“Sou um bocado dramático talvez por ser um homem do teatro”
Daniel Gonçalves tem 24 anos e é presidente do Grémio Dramático Povoense.
O teatro faz parte da sua vida desde que entrou para o grupo de teatro da Escola Dom Martinho Vaz de Castelo Branco, na Póvoa de Santa Iria. Licenciou-se em Engenharia Informática e tirou o mestrado em Multimédia e Videojogos. Está no grupo há dez anos e é actor, técnico e encenador. Concilia a direcção da colectividade mais antiga da Póvoa com o trabalho na associação Future.
A presidência do Grémio Dramático Povoense (GDP) foi um processo natural. Não quis deixar a colectividade perdida porque é muito difícil encontrar pessoas para as associações. Sendo uma colectividade muito antiga, o maior desafio para mim é conciliar o passado e o presente. O próprio GDP tem uma designação diferente no antes e no pós 25 de Abril.
No teatro amador temos pouco ou quase nenhum apoio da Direcção-Geral das Artes (DGARTES). O apoio é focado nas companhias profissionais de teatro. Revejo-me no que disse o dramaturgo Ricardo Rabaça a O MIRANTE quando diz que é impossível ter peças a dez euros sem apoio. Quem trabalha no teatro profissional tem de ser pago. Mas já vi peças de teatro amador melhores que algumas peças de teatro profissional, algumas delas aqui no Festival de Teatro do GDP. Muitos actores do teatro profissional e cenógrafos vieram do teatro amador. É sempre importante apoiar as bases para se poder evoluir.
Desejo as melhoras para o grupo de teatro Cegada e que se consigam restruturar para não fechar portas. Compreendo o que é gerir uma sala com programação regular e, sendo profissional, ter de pagar aos actores. Só com as verbas da Câmara de Vila Franca de Xira não conseguem. Um teatro municipal faz muita falta para que todos os grupos de teatro amadores e profissionais do concelho possam mostrar as peças ao público. Era importante também para alargar a esfera de teatro de Lisboa para esta área metropolitana e trazer para cá companhias de fora.
As burocracias tiram-me do sério. Quando uma conversa não é suficiente, um e-mail não é suficiente e temos de passar por 35 departamentos para resolver alguma coisa. Isto só atrapalha o objectivo final que é mostrar e trazer cultura às pessoas.
Sou um bocado dramático talvez por ser um homem do teatro. A minha ansiedade vê-se quando temos algum espectáculo ou evento. Estou constantemente a ir à porta para garantir que o público vem e que está tudo pronto. Que ninguém está chateado. Não acho que a saúde mental de um actor seja diferente de outra profissão. O que conta é a carga de trabalho.
Os meus focos principais são o trabalho e o Grémio. Depois ter tempo para mim e para sair com os meus amigos. Quando tirei o meu segundo ano de licenciatura estava ao mesmo tempo a fazer voluntariado na associação onde agora trabalho, estava a tirar um curso profissional de técnico de espectáculos e estava a fazer teatro à noite no GDP. Tudo ao mesmo tempo. Não tinha vagar sequer para ver um filme. Chegava a casa dormia e acordava no dia seguinte às cinco da manhã. Ao fim desse ano estrava destruído e foi aí que percebi que a minha saúde mental era muito importante. Agora, mesmo que tenha vontade de aceitar novos projectos, ponho um travão.
Não sou aquelas pessoas ligadas ao teatro que fazem analogias filosóficas de que sou uma pessoa diferente quando estou em palco. Quando estou a encenar uma peça, em que tenho de fazer um personagem, e coordenar os outros personagens todos, imagino o que fariam os personagens em determinada situação do dia-a-dia. O personagem é uma pessoa como nós e passa por todas as situações que nós passamos, não faz apenas o que está escrito no papel.
O personagem mais desafiante para mim ainda não o fiz, mas gostava de fazer no GDP. É a peça O Destino Morreu de Repente, de Alves Redol. É uma crítica directa ao absolutismo, ainda que fantasiosa. Escolhi o elenco na altura da pandemia e sentamo-nos numa mesa com um quadro branco à frente. Começamos a escrever o número de personagens que são mais de 40. Quero fazer o personagem do narrador, um bombeiro incendiário e sarcástico, que diz coisas ácidas. A peça é demasiado grande mas havemos de ter possibilidade de a fazer aqui no Grémio.
Percebo quando um humorista diz que não há limites, mas para mim o limite do humor é o contacto interpessoal. A partir do momento em que começa a ser ofensivo, sem autorização prévia, passa a ser o limite da pessoa. No teatro falamos de personagens e podem haver limites éticos. No Destino Morreu de Repente uma das personagens fala em matar com uma facilidade extrema. A frase já passou por vários actores e é sempre desconfortável de dizer. Se o actor não está confortável com o texto é preferível não desempenhar o papel. Os limites são os pessoais.
É preciso formar o público. E isso só se faz quando ele sai da sua zona de conforto. Garantir que as pessoas saem da plateia diferentes do que quando entraram. O que me propus no GDP foi oferecer um bocadinho de tudo e cada um escolhe o que quer ouvir ou ver.
As escolas são um tema que me toca muito porque comecei no teatro na Escola Dom Martinho. Esse grupo está cada vez mais posto de parte porque os professores estão exaustos. A cultura não é uma aposta nas escolas portuguesas. Não é uma formação continua como o Português ou Matemática. Enquanto não houver formação de cultura as pessoas não se interessam pelo teatro. Mas também sinto que não há vontade de o fazer.
Queremos continuar a ser uma associação sem fins lucrativos. Tínhamos um grupo de teatro profissional instituído pela anterior direcção do GDP. Percebemos que sendo uma aventura que poderá ressurgir no futuro tivemos primeiro que organizar a casa. As pessoas estão habituadas a ver o grupo de teatro do Grémio.