Três Dimensões | 15-08-2023 07:00

“A falta de empatia é um grande problema da sociedade actual”

“A falta de empatia é um grande problema da sociedade actual”
TRÊS DIMENSÕES
Carlos Damásio é doutorado em Informático, professor universitário e investigador na área da Inteligência Artificial

Carlos Damásio, 54 anos, é doutorado em informática, professor associado na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e investigador na área da inteligência artificial.

Curioso por natureza, interessou-se pela agricultura e desenvolveu a primeira plataforma nacional para a agricultura baseada em imagens de satélite. É de Santarém, cidade que evoluiu mas deixou para trás a agitação do comércio e o encanto do Teatro Rosa Damasceno.

Nasci e cresci em Santarém até ir para a universidade. Hoje divido-me entre Santarém e Lisboa. Da infância as memórias boas que guardo são as amizades. Santarém era uma cidade pequena e eu brincava na rua, jogava futebol, andava de bicicleta, brincava às escondidas até à meia-noite. Hoje penso que este cenário não se verifica. Sempre que uma cidade cresce há prós e contras. Santarém tem mais serviços, vê-se dinamismo na restauração, eventos e mais turistas na cidade. Mas custa-me ver como está o centro histórico com o comércio local desaparecido. A grande mudança começou a dar-se quando ficámos mais perto de Lisboa em termos de acessos, mas há outro problema: os horários da grande distribuição superam os do comércio local e o pequeno comércio, negócio muitas vezes familiar, não consegue competir com isso.
Era frequentador do Teatro Rosa Damasceno. Ia quase todas as semanas, tal como a maior parte dos jovens daquela altura. Esgotava regularmente. Lembro-me de ter visto lá grandes filmes. Entristece-me o estado em que está. Gosto do processo de organizar uma viagem; tenho estado mais voltado para o turismo na natureza. Gosto de nadar no mar, mas não de estar ao sol, e gosto de ler, mas tipicamente só tenho disponibilidade para a literatura nas férias. Gostava de ter com o meu neto a relação próxima que tive com o meu avô.
O ministro das Infraestruturas não devia ter tido aquele comentário de que 80km é longe de Lisboa. Vejo muito mais vantagens em ter aeroporto em Santarém do que desvantagens. Mas as pessoas que estão por trás dessa iniciativa têm que explicar como é que conseguem garantir que um viajante que quer ir para Lisboa não vai deixar de ir porque além de um bilhete de avião tem uma deslocação de 80Km.
O que me motivou a seguir Informática foi um acaso. Era jovem, estava de férias na Nazaré e o computador de um familiar despertou-me interesse. Daí foi nascendo o gosto. Estudei na Escola Ginestal Machado até ao 12º e fui para a Universidade Nova onde fiz licenciatura. Estive na Universidade Aberta e regressei à Nova onde sou professor e investigador. Na informática sempre me interessou mais a parte mais científica.
A Inteligência Artificial (IA) nasceu praticamente com os primeiros computadores mas as pessoas não têm essa noção. A banca, por exemplo, há muito que usa a IA para detectar movimentos de fraude. Agora a questão é que tem produzido resultados visíveis que estão a chegar ao consumidor. O ChatGPT basicamente é capaz de prever o que há-de dizer a seguir porque leu tudo o que havia para ler. Mas não tem inteligência, é amorfo, sem consciência e erra muitas vezes. Mas a IA vai trazer novos desafios para o ensino e o que as universidades têm que fazer é adaptar-se. A tecnologia vai sempre existir e produzir impactos na sociedade e, neste caso, pode trazer vantagens como ajudar na escrita de documentos. Uma das áreas em que vai ter uma influência mais profunda é na Medicina. O médico que tem conhecimento vasto de casos de certa forma pode ter na IA uma concorrência. A condução autónoma de veículos será outra das realidades.
Sou sócio-gerente da AgroGreenBase. É uma empresa que desenvolveu e comercializa a primeira plataforma nacional de monitorização remota para a agricultura baseada em imagens de satélite. A agricultura é um sector muito importante na região e é estratégico para o país. As pessoas não têm noção que é altamente profissional e tem avançado tecnologicamente. Existe muita informação e a evolução da informática permite disponibilizar serviços a baixo custo com rapidez e qualidade. A partir do telemóvel conseguimos saber, através de imagens satélite, qual evolução da cultura, onde houve um problema com a rega ou atacou uma praga.
Se estivesse com a ministra da Agricultura gostaria de lhe dizer que devia ouvir mais os produtores. A agricultura tem de ser acarinhada e têm que ser encontrados equilíbrios. Este país tem de ter uma base de auto-suficiência que dê garantias de que conseguimos alimentar a população durante um período. Estar casado com Paula Borrego Leonor, que lidera há 10 anos uma empresa líder nacional de factores de produção para a agricultura, teve influência neste meu interesse. A minha maior realização pessoal foi ter encontrado uma pessoa que me tem acompanhado na vida e que me deu uma filha. Somos pessoas diferentes mas complementares. O que mais valorizo nela é a capacidade de trabalho monstruosa e ser uma pessoa honesta, ponderada e inteligente, que se soube afirmar num sector de homens.
As minhas maiores virtudes são ser uma pessoa honesta e íntegra. Defeitos tenho muitos, quem diz que não os tem não diz a verdade. O que mais me irrita nos outros é não falarem a verdade. Sou de poucos amigos, mas bons. Não há muito espaço para viver as amizades. Se pudesse voltar atrás gostaria de ter mantido mais relação com algumas pessoas. A felicidade perfeita não existe, é um engano. Sou feliz. O meu maior receio é a morte. Qualquer vida vale a pena. A falta de empatia para com os outros é um grande problema da sociedade actual.
Nas carreiras universitárias estamos sujeitos a compromissos restritos em termos de prazos e isso é desgastante. O sistema científico e tecnológico nacional tem sofrido grande evolução. Temos boas universidades, bons investigadores, instituições fortes e conseguimos formar com muito boa qualidade. A investigação tem sido apoiada mas continua a haver um problema: nós, docentes universitários, temos essa carreira e a de investigação e é difícil conciliar. Estamos a competir no mercado mundial e há países organizados que permitem um avanço maior. Estou envolvido no projecto de investigação Floresta Limpa, que vai ajudar a perceber, através de informação satélite, onde há necessidade maior de limpeza.

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