A felicidade de dar sem esperar nada em troca não tem preço
O Dia Internacional do Voluntariado, que se celebra a 5 de Dezembro, tem como objectivo incentivar e valorizar o serviço voluntário de pessoas e instituições. O MIRANTE falou com quatro voluntárias da região que dizem que ser voluntário é uma paixão e que a principal recompensa é ver sorrisos no rosto de quem precisa de ajuda.
Esquecer o sofrimento ajudando quem precisa
Florinda Marques esteve internada no Hospital Universitário de Coimbra durante cerca de um mês até lhe ser diagnosticada fibromialgia, um síndrome que se manifesta com dor no corpo todo, principalmente na musculatura. Os doentes que estavam em isolamento no hospital só podiam comunicar através de telefone e Florinda ia para junto do vidro conversar com eles, para que não se sentissem sozinhos. Este episódio foi há mais de duas décadas e Florinda Marques diz não saber porque o fazia, apenas sentiu necessidade. Afirma que foi o seu primeiro acto de voluntariado.
A sua filha, na altura com 16 anos, estava na escola quando, de repente, perdeu a força nas pernas e teve que ser hospitalizada e operada. Teve que reaprender a andar e fazer muita fisioterapia para recuperar. Hoje é médica, apesar das limitações ao nível da locomoção. Foi nesse momento que Florinda Marques, de 57 anos, residente em Fátima há cerca de quatro décadas, sentiu que tinha que deixar para trás as marcas de uma vida difícil, com alguma violência, e utilizar algum do seu tempo livre para o voluntariado.
Trabalha em artesanato, como florista e decoradora de espaços, mas concilia esse trabalho levando Cristo a cada pessoa e batendo às portas para pedir ajuda para os mais necessitados. Já enviou vários contentores com ajuda humanitária para Moçambique; neste momento está a preparar outro contentor com 20 toneladas de roupas, móveis, calçado, brinquedos e material escolar para Cabo Verde.
Há cerca de quatro anos criou a associação “Mãos Unidas com Maria” quando os pedidos de ajuda começaram a aumentar. É na garagem de um dos elementos da associação que guardam tudo o que conseguem angariar. Numa das salas há um armário onde fica a roupa de criança, de mulher ou homem. Com a pandemia os pedidos de ajuda em Fátima triplicaram e grande parte prende-se com bens alimentares. A associação tenta não deixar ninguém de fora. “Não existe nada mais gratificante do que deitar-me e saber que consegui ajudar algumas pessoas”, conclui.
“Voluntariado deve ser praticado todo o ano”
Ajudar o próximo sem esperar nada em troca proporciona uma sensação de satisfação e realização pessoal única e é essa a grande virtude do voluntariado. A afirmação é de Cláudia Matias, 22 anos, que desde criança está envolvida em projectos de voluntariado “por culpa” dos pais, confessa a O MIRANTE. A jovem, natural de Vila Franca de Xira e a residir em Castanheira do Ribatejo, está envolvida em vários projectos dedicados à comunidade e não pensa deixá-los tão cedo.
Cláudia Matias está na faculdade a tirar uma licenciatura em Fotografia e Cultura Visual mas complementa os estudos e o tempo com os amigos em projectos do Banco Alimentar e do grupo de jovens “Seguindo os teus passos” da paróquia da Castanheira. Também já angariou roupa para a AMI (Assistência Médica Internacional), já esteve numa missão em Idanha-a-Nova a ajudar utentes de um lar e até na faculdade já se inscreveu numa comunidade de voluntários de todo o país chamada Missão País.
“Foi uma aventura em que entrei, num projecto constituído por um grupo de universitários católicos que vão para uma zona do país em missão e ajudam na pintura e montagem de estruturas de apoio à comunidade, por exemplo. Voltamos sempre de coração cheio, essa é a nossa melhor recompensa”, explica.
Na sua opinião, ajudar quem precisa é um factor determinante para ter uma vida mais completa ao mesmo tempo que se aproveita para adquirir novas experiências e fazer novas amizades. “A nossa felicidade é a felicidade dos outros. O voluntariado deve ser praticado todo o ano e não apenas no Natal”, vinca.
“Gostava que as pessoas fossem menos egoístas”
Fátima Rodrigues, 64 anos, fez parte da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco de Alpiarça, a título voluntário, por querer ajudar as crianças do concelho. Foi professora de 1º ciclo, reformou-se há seis anos, mas sempre que podia ajudava o próximo. Conta que quando era jovem fazia parte de um grupo que ajudava várias famílias em Alpiarça; faziam limpezas, levavam comida e tomavam conta de crianças quando os pais tinham que trabalhar. “O voluntariado está-me no sangue, sempre fez parte da minha vida”, afirma.
Actualmente, Fátima Rodrigues é membro da Cáritas de Alpiarça e faz um pouco de tudo inclusive a manutenção do sistema informático. Diz que gosta de se sentir útil e que a sensação de ajudar quem precisa não tem preço. Uma das actividades que desenvolve é o ensino da língua portuguesa à comunidade imigrante de Alpiarça.
Fátima Rodrigues afirma que não é o reconhecimento que a faz ajudar os outros. “A melhor recompensa é ver sorrisos nos rostos das pessoas. Fui educada desta forma pelos meus pais e pela minha tia Teresa e também por isso estou-lhes eternamente grata”, sublinha.
A voluntária gostava que mais pessoas se entregassem à causa comum e que a sociedade não fosse tão egoísta quando tem oportunidade de mudar a vida das pessoas. “Se soubessem qual é o sentimento quando ajudamos alguém apareciam muito mais voluntários” afirma, sublinhando as dificuldades em arranjar pessoas que não vivam centradas em si próprias e que não abdicam de alguns momentos de prazer “superficial” para fazerem outras pessoas felizes.
Praticar voluntariado mesmo com poucas condições
Lisley Filipe é voluntária desde jovem e a actual delegada responsável da ADRA (Associação Adventista para o Desenvolvimento, Recursos e Assistência) da Póvoa de Santa Iria. Diz que o voluntariado é essencial para o seu bem-estar psicológico pois contribui para a sua realização pessoal. “O voluntariado faz-nos crescer como pessoas, faz-nos ver o mundo de uma maneira diferente e impede-nos de pensar só em nós”, admite.
Natural do Brasil, trabalha como assistente social na Associação de Lusofonia, Cultura e Cidadania da Ameixoeira, em Lisboa, e reside na Póvoa de Santa Iria desde 2018. A ADRA é um projecto que está na cidade há cerca de 15 anos e envolve a distribuição de bens alimentares, vestuário e brinquedos pela comunidade. Lisley Filipe diz que para ser voluntária da associação é preciso motivação e querer dar o seu tempo em prol do outro. Actualmente conta com a ajuda de 15 voluntários fixos e também vão aparecendo esporadicamente mais algumas pessoas, especialmente jovens em período de férias.
Os objectivos a curto-prazo na ADRA passam por apoiar cada vez mais famílias. Para isso, diz, é necessário mais voluntários e mais espaço para armazenar produtos alimentares, mobílias, electrodomésticos e guardar os veículos utilizados para distribuição.
Em 2020 a associação conseguiu ter um espaço próprio, localizado no Centro Comercial Nacional 10, mas tiveram de o abandonar por não terem forma de pagar a renda. Actualmente regressaram a um pequeno edifício cedido pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, que é insuficiente para realizarem o trabalho e crescerem como pretendem. “Temos várias acções planeadas como sessões de esclarecimento, acções de ajuda à educação de crianças e jovens, promoção de encontros entre mães solteiras, entre outras, mas não temos condições para concretizá-las”, lamenta.