Taxa de analfabetismo em Portugal é das maiores da Europa
Dia Nacional do Estudante assinala-se a 24 de Março.
Há cerca de meio milhão de analfabetos em Portugal, segundo os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), baseados no Censos de 2021. A maioria é idosa e vive em zonas do interior, mas existem outros 30 mil que ainda estão em idade activa, ou seja, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos. Apesar de ter havido uma melhoria de 5% quando comparados os dados com a década de 1970, altura em que um em cada quatro portugueses não sabia ler nem escrever, a taxa de analfabetismo em Portugal continua a ser uma das mais elevadas dos países europeus.
A propósito do Dia Nacional do Estudante, que se assinala esta quinta-feira, 24 de Março, O MIRANTE recupera uma reportagem realizada em Outubro do ano passado com um projecto de alfabetização criado pela Junta de Freguesia de Benavente e conta com cerca de duas dezenas de alunos. Com idades entre os 24 e os 86 anos são a prova de que num país que continua a ter uma das maiores taxas de analfabetismo da Europa, nunca é demasiado tarde para aprender a ler e a escrever.
Às 10h00 Maria Bento entra na sala e senta-se na primeira fila. Tira da mochila azul o caderno pautado onde já tem escritas as vogais que aprendeu na aula anterior e que escreveu repetidamente numa tentativa de melhorar a caligrafia semelhante à de uma criança de seis anos. Maria Bento tem 80 e se há uns anos lhe dissessem que ia voltar à escola diria que “era tarde demais para aprender”. Afinal, não podia estar mais enganada, reconhece desde que passou a integrar a turma de alfabetização, uma formação promovida pela Junta de Freguesia de Benavente.
Nascida e criada em Fazendas de Almeirim, Maria Bento frequentou a escola primária até à terceira classe mas eram mais as vezes que ia para o campo ajudar os pais do que aquelas que passava agarrada aos livros. “Pouco ou nada aprendia e a professora não queria saber”. A mãe acabou por tirá-la da escola e os olivais e vinhas passaram a ser a sua prioridade. “Fiquei triste porque gostava da escola. Só fiquei a saber assinar o nome a escrever palavras simples. Sempre achei que era tarde para voltar, mas se calhar não”, diz ao mesmo tempo que levanta os olhos do caderno para observar a sala como quem precisa de ver para acreditar.
Foi o lar da Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos, a sua casa há dois anos, que lhe lançou o desafio. Aceitou-o sem hesitar, tal como outros quatro utentes. Nesta formação a aprendizagem faz-se ao ritmo de cada um, sem pressas nem programas rígidos mas onde se agarra a matéria com o entusiasmo típico de crianças do primeiro ciclo. Os níveis de ensino dos 19 alunos, tal como as suas idades divergem. “Uns conhecem o alfabeto, uns conseguem ler algumas palavras e para outros é toda uma novidade”, refere a O MIRANTE a coordenadora do gabinete de inserção profissional da junta de freguesia e responsável pelas aulas, Ana Iria, acrescentando que a aluna mais velha tem 86 anos.
A oportunidade que faltava para aprender sem pressas nem preconceitos
A presidente de junta, Inês Correia, confessa que quando abriram as inscrições não criou grandes expectativas, mas tendo em conta o número de alunos já pensa em dar continuidade ao projecto. “Há uma camada da população que não sabe ler nem escrever e esta é uma forma de as pessoas ganharem mais conhecimento e partilharem experiências”, afirma, sublinhando que muitas por vicissitudes da vida acabaram por abandonar cedo a escola ou por nunca terem tido a oportunidade de lá entrar.
É o caso de Marilda Alves, de 34 anos, nascida no seio de uma comunidade de etnia cigana do concelho de Benavente. “Adorava saber ler e escrever mas os nossos pais nunca deixaram a gente ir à escola”, diz sem embaraço em assumir que essas “tradições” a faziam chorar na sua meninice ao ver outras crianças passar com livros e cadernos na mão. Lembra-se de pegar numa caneta e tentar escrever. Não sabia como eram as letras mas imaginava-as e rabiscava-as numa folha consciente de que, provavelmente, nenhum daqueles traçados correspondia a uma qualquer letra do alfabeto.
Agora, sim, sabe escrever correctamente as cinco vogais e está a aprender quatro consoantes.
O entusiasmo com que Marilda Alves fala é transversal ao discurso do seu familiar André Lino, que aos 24 anos está radiante por ter tido a oportunidade de adquirir novos conhecimentos. “Percebo alguma coisa mas não é muito e assim pode ser que aprenda a ler e escrever como deve ser; olhar para um papel e ser rápido em vez de estar a enrolar a tentar juntar as letras”, diz explicando que abandonou a escola demasiado cedo para andar na vender em feiras com a família. “Queria continuar mas estávamos um mês cá e um mês fora”, conta.
Sentada na penúltima fila, Anabela Domingos é a prova de que nunca é tarde para correr atrás de um sonho antigo. “É melhor que o Euromilhões”, atira a funcionária de limpeza numa instituição de solidariedade social em Benavente, explicando que sabe escrevinhar algumas palavras mas o mais provável é “comer-lhe letras”. O pouco que sabe aos 53 anos deve-se ao seu esforço individual para não ser considerada analfabeta. Chegou a frequentar a escola até à terceira classe mas após a morte da mãe nunca mais lá voltou. “Ficámos sete filhos com o meu pai e começamos a andar com ele para o trabalho. Comecei a trabalhar na fruta mas houve sempre o desejo de voltar à escola”, conclui.