Cortejo da Festa dos Tabuleiros também serve para pagar promessas
A Festa dos Tabuleiros de Tomar dá trabalho a preparar e são muitas noites a dormir pouco mas os participantes assumem que vale a pena o sacrifício pela emoção de manter vivas as tradições do concelho. E há quem aproveite o momento para cumprir promessas.
Trajada de branco e com uma fita vermelha que passa pelo ombro e faz um laço à cintura, Glória Pereira, 68 anos, confessa não estar nervosa. Feitas as contas participa no cortejo principal da Festa dos Tabuleiros, em Tomar, há meio século e é uma veterana daquelas lides, sempre a representar a sua terra, Serra de Tomar, habitualmente acompanhada pelo marido. Este ano houve a excepção que confirma a regra e o seu parceiro foi outro, por razões especiais. Glória Pereira é amiga de familiares de João Oliveira, de 44 anos, que é gestor hoteleiro em Lisboa. Quando soube que João Oliveira estava com um problema grave de saúde prometeu que se ele recuperasse o trazia a participar na Festa dos Tabuleiros.
João Oliveira recuperou a saúde e confessa que se não fosse a amiga Glória provavelmente nunca participaria no cortejo da Festa dos Tabuleiros. Com familiares em Tomar, visita a cidade com regularidade mas nunca se envolveu tanto na festa como este ano. “Não estou nervoso. Realmente é uma emoção diferente e só tenho a agradecer à Glória por me ter proporcionado estes momentos que realmente não se explicam, só se conseguem sentir”, confessa enquanto a sua parceira o ajuda a colocar a cinta preta à volta da cintura. Glória Pereira quer continuar a participar na Festa dos Tabuleiros. “Se me deixarem e tiver saúde cá estarei daqui a quatro anos. Aos 18 anos prometi que iria participar em todas as festas, mesmo que tivesse que vir de muletas”, brinca enquanto olha para o seu tabuleiro.
Noutro lado da Mata Nacional dos Sete Montes, onde os cerca de 700 tabuleiros estão perfilados e de onde os pares saem para o cortejo, estão Sara Bernardino, de 35 anos, e Susana Agostinho, de 34 anos, ambas da freguesia de Olalhas. Sara já participou quatro vezes no cortejo principal e este ano é par de substituição, para levar o tabuleiro de alguém que não consiga completar o percurso. Susana Agostinho participa no cortejo principal há cerca de oito anos. A feitura do seu tabuleiro demorou alguns meses porque só tinha tempo depois do trabalho. “O desfile é uma coisa única, difícil de explicar. Exige dor e sacrifício mas vale muito a pena. Fico sempre nervosa por estar muita gente a olhar para nós”, admite.
À sombra das árvores, na ponta mais distante da entrada da Mata, estão alguns homens, jovens e mais velhos, a descontrair e a beber cerveja antes das indicações para se prepararem e colocarem-se perfilados e dar início ao grande espectáculo. Muitos pares tiram fotografias com os telemóveis, para recordar, antes do cortejo. Sentadas no chão várias raparigas descansam antes de darem início ao percurso. À entrada da Mata dos 7 Montes elementos da Comissão de Festas e alguns pares aguardam à sombra das árvores. A junta de bois foi colocada com todo o cuidado para que nada corresse mal.
Depois de três toques ouvidos bem alto abrem-se os portões da Mata e começa a festa. Ouvem-se vários gritos de “Viva a Festa” e palmas de quem demorou vários meses a preparar o momento alto da festa. Há lágrimas de emoção em alguns rostos. Em grupos pares vão saindo da Mata, as mulheres com os tabuleiros à cabeça. O percurso percorre várias ruas e termina na Praça da República, junto ao edifício dos Paços do Concelho, numa festa em que não faltou cor, alegria, emoção e música.
Presidente da República recuperou e também participou na festa
Uma multidão invadiu Tomar no domingo para assistir ao principal cortejo da Festa dos Tabuleiros. Marcelo Rebelo de Sousa trocou as voltas à agenda e acabou por aparecer, aparentemente já recuperado do problema de saúde que o apoquentou dias antes.
Às 10h00 já as ruas principais de Tomar estão cheias. Dezenas de autocarros estacionados largam os visitantes que vieram em excursão para ver a festa mais importante do concelho de Tomar. Os parques de estacionamento estão lotados e é preciso deixar o carro bem longe e chegar ao centro da cidade a pé. Muitas são as pessoas de chapéu na cabeça e um banco no braço para se sentarem e aguentarem as várias horas que vão estar à espera para ver passar o cortejo principal.
Na Avenida Dr. Cândido Madureira, que termina na Mata dos 7 Montes, são centenas de pessoas que passeiam pelas ruas enfeitadas de flores enquanto outras marcam lugar junto às baias de protecção para terem vista privilegiada. “As ruas enfeitadas estão lindas. Nunca vi tanta beleza nem imagino sequer o trabalho que deve ter dado fazer tudo isto, mas a cidade está muito bonita”, conta a O MIRANTE Maria José Venâncio, que veio de Paços de Ferreira para assistir pela primeira vez à Festa dos Tabuleiros.
Na festa esteve também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de ter anunciado, dias antes, que não poderia estar presente devido a questões de saúde. Aparentemente recuperado e bem disposto, o Chefe de Estado participou em parte do cortejo ladeado pela presidente da Câmara de Tomar, Anabela Freitas, e não se cansou de aplaudir a festa de Tomar e das suas gentes.
Antes das 13h00 já há filas para almoçar nos restaurantes e churrasqueiras. Há também quem tenha vindo preparado de casa com uma mesa e bancos portáteis. Sentam-se à sombra e comem o farnel que trouxeram de casa porque já sabem que neste dia a confusão é grande. Os turistas que compraram bilhete puderam visitar os tabuleiros perfilados ao longo de toda a Mata dos 7 Montes. A visita terminou às 13h00 para se dar início aos preparativos da festa.
O MIRANTE encontrou Maria Cuca, como é conhecida por toda a gente, sentada numa pedra à sombra de uma árvore. Aos 76 anos confessa à repórter de O MIRANTE que apesar de ser da vizinha freguesia de Asseiceira nunca assistiu à Festa dos Tabuleiros. Aquela era a primeira vez tendo sido convencida por uma vizinha a ver a tradicional festa do concelho. Sempre de sorriso no rosto e uma piada pronta, desfiou os dramas da sua vida, como a morte dos dois filhos. Com um neto, de 12 anos, a seu cargo, diz que a vida é sempre em frente apesar das oito operações que já fez às pernas.
Meia hora antes do início do cortejo milhares de pessoas amontoam-se para conseguirem ver o desfile. O calor não ajuda e algumas pessoas tiveram que ser socorridas pelos Bombeiros de Tomar. Muitos ficaram até ao final do desfile mas houve também quem fosse embora assim que o cortejo passou pelo local onde aguardavam para ver a festa.