhe falta a agitação, a rotina… “Trabalho desde muito novo e o trabalho é o meu porto seguro”.

João Mourato, Manuel Vargas e Luís Ferreira

Onde é que param os clientes?

Restauração do concelho de Vila Franca de Xira à espera de melhores dias.

Depois de ter reaberto no ano passado, a Pastelaria Moleirinha, na Praça Afonso de Albuquerque em Vila Franca de Xira, está a vender os bens essenciais e refeições ao postigo, mas a clientela não passa de dúzia de pessoas. “Vamos ver se vale a pena manter ou se vamos fechar“, refere José Saraiva, de 56 anos, que aqui trabalha desde Junho.
Em Alhandra, na pastelaria e restaurante Alemar, a comerciante Emília Gomes, 67 anos, está a trabalhar sozinha para tentar manter o negócio. “Estamos praticamente na miséria”. Emília esteve a cumprir isolamento nos últimos 21 dias após ter testado positivo para a Covid-19 e no dia em que reabriu o espaço só vendeu uma refeição em take-away.
Na Pastelaria Dinastia, em Alverca, o seu proprietário, João Rodas, de 64 anos, diz que só se mantém aberto em consideração aos poucos clientes que ainda visitam o espaço. Explica que agora “nem café, nem outras bebidas” pode vender, a única coisa que o mantém são os pratos do dia à quinta e à sexta-feira: cozido e choco frito com arroz de feijão, respectivamente. O empresário, que tem a ajuda da esposa e da filha, vai andando à espera de saber se tem pernas para se manter a funcionar. “Fazemos a comida para os clientes e o que sobrar é para nós comermos”, revela, sublinhando que o mais importante neste momento é conseguirem manter-se com saúde.

Entre a depressão e a impotência  há empresários que resistem ao medo

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