Padre condenado decide afastar-se das paróquias de Santarém
António Júlio Santos, condenado há oito anos por abuso sexual de duas menores, decidiu afastar-se de funções pastorais nas paróquias de Almoster, Póvoa da Isenta e Vale de Santarém.
A O MIRANTE, um membro da Comissão Diocesana de Protecção de Menores garantiu que não há novas suspeitas mas que o processo de reintegração vai ser reavaliado e envolver os fiéis. Na mesma Diocese há quem alegue desconhecimento de tal processo.
A Diocese de Santarém vai reavaliar o processo de reintegração do padre António Júlio Santos, condenado em 2015 por actos sexuais com menores, que por vontade própria decidiu afastar-se temporariamente das paróquias de Vale de Santarém, Almoster e Póvoa da Isenta. Pelo menos foi esta a mensagem transmitida às dezenas de fiéis que assistiram à missa de domingo na Igreja da Nossa Senhora da Expectação do Ó, no Vale de Santarém, por João Ramalho, membro da Comissão de Protecção de Menores da Diocese de Santarém.
No final da missa, que foi celebrada pelo diácono Pedro Madeira, o membro da Comissão Diocesana de Protecção transmitiu aos devotos que o pároco decidiu afastar-se temporariamente das paróquias até que sejam reavaliados os critérios da sua reintegração. “O que diz no Direito da Igreja é que se não há condições ou se há suspeitas o padre deve ser removido, não pode lá estar porque a posição de padre implica confiança”, disse João Ramalho a O MIRANTE após a sua intervenção na igreja.
João Ramalho explica que, neste caso, apesar de não haver novas suspeitas ou acusações, vai reavaliar-se o processo de reintegração, procedimento cuja abertura ainda não foi oficialmente iniciada pelo bispo de Santarém. Isto porque, referiu, é preciso perceber qual é a vontade dos fiéis, ou seja, se querem ou não que o padre António Júlio Santos se mantenha em funções.
O MIRANTE tentou confirmar com o bispo a informação dada por João Ramalho, mas tal não foi possível até ao fecho desta edição. No entanto, em declarações ao nosso jornal, o vigário-geral Aníbal Vieira, que preside à Comissão Diocesana de Protecção de Menores, diz que João Ramalho falou sem articulação com a Diocese de Santarém e que não foi informado pelo bispo que o processo do padre condenado estaria ou iria estar em reavaliação.
Opiniões divididas no Vale de Santarém
No Vale de Santarém as opiniões dos católicos dividem-se, mas entre os praticantes a maioria manifesta vontade de que o padre António Júlio Santos regresse à paróquia. “Apoio a 100%. [O padre] foi condenado e foi justa a condenação. Assumiu o que fez e já pagou”, disse à saída da igreja, Maria Helena, assegurando que naquela paróquia “todos sabiam” da condenação do padre por abuso sexual de menores na Golegã.
Depois das explicações dadas por João Ramalho no final da celebração da Eucaristia, à qual esta reportagem assistiu, grande parte dos presentes levantou-se do banco e através de um forte aplauso manifestou vontade pelo regresso do pároco. Segundo João Ramalho, também na Póvoa da Isenta a missa de domingo foi muito concorrida e não faltaram fiéis a mostrarem-se “disponíveis para reavaliar a reintegração” do padre, tal como em Almoster.
Madalena Santana, residente no Vale de Santarém, foi uma das mais de três dezenas de fiéis que assistiu à missa de domingo, acompanhada pelo filho de nove anos que frequenta a catequese naquela paróquia. No final, questionada por O MIRANTE, disse que tinha conhecimento da condenação e que apoiava o regresso de António Júlio Santos. “Todos temos um passado. Temos que dar uma segunda oportunidade, concordo que continue a vir”, afirmou, salientando que nunca sentiu receio pelos seus filhos.
