“Não empresto a minha cara a projectos que não tenham sucesso”
José Manuel Franco tem 64 anos e há três que é o presidente da direcção da Cerci Flor da Vida, instituição de Azambuja que dá uma resposta diferenciada a pessoas com deficiência. Encontrou-a à beira do colapso, reergueu-a financeiramente e fê-la crescer em património e valências. O antigo director do Agrupamento de Escolas de Azambuja diz ter a calma aparente de um alentejano e não vira a cara a situações de emergência social.
A melhor memória que tenho da minha infância é o contacto com a natureza, onde brincava com os meus amigos. Nasci em Cabeção, no concelho de Mora, no Alentejo. Esse gosto acompanha-me ainda hoje. Vivo numa quinta em Azambuja onde tenho contacto com os animais, horta e pomar.
Dizer que os alentejanos são lentos é mais fama que proveito. Em mim a serenidade é apenas aparente, pois essa calma não me impede de ser interventivo. Prova disso são os desafios a que tenho respondido, sempre em situações de emergência. Sou o equivalente a um soldado em combate, gosto muito de vestir o fato macaco e encontrar soluções. Mas não empresto a minha cara a projectos que não tenham sucesso, trabalho para que o tenham; tenho que deixar a minha marca.
Quando soube que a Cerci Flor da Vida de Azambuja estava com problemas tive que dizer sim ao pedido que me fizeram. Assim que entrei entreguei-me de corpo e alma e em 10 meses resolvemos os assuntos com a ajuda da Segurança Social. Havia direitos dos trabalhadores que não estavam assegurados, dívidas à banca a rondar os 200 mil euros, dívidas aos fundos de compensação com valores próximos dos 50 mil euros e viaturas que precisavam de ser substituídas. Aproximadamente recuperamos cerca de 600 mil euros em dívidas e em direitos que não estavam garantidos e ainda adquirimos novas instalações para a formação profissional, entre outros projectos.
Houve uma fase que pensei que a Cerci ou seria o projecto ou o fiasco da minha vida. E a cada dia que passa cada vez mais confirmo: não foi o fiasco. Acabei por não sair em Agosto de 2022, como estava inicialmente pensado, e comecei a trabalhar no projecto da Quinta das Rosas que vai ser agregador e dar respostas em áreas novas da saúde e dos idosos, privilegiando sempre a dependência e a incapacidade.
Aos meus filhos sempre disse que a última coisa que quero ouvir é a mentira; nunca resolve problemas. Tenho duas filhas e um filho. Tenho muito orgulho neles e gosto de pensar que também têm orgulho em mim. Tenho dois netos e um a chegar que vieram preencher a minha vida, que vivi sempre com intensidade: formei-me, fui militar, professor, gestor no sector público e privado, director de uma escola e agora director de uma instituição que dá resposta a cerca de 400 utentes de concelhos desde Azambuja a Alenquer, Vila Franca de Xira e Cartaxo.
As instituições têm que ser credíveis e fazer jus ao seu nome dando respostas a situações de emergência social. Num concelho onde 88% da população não tinha médico de família, a Cerci está desde este mês a assegurar um serviço de saúde, com o projecto Bata Branca, no qual tem uma responsabilidade enorme. Mas este projecto vem, infelizmente, com dois anos de atraso. Das 109 consultas feitas até sábado (17 de Junho) foram feitos 25 encaminhamentos (23%) para hospitais, alguns para cirurgias do foro oncológico.
Não me quero meter na política mas em Azambuja há um défice de reflexão sobre vários assuntos importantes. A questão da saúde é a prova que se devia ter parado para pensar. Para termos sucesso temos que ter disponibilidade intelectual para pensarmos. As instituições do concelho de Azambuja deviam trabalhar em rede, realizar projectos conjuntos, ao invés de estarem de costas voltadas. Há ruas da vila de Azambuja em que passam as carrinhas da Cerci, da Santa Casa, da câmara e do Centro Paroquial para apanhar utentes, o que é desperdício de meios.
As pessoas não se devem eternizar nos cargos, devem dar espaço a outras pessoas, a novos projectos e ideias. Fui director do Agrupamento de Escolas de Azambuja durante 14 anos e deixei o ensino há oito. Naquela altura, ser professor tinha uma representação social muito forte. Acho que continua a haver reconhecimento, mas há é um problema de autoridade motivado pela educação que os jovens recebem em casa. Os pais deviam ter um papel mais activo na educação dos filhos. Hoje vivemos numa sociedade em que os valores estão degradados.
Não tenho nada a provar a ninguém, mas ainda tenho muito para dar. O meu drama é ter que depender de outras pessoas. Assusta-me mais a dependência do que a morte. Tento anular os meus medos com a coragem, e os utentes desta instituição dão-me coragem. Há utentes que me chamam pai, sou tutor de alguns.
Para sermos felizes temos que ser infelizes às vezes. Se queremos ser felizes não devemos colocar o conceito de felicidade, que é discutível, num patamar muito elevado. Eu meço a felicidade por um indicador simples: todos os dias levanto-me da cama com um objectivo e sei que faço falta a alguém: à Cerci, às minhas netas, aos meus filhos, e é essencial fazemos falta.