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“Fico desmoralizada com um país que deixa os hospitais chegarem a este ponto”
Isabel Silva é uma pessoa conhecida da comunidade de Vialonga, onde vive e trabalha na Granja há mais de três décadas

“Fico desmoralizada com um país que deixa os hospitais chegarem a este ponto”

Isabel Silva tem 70 anos e é a agente de seguros em Vialonga. Vive e trabalha na Granja, um lugar calmo mas onde diz ser preciso maior investimento e mais estacionamento para servir o comércio da terra. Passou fome em Angola nos anos 80, voltou a Portugal para recomeçar a vida do zero a vender facas e seguros de vida, onde encontrou a sua vocação. É uma pessoa que gosta de ajudar o próximo e tem três filhos e oito netos. Vê com apreensão o agravar do funcionamento do Hospital de VFX e tira-a do sério a desonestidade.

Vivo há 36 anos na Granja. No início achei que isto não tinha nada a ver comigo mas hoje faço aqui toda a minha vida. Trabalhava em Lisboa como secretária de direcção de uma empresa. Quando conheci o pai dos meus filhos viemos morar para Vialonga. No início dos anos 80 fomos para Angola e foi uma má decisão. Fui fazer traduções técnicas na TAAG - Linhas Aéreas de Angola mas logo na pior altura.

Passámos muita fome nesses quatro anos em Angola. Simplesmente não havia comida. Acabámos por voltar. Apesar de todos esses problemas as pessoas eram muito amigas. Passámos por muitas necessidades e havia tiros por todo o lado. Como o meu marido era caçador e columbófilo acabámos por escolher a Granja para viver. Entretanto a família separou-se e a vida óptima que tínhamos acabou. Passei à estaca zero e tive de arranjar dois e três empregos para conseguir alimentar os três filhos.

Vendi tudo e mais alguma coisa para meter comida na mesa. De facas a tabuleiros de pirex. Tive de me desenrascar. Foi nesse momento que uma pessoa me desafiou para entrar nos seguros. Acolhi a ideia, tirei um curso e comecei a vender seguros de vida. Fui para os hospitais e metia-me à saída dos blocos à espera dos médicos para lhes vender esses seguros. Fui de tal forma bem sucedida que entrei no quadro de honra especial da seguradora onde trabalhava na altura. Quando tudo estava a correr bem sofri um violento acidente de automóvel quando ia a caminho de um encontro onde ia fazer seguros de vida a 71 reformados. Já não cheguei ao destino. Era uma Fangio ao volante mas mesmo com o acidente não ganhei medo de conduzir.

Gosto muito do que faço por ter contacto com o público. Adoro falar com as pessoas. Muita gente não me conhece mas mesmo assim pedem-me ajuda muitas vezes, mesmo quando não são clientes da Tranquilidade. Continuo a trabalhar porque preciso, mas sobretudo porque gosto. Não me vejo a ficar parada. Se de repente ficasse completamente parada no sofá para mim não dava. Não me vejo em frente da TV todos os dias.

A Granja não tem grande qualidade de vida. No sítio onde vivo estou rodeada de lixo por todo o lado. A Granja tem um grande potencial mas só com mais investimento. É urgente e importante colocarem lombas redutoras de velocidade na Rua Primeiro de Maio porque toda a gente passa a velocidades elevadas. Só não há mais acidentes por milagre. É preciso melhorar os acessos à Granja. Um dos acessos é feito por uma antiga ponte romana que pode ruir a qualquer momento. Temos bastantes restaurantes que podiam beneficiar dos trabalhadores das indústrias e logística que não vêm aqui comer por falta de estacionamento. É preciso criar mais lugares. Faz imensa falta um silo ou outro espaço para se poder deixar os carros. A Granja precisa de um novo olhar que aposte nas suas potencialidades.

Tenho três filhos e oito netos e não é difícil ser avó de tantos netos. Adoro crianças mas infelizmente a maioria dos netos está longe e não aparece muita vez. Divido o tempo por eles mas todos à distância, é essa a minha maior mágoa. A minha viagem de sonho por concretizar é ir à Inglaterra ter com a minha filha.

Gosto de ler O MIRANTE e tenho sempre o jornal na agência mas leio sobretudo online. Adoro ginásio e levantar pesos. Gosto de cuidar de mim. Também sou incapaz de ver alguém passar dificuldades. Não nado em dinheiro mas tento sempre ajudar. A pobreza magoa-me. E tira-me do sério a desonestidade. Basta-me olhar para as pessoas para perceber o que elas são. Gosto de olhar as pessoas nos olhos. Sou muito directa. Posso arrepender-me no segundo a seguir de dizer alguma coisa mas se não o disser não me sinto bem. Não gosto de cozinhar e vou ao restaurante apenas para um peixinho grelhado. Continuo a achar que VFX está mais perto da capital e não o contrário.

Estou a acompanhar com muita preocupação o que se está a passar no hospital de VFX. Há quatro anos a minha filha teve um óptimo atendimento mas recentemente não sei o que se passou para tantos médicos terem saído e para as coisas estarem a piorar. Fico desmoralizada com um país que deixa os hospitais chegarem a este ponto. Se estão a chegar tantos milhões ao país a saúde deve ser a primeira coisa onde investir. Salvar vidas é imperativo.

“Fico desmoralizada com um país que deixa os hospitais chegarem a este ponto”

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