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Um jornal para os vizinhos

Na última década extinguiram-se centenas de títulos de jornais locais e regionais. Em Portugal vive-se uma realidade que, por incrível que pareça, é antagónica à realidade do resto da Europa.

“Os verdadeiros meios de comunicação líderes são os jornais regionais”. O título é de um artigo de jornal que sintetiza um congresso sobre jornalismo realizado em Valladolid, que serviu ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine como ponto de partida para analisar o estado da imprensa espanhola e onde é citado o chefe de redação do La Voz de Galicia, Xosé Luís Vilela, que afirma que “Nós fazemos o jornal para os vizinhos”.

Gosto da citação para substituir “jornalismo de proximidade” que costumamos usar nas campanhas de O MIRANTE para angariar leitores. Tenho que reconhecer, no entanto, que a realidade espanhola é substancialmente diferente da portuguesa. Há mais de três décadas que acompanho a evolução da imprensa em Portugal e os jornais regionais perderam importância em contra-ciclo com o resto da Europa. Na última década extinguiram-se centenas de títulos de jornais locais e regionais. Em Portugal vive-se uma realidade que, por incrível que pareça, é antagónica à realidade do resto da Europa. Em terras lusas tenta vender-se a ideia que temos o maior número de jornais centenários e alguns iluminados falam mesmo em candidatá-los a Património Imaterial da Humanidade. Nada contra se os jornais cumprissem a sua função, o que não é o caso na grande maioria, ou por falta de jornalistas ou por estarem a ser dirigidas por pessoas que estão a viver ainda nos anos de chumbo. É dificil olhar para um jornal que não tenha uma política editorial que faça com regularidade o escrutínio das instituições e dos seus protagonistas; que não dê prioridade aos assuntos de sociedade e não esteja do lado dos mais desvaforecidos da comunidade.

A falta de auto-critica e a subserviência das instituições do sector ao poder instituído, assim como a falta de interesse pelo associativismo da classe, faz de Portugal um país de caciques e de pobres diabos que continuam a fazer do jornalismo local e regional uma actividade para asilados. Entretanto as tiragens dos quatro jornais de referência em Portugal caíram para menos de metade nos últimos anos. A publicidade tradicional desapareceu e as consequências são o emagrecimento das redacções e, consequentemente, a falta de tempo para os jornalistas trabalharem na rua. Hoje, como ontem, a grande maioria dos profissionais das televisões e dos jornais de referência são poucos para acompanharem a classe política em Lisboa ou quando passeiam pelo país.

90 por cento dos jornalistas que saem das universidades querem serem pivot de televisão; por isso passam anos sentados às secretárias a fazerem trabalho de escriturários, na maioria das vezes sem qualquer influência na qualidade da informação publicada. O resultado dessa ideia de que jornalismo é apresentar telejornais, mais tarde ou mais cedo, faz de jovens licenciados em comunicação maus caixas de supermercados, maus vendedores de imóveis e automóveis, etc, sendo que uma boa maioria deles acaba a trabalhar, em frente a um computador, para o Facebook, o Tik Tok a Google e a Amazon, as grandes empresas que já dominam o mundo através da internet.

Portugal é dos países da Europa desenvolvida o que menos se preocupa com o futuro dos seus jovens trabalhadores, sejam eles jornalistas, médicos, engenheiros, arquitectos, pedreiros ou mecânicos.

A bagunça na distribuição do dinheiro do orçamento do Estado favorece a especulação e a pobreza que se instalou na sociedade. A grande maioria das empresas que não depende de trabalho especializado tem que recorrer à emigração. A geração rasca, de que falava Vicente Jorge Silva, ainda não se extinguiu; pelo contrário, continua uma imensa maioria incentivada por um ensino universitário sem qualidade e sem ligação à realidade do mundo do trabalho.

Parafraseando a nossa (ainda) ministra da Agricultura, a pandemia ainda pode ser uma boa oportunidade para Portugal. A China já controla a luz eléctrica que nos ilumina as casas e faz trabalhar as fábricas; as barragens já foram vendidas à Engie; os bancos já são quase todos estrangeiros, e os que não são se-lo-ão a breve prazo; o Alentejo já é Marrocos aqui mais perto. Um dia destes vamos ter cientistas no Ribatejo a posicionarem-se para serem os primeiros a dissecarem os cadáveres dos antigos comunistas de Alpiarça, dos avós de José Saramago e, quem sabe, o de Ricardo Salgado, um antigo correeiro da Chamusca que tinha um nome famoso mas era, se fosse vivo, o honrado bisavô da Mafalda, que é minha neta e ainda não sabe ler. JAE.

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