Sociedade | 21-11-2020 12:30

Os dramas e as alegrias da enfermeira e do maqueiro que abriram o Hospital de Santarém

Os dramas e as alegrias da enfermeira e do maqueiro que abriram o Hospital de Santarém
REPORTAGEM COMPLETA

Há 35 anos, quando abriu o Hospital de Santarém, havia noites que as urgências estavam às moscas.

Jorge Correia ajudou a construir o Hospital Distrital de Santarém e é dos primeiros maqueiros das urgências, onde passou momentos dramáticos como ter de levar o pai para a morgue. Teresa Guerreiro integrou o primeiro contingente de enfermeiros há 35 anos e não esquece o dia em que teve de levar um pai a identificar o corpo do filho.

Jorge Correia estava de serviço nas urgências do Hospital Distrital de Santarém quando viu uma senhora a entrar aflita com uma criança morta nos braços, vítima de afogamento na piscina. A imagem assalta muitas vezes o sono e o pensamento do maqueiro do hospital, um dos funcionários que trabalha na unidade desde que esta abriu há 35 anos. O menino afogado era o novo amigo que o filho tinha feito nesse mesmo dia na creche. Para quem está no hospital desde a sua abertura em 1985, como é o caso de Teresa Guerreiro, a enfermeira mais antiga, os colegas de trabalho são uma segunda família e o edifício a sua segunda casa.

Tanto Jorge como Teresa começaram a trabalhar para o hospital ainda antes da abertura. O maqueiro, agora assistente operacional, de Almeirim, com 61 anos, trabalhou como pedreiro na construção das instalações. A enfermeira que saiu de Beja, de onde é natural, para Santarém, com 22 anos, actualmente coordenadora do departamento cirúrgico, esteve um ano a trabalhar no velho Hospital de Jesus Cristo, no Largo Cândido dos Reis. Preparou a transferência para o novo hospital, que tinha começado a ser construído em 1978.

No início o hospital tinha horas seguidas às moscas. Havia noites em que não entrava um doente, conta Jorge Correia, que passados dois anos da abertura concorreu a um lugar de maqueiro e ficou na urgência até hoje. Pela dedicação de três décadas à casa, ainda faz turnos com uma idade em que já não é obrigado a tal. Teresa Guerreiro cruzou-se com Jorge algum tempo nas urgências, que tinham na altura apenas três enfermeiros por turno. Hoje são quatro ou cinco vezes mais. Havia um grande espírito de equipa, uma relação quase familiar e os profissionais estavam sempre dispostos a ajudar os colegas de outros serviços.

Trabalhar num hospital não faz as pessoas mais insensíveis. Teresa Guerreiro não se esquece do dia em que teve de levar um pai a identificar o corpo do jovem filho, que tinha morrido num acidente de moto. Estava há três anos nas urgências e não segurou as lágrimas. “Também temos emoções”, diz a enfermeira a quem custa ter de dar notícias desagradáveis. Mas quando se vive com o sofrimento diário, começa-se a ver o resto com relatividade. Os pais do assistente operacional morreram no hospital. A mãe com insuficiência renal e o pai com cancro. Não é fácil lidar com uma situação em que lhe dizem para ir buscar um cadáver ao internamento e se chega à cama da enfermaria e se depara com o pai.

Os nascimentos à porta das urgências e o director que comia com o pessoal

Mas nem tudo é dramático. Teresa Guerreiro guarda com carinho as imagens dos nascimentos a que assistiu à porta das urgências. Aconteceu algumas vezes as ambulâncias pararem à porta das urgências com grávidas prestes a terem os bebés e os partos eram feitos dentro das viaturas. Outro dia feliz na vida da enfermeira foi quando abriram o hospital de dia de oncologia e quando os tratamentos de quimioterapia começaram a ser diferenciados e com moderna tecnologia, quando antes eram feitos nos serviços de internamento. Antes de se reformar gostava de ver regressadas especialidades que o hospital perdeu, como a cirurgia plástica ou a estomatologia.

O hospital continua a ser uma grande família, mas hoje a afluência cada vez maior, a falta de tempo que às vezes obriga a substituir o almoço por uma sandes, fez perder o convívio do passado. Jorge Correia lembra-se que até o antigo director, Correia de Lima, e os chefes de serviço comiam à mesa com o restante pessoal. A Covid-19, diz, é a pior situação que está a viver desde que trabalha no hospital, mas confessa que teve mais medo quando apareceu a Sida, porque as pessoas fechavam-se na vergonha e não diziam que tinham a doença. O assistente operacional, que nunca pensou trabalhar na saúde, já meteu os papéis para a reforma. O melhor que vai levar são as amizades e sente que vai sentir falta da agitação, até porque é o que lhe acontece logo após os primeiros dias de férias.

Hospital demorou sete anos a ser construído

O projecto para a construção do Hospital Distrital de Santarém (HDS) remonta a 1974 e previa na altura 250 camas. Um ano depois, uma nova versão do projecto aumenta a lotação para 502 camas. Quando foi concluído, em 1985, o hospital abriu com 240 camas e conta actualmente com 372 camas, a maior parte afectas à área médica (176) e à cirurgia (125). O hospital, implantado num terreno com 48 mil metros quadrados, com 14 pisos, demorou sete anos a ser construído. O HDS, EPE é detido pelo Estado, integrando o Sector Empresarial do Estado e tem um capital estatuário de 93.854.541 euros.

Em 2012 abriram as novas urgências para responder à crescente procura, estando hoje com mais espaço e dotadas de equipamentos modernos. Em Fevereiro último abriram os novos blocos operatórios central e o de partos, após sete anos a penar com más condições. Os novos blocos estão equipado com a mais moderna tecnologia e custaram seis milhões e 500 mil euros. Em 2019 o hospital fez 2593 cirurgias e 1089 partos.

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