“Não devia estar à frente de uma paróquia se abusou e foi condenado”
Opinião contrária tem José, um católico não praticante que encontrámos numa rua próxima da igreja e que defendeu que um padre “não devia estar à frente de uma paróquia se abusou [de menores] e foi condenado”, tendo por base a possibilidade de reincidência. “Tem que haver cuidado porque se fez poderá fazer novamente, a gente não sabe o que vai na cabeça das pessoas”, disse o morador do Vale de Santarém, sublinhando que na sua opinião um padre que “praticou um crime não tem moralidade para estar a falar numa igreja sobre amor ao próximo”.
A condenação do pároco e o facto de ter voltado ao activo tem sido tema de conversa nos cafés da freguesia depois da reportagem da SIC Notícias sobre o tema. A maioria dos que opinam são contra a permanência do padre em Vale de Santarém, conta uma funcionária de café que não vai à missa agora nem ia antes da chegada de António Júlio Santos à paróquia, há cerca de ano e meio. Muitos, acrescenta, não sabiam que as actividades pastorais na freguesia eram lideradas por um padre que abusou, em 2015, de duas menores na Golegã.
Padre continua a receber acompanhamento psiquiátrico
João Ramalho garantiu que o padre António Júlio continua a ter acompanhamento psiquiátrico por causa de uma depressão da qual padece há vários anos e que, depois da condenação judicial, a Igreja percebeu que havia condições para a sua reintegração na comunidade católica. Um processo, garante, feito com cautela: primeiro no Mosteiro das Clarissas, onde não tinha contacto com menores, e depois nas paróquias inicialmente acompanhado por um colega.
“Foi o processo de reintegração que a Igreja achou justo. Estava bem, estava feliz. Isto é estar a remexer na vida de um cidadão que já tinha dado todas as contas à justiça, causando-lhe prejuízo”, defende João Ramalho, sublinhando que neste caso não há denúncias nem novas suspeitas de que o padre estivesse a ter comportamentos inapropriados.
João Ramalho sublinhou ainda que o bispo da Diocese de Santarém foi um dos que não recebeu nenhuma carta com nomes de padres a investigar por denúncia de abusos. Informação também confirmada pelo bispo José Traquina que realçou que a Igreja e a Comissão Diocesana de Protecção de Menores continuam disponíveis para “escutar todas as pessoas que tenham motivo de denúncia de abusos ou comportamentos inadequados no seio da Igreja e tudo farão para assegurar um ambiente seguro para as crianças e para todos”.
Condenado com pena suspensa por abusar de duas menores na Golegã
O padre António Júlio Santos esteve afastado quando foram conhecidos os crimes de abuso sexual a duas menores de 11 e 12 anos, em 2015. O primeiro abuso aconteceu durante um acampamento de escuteiros e, uma semana depois, numa visita com um grupo de jovens à Feira da Golegã, em cuja paróquia estava à época. O Tribunal de Santarém, recorde-se, condenou-o a um ano e dois meses de prisão, com pena suspensa, sem nenhuma medida de restrição. Um ano após a condenação o padre foi nomeado vigário paroquial de Vila de Chã de Ourique e promovido, em 2021, a administrador paroquial de Nossa Senhora da Conceição de Póvoa da Isenta e Santa Maria de Almoster.
António Júlio Santos admitiu na semana passada à SIC Notícias que não se orgulha do que fez, garantindo que hoje é “um homem novo”. “Esta é uma tristeza, uma dor que fica para toda a vida. Não pense que do outro lado também não há dor. Há muita dor, acredite. Há muita tristeza da minha parte”, afirmou na reportagem emitida a 8 de Março. O padre garantiu ainda que nunca fica sozinho na sacristia nem dá catequese e que se sente em “condições” para representar a Igreja.
Bispo diz que não se trata de um “pedófilo compulsivo”
O bispo de Santarém afirmou, depois de vir a público que em três paróquias de Santarém um padre condenado por abusos sexuais se mantinha no activo, que por não haver antecedentes em mais casos “pode ter sido uma situação que pode corresponder a um momento especial de perturbação”. Perturbação essa, sublinhou, que “não se configura num pedófilo compulsivo”.