Cristina Gonçalves: Museu de Benavente tem um acervo notável
Cristina Gonçalves, 56 anos, é técnica na Câmara de Benavente e directora do museu municipal, que diz ser a sua grande paixão.
Licenciou-se em História e especializou-se em Arqueologia. Natural de Lisboa escolheu Alcochete para viver, mas grande parte do tempo é passado em Benavente.
No âmbito de um projecto com colegas fui parar a Benavente. Encontrei uma realidade diferente de onde vinha e achei que podia ser um projecto interessante. Encetei contactos com a câmara, em 1992, para saber quais os projectos que tinham na área do museu. O caminho, aqui em Benavente, começou com a identificação dos recursos e levantamento arqueológico. Depois avançámos com o projecto de investigação dos fornos romanos destinados à produção de ânforas, a olaria romana da Garrocheira. A arqueologia tem duas dimensões importantes: o trabalho de campo e escavação arqueológica e depois trabalhar e contextualizar.
Não gosto de trabalhar sozinha. Valorizo muito o trabalho de equipa numa lógica colaborativa. Comecei no museu mas depois avancei para a divisão que integra várias áreas e gosto de pensar nisto como uma rede em que o princípio são as pessoas.
A arqueologia é um desafio constante e uma inquietação. Estamos tranquilamente a escavar e é como ler um livro. À medida que lemos vamos arrancando as páginas. Temos de fazer o registo de forma clara e séria porque senão perde-se para sempre. O aspecto fundamental é perceber que pessoas usaram a peça que foi descoberta e as relações que se criaram em torno dela.
O museu municipal é o que mais me apaixona. Temos um acervo notável. Um fio condutor em que podemos encontrar as pessoas na sua dimensão pessoal e familiar e na dimensão de trabalho. A minha grande inquietação é termos aqui o novo museu. Hoje existe uma diversidade enorme do ponto de vista cultural mas pouco apoio. O investimento associado é curto mas faz-se muita coisa. Basta ver a agenda cultural de Lisboa e de Benavente.
Foi importante para os municípios ficarem com os museus na rede nacional. Mas depois, com a Direcção Geral do Património e Cultura, muita coisa se perdeu, porque é uma entidade que abarca muita coisa. Agora está-se a trabalhar na criação de uma estrutura mais eficaz. A cultura é sobretudo um investimento na valorização das pessoas e consciência do mundo onde estamos. É importante dar espaço às pessoas e não nos prendermos só com a espuma dos dias. Hoje pensamos que basta agarrar no smartphone e está tudo ali, mas não é verdade. Há ainda muito por descobrir.
Tenho dois filhos, um casal, e recentemente fui avó de uma Alice. Sempre valorizei muito a minha dimensão pessoal que se complementa no que é o meu trabalho e o que gosto de fazer. Em alguns momentos aproximei as coisas e envolvi a minha família nos meus objectivos. Vivi muitos anos em Lisboa, estava já a trabalhar em Benavente, e por volta do ano 2000 decidi mudar. Quis ficar junto ao rio e fui para Alcochete. Gosto muito desta distância que me permite desligar.
Sempre que tenho condições passo um fim-de-semana em qualquer lado. A Europa está mais ou menos concretizada. Já estive no norte de África mas gostava de conhecer de forma mais séria. Queria sair da minha zona de conforto e fazer uma viagem à Índia. Deslumbro-me com muita facilidade. O que mais valorizo nas pessoas é a capacidade de colaborar, a reciprocidade, sentirmos que o outro nos ouve e nós também estamos a ouvir. Sou dramática em muitas coisas mas tenho a capacidade de relativizar. Sou muito obsessiva com as coisas. Preciso sempre de encontrar portas. Detesto sentir bloqueios. Sou muito racional no princípio de que nos temos de procurar distanciar das coisas para ter um olhar mais objectivo.
Em relação aos meus filhos quero que sejam boas pessoas e felizes. O mundo é tão agreste e difícil mas podemos sorrir, passear e dizer uns disparates. Ao longo da vida todos vamos criando defesas e ferramentas para funcionar com as nossas próprias fragilidades. Detesto hipocrisias e defendo sempre a honestidade. Às vezes posso assumir alguma arrogância no processo porque ou gosto ou não gosto e não consigo ter duas caras. Sou uma pessoa naturalmente afirmativa e assertiva. Sei que sou ouvida, por vezes com resistência. Mas tenho sempre noção de que não estamos sozinhos.
Não tenho noção do tempo. A minha mãe, por graça, diz que o cérebro dela não sabe a idade que tem e eu sinto o mesmo. Só de pensar que daqui a dez anos posso estar aposentada é uma coisa que me incomoda. Mas gostaria que daqui a dez anos pudesse fazer uma viagem de um ano até onde me apetecesse.