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“O BE tem que olhar mais para o interior do país”
Luís Gomes é vereador na oposição em Salvaterra de Magos e coordenador da distrital de Santarém do BE há quatro anos

“O BE tem que olhar mais para o interior do país”

Luís Gomes é coordenador distrital do BE em Santarém e vereador da oposição na Câmara de Salvaterra de Magos. Foi um dos fundadores do Bloco de Esquerda. Vive em Salvaterra de Magos após ter sido convidado para ser chefe de gabinete da então presidente do município. Defende a renovação do partido e diz que as principais bandeiras do BE estão muito viradas para os grandes centros urbanos desvalorizando os desafios dos concelhos de pequena e média dimensão.

O BE governou em Salvaterra de Magos durante vários anos. Nas últimas eleições passaram para terceira força política atrás do Chega. Que leitura faz deste resultado?

Há um reforço e contentamento em relação ao PS. Perderam votos mas mantêm a liderança. Não nos parece que o desenvolvimento do concelho corresponda àquilo que devem ser as suas ambições mas há que respeitar. O Chega é aquele partido em que muitos eleitores descontentes com os partidos optam por votar. Temos que trabalhar mais para conseguirmos chegar às pessoas.

O BE tem condições para voltar a ser Poder em Salvaterra de Magos?

Nas próximas eleições autárquicas vai ser diferente porque vão aparecer novos rostos no PS, por força da limitação de mandatos, e é uma oportunidade para todos. Temos quatro anos para mostrar aos eleitores que somos a alternativa certa para o concelho.

Vê-se como candidato daqui a quatro anos?

Esta foi a primeira vez que fui cabeça-de-lista à Câmara de Salvaterra de Magos, embora esteja no quarto mandato, terceiro na oposição. Muita coisa muda em quatro anos.

O futuro do BE é continuar a perder influência em distritos como Santarém e outros do interior do país?

Há um problema no BE que me preocupa. As suas principais bandeiras estão muito concentradas para os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto desvalorizando o que são os desafios dos concelhos de pequena e média dimensão. Esse é um grande desafio do BE. O BE tem que encarar o território como um todo e ter uma campanha e propostas muito mais incisivas para o interior do país. Isso também ajuda a que o nosso espaço político aumente. Temos que olhar mais para o interior do país. As populações sentem-se abandonadas e os problemas são opostos aos das grandes cidades.

O BE, a nível nacional, é contra as touradas. Como é que o partido resolve este problema no distrito de Santarém onde as touradas fazem parte da identidade cultural?

Dentro do BE existem militantes aficionados e outros que não são. Em Salvaterra de Magos tivemos cabeças-de-lista aficionados e anti-touradas. É esta pluralidade que existe no BE que deve ser respeitada. Temos claramente uma barreira basilar sobre esta matéria que é não existirem apoios públicos às touradas. Isso é defendido por todos, mesmo em Salvaterra. Pode roubar eleitores mas é a posição do BE. Não sou aficionado mas respeito a tradição e não concordo com quem vai para a porta das praças de toiros protestar contra as corridas. Há que haver respeito de parte a parte.

O BE perdeu todos os vereadores que tinha no distrito de Santarém à excepção de Salvaterra de Magos (onde tinha dois e passou a ter um). A que se deve esta perda de força do BE no distrito de Santarém?

Há casos em que o Chega pode ter tido um papel importante como em Salvaterra de Magos ou Entroncamento, por exemplo. Quem está na oposição tem o trabalho mais dificultado e a pandemia não ajudou. O fenómeno do Chega também veio alterar as contas. Em Torres Novas e Abrantes são fenómenos particulares com os movimentos independentes que surgiram nestas eleições. Perdemos força e temos que responder politicamente, não só nos concelhos como a nível distrital. Temos que reflectir sobre o que fazer.

É coordenador da ditrital do BE de Santarém há quatro anos. Vai continuar no cargo?

As eleições são no início de Dezembro. Estamos a tentar responder ao que aconteceu nas eleições autárquicas. Estamos a construir uma lista o mais abrangente e alargada possível. Está em cima da mesa a possibilidade de eu ir como cabeça-de-lista mas ainda não está decidido.

Os rostos do BE são sempre os mesmos. Defende a renovação do partido?

Defendo a limitação de mandatos e defendo as renovações no partido.

“As ideologias não estão esgotadas”

Um profissional da política é mal visto?

Sempre foi. Faço sempre questão de dizer, muitas vezes nas reuniões de câmara, que temos que dar o exemplo. Só dessa forma é que temos autoridade, ética e moral, de dizer que há comportamentos errados na política e que temos que condená-los. No entanto, também há exemplos positivos e não se pode misturar. Os maus exemplos acontecem em todas as áreas profissionais.

Como é que dá o exemplo?

Quem está no Poder deve mostrar rigor na transparência das contas, concretizar as propostas e promessas feitas. Por exemplo, mais uma vez fez-se o diagnóstico da enorme abstenção nas últimas eleições autárquicas em Salvaterra de Magos. E mais uma vez todas as forças políticas lamentam a situação. Depois na primeira reunião camarária apresento uma proposta para combater a abstenção e é recusada. Esta falta de coerência tem que ser combatida.

Concorda com a profissionalização dos políticos?

Tem que existir condições para as forças políticas que têm representação exercerem a tempo inteiro as suas funções porque a política é uma arte nobre e de grande responsabilidade que decide os destinos dos municípios e do país. É fundamental haver todas as condições mas profissionalizar a política é criar um lobby de políticos que estão sempre a exercer aquelas funções independentemente da sua representatividade e isso não é correcto.

