Três Dimensões | 27-03-2023 21:00

“O meu percurso profissional atrapalhou algumas vezes o meu papel de mãe”

“O meu percurso profissional atrapalhou algumas vezes o meu papel de mãe”
TRÊS DIMENSÕES
Sónia Ferreira foi uma das duas primeiras mulheres a integrar o conselho directivo da Associação Nacional de Transportes de Passageiros na qualidade de vice-presidente

Sónia Ferreira, 51 anos é directora administrativa, financeira e de recursos humanos na Rodoviária do Tejo

Diz que Santarém precisa de uma estratégia clara para o futuro e que a mobilidade no interior está longe de ser a ideal. Alerta para a falta de motoristas no sector e defende que as entidades públicas têm que compensar as operadoras de transportes quando os serviços públicos que prestam não são rentáveis. Nascida no seio de uma família humilde da Gançaria interrompeu os estudos aos 16 anos para trabalhar, mas aos 41 estava a concluir mais uma formação.

Aos 16 anos deixei a escola e fui trabalhar. Venho de uma família humilde e quando tinha oito anos o meu pai sofreu um AVC que o impossibilitou de trabalhar. Estava a fazer um estágio de seis meses num gabinete de contabilidade e acabei por ficar lá seis anos a trabalhar. Todos os anos ia buscar os impressos para me matricular na escola só que não havia transportes para poder ir estudar à noite. Aos 19 anos voltei à escola e concluí o secundário.
Sou natural de Gançaria, uma freguesia do concelho de Santarém onde tudo se mantém praticamente igual para o bem e para o mal. A melhor memória que tenho da infância são as brincadeiras com os primos que estavam emigrados e regressavam no Verão. Nunca me vou esquecer do dia em que foi decretado o confinamento da pandemia. Tive que comunicar à minha mãe, que estava internada, que o meu pai tinha falecido e não pude ficar porque não eram permitidas visitas.
Santarém é uma cidade com alma, história e recursos naturais, mas sem vida. Vivo na cidade e é triste ver as ruas do centro sujas e com lojas fechadas. Devia haver uma estratégia de promoção e incentivos para as lojas não fecharem. Não há uma estratégia clara e objectiva para onde se quer ir. Está provado que quando há eventos de qualidade as pessoas aderem. Outra coisa que falta são espaços verdes onde se possa tomar café enquanto as crianças brincam num parque infantil.
Tive de aprender a resistir às emoções. Como directora de recursos humanos já tive que fazer rescisões de contratos e recordo-me, numa das primeiras vezes, de sair do gabinete porque estava com lágrimas nos olhos. Hoje sou mais racional, mas não posso dizer que me tornei insensível.
Não basta escrever num lado qualquer que ‘as empresas são as pessoas’, tem de se aplicar isso na prática. Ouvimos e lemos essa frase clichê em todo o lado, mas não é por se dizer que se pratica. As pessoas têm que ser valorizadas pela sua função e valor que acrescentam à empresa. A Rodoviária do Tejo não é uma empresa perfeita mas tentamos todos os dias melhorar. Temos feito melhorias nas instalações, nas políticas de remuneração e agora vamos promover um seguro de saúde para todos os trabalhadores.
Há quem diga que se devia voltar aos operadores públicos mas a história demonstra que os operadores privados tipicamente conseguem melhores resultados. O caminho passa pelos operadores privados, em conjunto com as autoridades, conseguirem optimizar recursos e facultar a melhor oferta possível. O nosso plano de investimento para 2023 é de sete milhões de euros. O investimento é importante mas tem que haver rentabilidade. Não havendo passageiros e sendo um serviço público tem que ser pago como tal.
Há muita dificuldade em recrutar motoristas, mesmo depois de a Antrop ter feito uma revisão do contrato colectivo que melhorou as condições salariais. Estamos a pagar as habilitações necessárias e até a fazer um recrutamento no Brasil mas os vistos são muito demorados. Há uns anos, na zona Oeste, já era um problema mas neste momento é no país inteiro. Questiono-me: onde estão as pessoas? Até para a área financeira tivemos dificuldade em recrutar.
Quando viajo a minha mente viaja também e é isso que me faz desligar de preocupações. Não é preciso ir para fora, basta ir a um lugar que não conheça. Ler ajuda-me a adormecer e quando me reformar vou tirar uma licenciatura em História. Nunca é tarde para aprender. Tinha 40 anos, dois filhos e fui estudar. Tirei um MBA Executive no ISCTE, antes tirei um mestrado em Gestão de Recursos Humanos, um bacharelato e uma licenciatura em Gestão Financeira, tudo em horário pós-laboral.
O meu percurso profissional atrapalhou algumas vezes o meu papel de mãe, não o contrário. Tenho um filho de 22 anos e uma filha de 15 e sou uma mãe galinha quanto baste. Tento incutir-lhes responsabilidade e o que mais quero é que sejam boas pessoas, justas e honradas. Devemos ouvir [os filhos] sem estarmos colados a julgamentos ou críticas e aconselhar sem sermos demasiado paternalistas ou não vão saber agir quando estiverem sozinhos.
Com o passar dos anos vamos aprendendo a desvalorizar opiniões que não nos acrescentam. Já abandonei a ideia de que queira ser perfeita, isso não existe. Se errar apenas peço que me digam que o fiz porque de outra forma não consigo melhorar. Não sou vaidosa e não gosto de pessoas vaidosas, sobretudo se não tiverem motivo para o ser. A incompetência e falta de profissionalismo tiram-me do sério.

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