Muitos professores não concordam com as explicações porque colocam o seu papel em causa
Carla Lança, 44 anos, responsável pela Sala de Estudo Passo a Passo, em Alhandra
Em Setembro assinalam-se 21 anos desde que Carla Lança abriu a Sala de Estudo Passo a Passo em Alhandra, uma resposta na comunidade que tem sido um sucesso, ajudando dezenas de alunos, todos os anos, a terem bons resultados na escola. Carla Lança é uma alhandrense que vê no rio Tejo um símbolo de espiritualidade, confessa-se uma pessoa perfeccionista e fica aborrecida quando as coisas não saem como pretende. Sonha conhecer a Escócia e a mentira tira-a do sério.
Gosto de estar sossegada no meu canto. Sou de Alhandra, sempre morei aqui e guardo boas memórias das fogueiras que se realizavam no tempo dos santos populares. Era agradável pela tradição mas também um pouco perigoso. Tenho muito boas memórias de Alhandra. Infelizmente, no final da década de 70 ficou muito mal frequentada por causa de problemas de toxicodependência, mas felizmente já não acontece. Hoje é uma vila segura, pacata e bonita.
Adoro andar de bicicleta e quando era criança a primeira coisa que fazia era ir para junto do rio Tejo. É uma referência para mim e um símbolo de espiritualidade. O rio é inspirador. Tranquiliza-me. É um acaso da vida ter-me dedicado a este centro de estudos. Havia um externato em Alhandra onde comecei a dar explicações. Quando a dona o fechou e tivemos de abandonar o edifício fiquei com todos os meninos a quem dava explicação. Acabámos por alugar um espaço na parte de cima da igreja, onde existe um grande salão, e foi aí que começámos. Estive nesse espaço três anos. Hoje estamos na Rua D. Maria Annes e junto aos CTT.
Dou explicações de tudo do 1º ao 12º ano. Algumas áreas como matemática A, fisico-química e geometria descritiva não, aí têm de ser professores específicos dessas áreas. Não ponho as mãos onde não me sinto confiante. Ou faço as coisas bem ou não faço. Não gosto de perder o meu tempo a fazer as coisas mal feitas. Fico aborrecida quando as coisas não saem como esperava, mas os anos foram-me trazendo alguma paz de espírito. Gosto sempre de tentar e lutar. Quem nunca tenta nunca alcança. Desde que me lembro que tenho objectivos e que procuro alcançá-los. Tenho de ter objectivos na minha vida.
É um trabalho muito cansativo mas todos os dias saio com a sensação de que ajudei a mudar e a melhorar alguma coisa na vida das pessoas. Para me sentir bem comigo tenho de saber que fiz a diferença. Não sou melhor que os outros mas gosto de ajudar também com um abraço, uma palavra, um gesto, temos de estar comprometidos a ajudar o outro. Hoje vejo os alunos chegar das escolas muito zangados e mal preparados. Os professores estão zangados e cansados. Temos uma grande bola de neve: uma geração de meninos que não respeitam e acham-se no direito de dar a sua opinião, e professores zangados e cansados que não toleram faltas de respeito. Se os alunos se sentirem respeitados também vão respeitar.
Ter explicações é sempre uma mais valia. São raros os professores que concordam com as explicações, porque colocam o papel deles em causa. Alguns dizem mal das explicadoras porque vêem nisso uma afronta. Acho o contrário, que devia haver uma ligação entre todos, o professor na escola, o explicador e a família, unidos em equipa, para ajudar o aluno a subir e a ter sucesso. Isso é o principal. Lidar com crianças é desafiante. Gosto da partilha. Não sou apenas a explicadora aqui dentro. Também faço o papel de amiga, psicóloga e mãe e isso torna a relação muito próxima. Os resultados que conseguimos dizem muito respeito ao carinho que se partilha. Não tolero a falta de respeito de um pelo outro. Temos de respeitar as diferenças e ter valores. A educação, regras e valores têm de ser dados em casa.
A matemática é a disciplina onde existe maior procura. Antigamente os alunos esforçavam-se e davam luta. Hoje, por causa das tecnologias, tudo é mais rápido e tudo o que os obrigue a pensar mais não têm essa vontade, já não querem. A Inteligência Artificial assusta-me se for virada para o mal. Tira-me do sério a mentira, não suporto.
Cheguei a fazer bolos em casa para ganhar a vida. Também trabalhei numa fábrica, num trabalho horrendo, onde tínhamos de lixar peças de automóveis que chegavam com as rebarbas. Estive lá seis meses e tive de sair quando a médica me disse que tinha partículas de alumínio nos pulmões.
A minha viagem de sonho é à Escócia. Por causa dos castelos. Gosto muito de monumentos, de pintura, escultura. Gosto de natureza, luz, sol, não gosto da noite e da solidão. E a Escócia para mim é um destino de eleição. Também gosto muito de animais e em particular de gatos. Os gatos são de uma riqueza brutal. Trazem-me conforto, limpam-me a alma. São companheiros de vida. Além dos animais que tenho em casa, que adoptei, também trato de uma colónia de gatos, registada na câmara municipal, em São João dos Montes.
Se pudesse comprava o elixir da eterna juventude. Os seniores precisam de continuar a sua vida. Não a devem parar a partir do momento em que se reformam. Vejo muita solidão entre eles. As senhoras estão mais sós que os homens. Aqui em Alhandra eles vão ao pão, aos cafés, mas as senhoras ficam muito em casa. Tenho um bocadinho de medo de envelhecer.
Não deviam alargar a linha de comboio e destruir as árvores. Não tenho informação suficiente para tomar uma posição mais sólida mas para mim não mexia em nada e deixava tudo como está. Mesmo que se evoque o progresso. Acho que Alhandra está muito bem como está. Não me meto em política. Nem sequer oiço mas para mim tudo o que seja extremista é mau.