Hospitalização Domiciliária do CHMT já assistiu mais de meio milhar de doentes
O projecto de Hospitalização Domiciliária do Centro Hospitalar do Médio Tejo foi criado em Dezembro de 2018 e já cuidou de mais de meio milhar de pessoas.
O doente mais distante a quem é prestada assistência é de Ponte de Sôr, distrito de Portalegre. Médicos garantem que ter pacientes internados em casa é uma mais-valia porque a recuperação é mais rápida.
Pelas 08h30 já a enfermeira Alcina Fernandes prepara a medicação necessária para cada utente que vão visitar e que é transportada numa geleira. Alcina Fernandes integra a equipa médica da Hospitalização Domiciliária do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT) que funciona desde Dezembro de 2018. A médica Lara Adelino chega uns minutos depois ao piso 10 do Hospital de Abrantes e revêem, em conjunto com o médico André Gonçalves, que está a estagiar neste projecto, os últimos pormenores necessários para aquela manhã de trabalho. No carro vai a mochila vermelha com tudo o que vai ser preciso para tratar de cada paciente, assim como a geleira com os medicamentos.
O MIRANTE acompanhou a equipa médica na manhã de quinta-feira, 13 de Abril. O automóvel é conduzido habitualmente pelo enfermeiro de serviço. O GPS é o melhor amigo da equipa de médicos para chegar aos locais. A primeira viagem é até Limeiras, concelho de Vila Nova da Barquinha. Maria de Fátima Marques, 64 anos, está em hospitalização domiciliária há cerca de uma semana. Deu entrada no hospital com um quadro de meningite “sem agente identificado”, embora tenha sido mordida por um cão, o que, segundo a médica Lara Adelino, pode ter provocado a infecção. Maria de Fátima continua com febre persistente que obrigou a alterar o tipo de antibiótico.
Maria de Fátima garante que a hospitalização domiciliária foi a melhor coisa que lhe podia ter acontecido. “No hospital, sozinha, sem os meus filhos e o resto da minha família, tinha morrido. Não me queixo do hospital porque fui bem tratada, mas em casa estou muito melhor e acredito que vou recuperar muito mais rápido”, admite enquanto limpa as lágrimas que lhe correm pelo rosto.
Lara Adelino diz a O MIRANTE que neste modelo ganha-se uma proximidade maior com os utentes. “No tempo que estamos em casa do utente, no mínimo 20 minutos, estamos dedicados só a ele enquanto no hospital vamos fazendo outras coisas. Cria-se maior proximidade. Já tivemos doentes que nos prepararam um chá. Outros mostram-nos fotografias, pinturas ou esculturas que fizeram. É uma relação diferente”, esclarece a médica antes de sairmos em direcção à casa do próximo doente.
Em São Pedro, concelho de Tomar, Raul Lopes, 60 anos, aguarda a equipa médica. O utente tem problemas cardíacos há vários anos e um dispositivo junto ao coração semelhante a um desfibrilhador. Esteve internado no hospital porque estava a rejeitar o dispositivo que tinha e que acabou por ser trocado. Raul Lopes está em hospitalização domiciliária desde 7 de Abril e não tem previsão de alta médica. “Sou muito bem tratado, os médicos e a senhora enfermeira são todos muito cuidadosos e em casa tenho maior liberdade. Posso estar com a minha família e com os meus cães”, confessa provocando gargalhadas entre a equipa médica.
A viagem prossegue pela A23 em direcção ao Entroncamento onde está Joana Sousa, de 32 anos, que deu entrada no hospital no Domingo de Páscoa, 9 de Abril. Diagnosticada com uma infecção bacteriana num rim foi aprovada para hospitalização domiciliária. Joana Sousa teve alta no dia seguinte à reportagem de O MIRANTE. “Estar em casa é muito melhor, posso ter visitas sempre que quero. Como tenho um filho de seis anos consigo estar mais próxima dele. Foram quatro dias difíceis de internamento em casa. No hospital seria pior, é mais impessoal”, garante, não escondendo a felicidade por ter alta hospitalar.
“Doentes recuperam muito mais facilmente em casa”
O projecto de Hospitalização Domiciliária do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT) foi criado em Dezembro de 2018 e já cuidou de mais de meio milhar de doentes. Tem um limite máximo apontado de seis utentes mas actualmente estão sete doentes a ser assistidos, pois três deles são do Entroncamento, o que facilita a viagem. O doente mais distante que têm é de Ponte de Sôr, distrito de Portalegre. “O período de hospitalização domiciliária é ilimitado. Os utentes estão internados durante o tempo que achamos ser necessário. O máximo que já tivemos foi cerca de um mês. Este projecto é uma mais-valia porque os doentes recuperam muito mais facilmente em casa”, explica Lara Adelino, acrescentando que uma das vantagens é a redução das taxas de infecção em hospitais.
Os doentes acamados têm obrigatoriamente um cuidador. A equipa médica é composta por quatro enfermeiros que vão rodando entre si e oito médicos que trocam de três em três meses. Têm um livro que regista a chegada e saída a casa dos utentes e a informação médica de cada um. Já tiveram mortes que eram expectáveis. “Tivemos utentes que quiseram morrer em casa. Enquanto equipa conseguimos dar o apoio necessário e respeitamos a vontade do doente e da família. São os momentos mais complicados, assim como pessoas, por exemplo, com problemas respiratórios que obrigam ao regresso ao hospital”, refere Lara Adelino.
As visitas são diárias, de manhã. Os enfermeiros fazem-nas todos os dias, incluindo aos fins-de-semana e feriados, e há sempre um médico de prevenção 24 horas por dia. Quando existe um problema o doente contacta o enfermeiro que avalia a situação e decide se se justifica contactar o médico. Quando contacta o médico este decide se a equipa deve ir ao domicílio ou não. “Habitualmente acabamos sempre por ir a casa do doente ver o que se passa”, realça a médica de 38 anos que garante ter o telemóvel disponível 24 horas para qualquer imprevisto que surja. Alcina Fernandes destaca o facto de nunca terem tido reclamações e de todos os utentes serem muito agradecidos.
A adrenalina de trabalhar na Viatura Médica de Emergência e Reanimação
Lara Adelino é médica de Medicina Interna e está no Hospital de Abrantes desde 2013 quando fez o internato. Natural de Ovar, diz que já se habituou a Abrantes e gosta da cidade onde vive. Faz serviço também na VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação) e diz que é um trabalho que gosta pela adrenalina. Mas nem sempre os cenários são fáceis. Pelo contrário. A médica recorda uma saída para o centro da cidade de Abrantes onde estava um jovem deitado no meio da estrada, que tinha sido agredido.
“Quando dou conta estamos rodeados de pessoas com armas de fogo. Foi a única situação em que tive medo. Nessas alturas carregamos num botão de emergência em que o CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) ouve toda a conversa. Só disse baixinho que não tínhamos condições de segurança, que mandassem vir a autoridade, e foi o que acabou por acontecer. Naquele momento só queria sair dali para o hospital. Foi uma situação em que senti a minha vida em risco”, confessa.
A médica admite que os momentos mais complicados, embora estejam habituados a lidar, são quando morre alguém. “Muitas vezes os familiares imploram-nos para salvar a pessoa e nós percebemos que já não há nada a fazer e ter que transmitir a notícia é sempre complicado, por mais treinados que estejamos. Estamos a falar de vidas humanas”, sublinha.