Podia ser militante do PS em vez de estar no Bloco?

Se o PS fosse outro partido completamente diferente. (risos)

O que distingue o BE do PS ou do PCP, por exemplo?

Há um percurso histórico do PCP e as suas convicções, intituladas ortodoxas, em que o BE não se revê e eu também não. O PCP tem o seu eleitorado. A actual direcção continua fechada em muitos valores e mantém dificuldade em entender-se com os seus parceiros de esquerda, especialmente com o BE. Nunca percebi esta posição. À excepção dos últimos anos, costumo resumir que o PS quando está no poder governa, muitas vezes, ao centro e à direita. Quando está na oposição chega-se à esquerda.

As ideologias não estão esgotadas? Não é tudo a mesma coisa?

Não estão esgotadas mas a sociedade em que vivemos tenta estreitar isso. Quando hoje olhamos, mesmo para a direita, há profundas diferenças entre todos os partidos de direita. Na esquerda acontece o mesmo. O PS consegue arranjar altas figuras do partido que defendem os opostos e é tudo normal e depois, o que mais me incomoda, é que o PS tenta acantonar o BE numa determinada área e isso revolta-me. As ideologias existem mas são dissipadas no dia-a-dia com as respostas concretas aos problemas da nossa vida.

O BE faz a vida negra aos patrões e assusta a classe empresarial com propostas radicais?

Não. Tanto que nestes últimos seis anos não houve uma ruptura no mundo empresarial. Em Salvaterra de Magos temos empresários nas nossas listas. Essa ideia de que o bom para o trabalhador é mau para o patrão está completamente ultrapassada. Podem conjungar-se na perfeição desde que os patrões percebam que um trabalhador satisfeito produz muito mais.

O PCP pode acabar entretanto e o BE ficar no seu lugar como mediador entre a esquerda e a direita moderada?

O PCP tem um vínculo ideológico muito forte e não acredito que o partido vá acabar. É um partido que olha para um socialismo real que ainda é uma corrente que existe no mundo.

O BE não se livra de uma certa fama de esquerda caviar: alguns dos seus dirigentes são ricos e famosos como os outros que vão almoçar ao Ritz e fazer negócios. O que diz desta teoria?

Não sei quem são eles e muito menos sei quem são os dirigentes interpretados como esquerda caviar. Não faço a mínima ideia das suas contas bancárias e os restaurantes que frequentam. Acho que é uma teoria sem sentido. Uma coisa é ser de esquerda e outra coisa é querer nivelar por baixo. Todas as pessoas de esquerda devem ter acesso a tudo e não têm que ser todos coitadinhos e pobrezinhos.

O BE tem estatuto para fazer um género de terrorismo como por exemplo pintar paredes durante a noite para contestar um político local ou nacional se não tiver voz na comunicação social?

Essa não é a forma do BE fazer política. Em Salvaterra de Magos, há oito anos, na noite anterior às eleições autárquicas em que o BE perdeu a câmara, apareceu na parede da praça de toiros uma frase em que dizia ‘BE quer acabar com as touradas’. Até fizemos queixa. No dia seguinte, após termos perdido as eleições, estava tudo apagado. Os radicais de esquerda que pintam paredes não vão apagar a seguir (risos).

De empregado fabril a fundador do Bloco de Esquerda

Luís Gomes nasceu em Lisboa a 20 de Maio de 1969. O pai é natural de Trás-os-Montes e a mãe da zona do Douro. Foram viver para Lisboa à procura de uma vida melhor. O vereador do BE na Câmara de Salvaterra de Magos começou a trabalhar aos 13 anos numa pequena empresa de metalurgia. Quando chegou aos 18 anos foi exigir ao patrão o ordenado mínimo nacional, como era obrigatório, e foi despedido. Revoltado, o seu caminho começou a desenhar-se para a política.

Trabalhou numa empresa na área da Informática, onde fazia os recados. Começou a trabalhar numa tipografia onde teve alguns problemas com os patrões porque, entretanto começou a estudar e não lhe queriam dar as horas a que tinha direito como trabalhador-estudante. Integrou uma associação de jovens onde havia muitas pessoas que faziam parte da extinta UDP (União Democrática Popular), liderada na altura por Luís Fazenda. Foi quando surgiu o Bloco de Esquerda tendo sido um dos 1.500 fundadores do partido.

Licenciou-se em Sociologia e tirou o mestrado em Ecologia Humana e Problemas Sociais. Divide a sua vida profissional entre a política e as aulas que dá de Sociologia. Fez parte da primeira geração de autarcas do BE. Foi cabeça-de-lista à Assembleia Municipal de Almada. Estava a preparar a sua tese de doutoramento, que ainda não concluiu, quando recebeu um convite para ser chefe de gabinete da então presidente da Câmara de Salvaterra de Magos, Ana Cristina Ribeiro. “Só conhecia a localidade porque costumava andar de bicicleta mas decidi aceitar o desafio e vim viver para Salvaterra”, explica.

Garante que se apaixonou pelo concelho e comprou casa em Foros de Salvaterra onde vive com a companheira e os três filhos, de 10 anos e os gémeos de sete anos. A esposa trabalha na Câmara de Oeiras e Luís Gomes divide-se entre a capital e Salvaterra de Magos. Têm casa em Lisboa e vão alternando onde ficam mas prefere que os filhos cresçam no campo onde, afirma, são mais livres. Nos tempos livres gosta de andar de bicicleta e confessa ser nessas alturas que prepara muitas das suas reuniões.

“O BE tem que olhar mais para o interior do país”

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