“Comércio tradicional no Cartaxo está a morrer há muitos anos”
A Casa Brincheiro, situada na Rua Batalhoz, a artéria mais tradicional do Cartaxo, foi fundada há quase um século. Actualmente pertence a Paulo Lambéria, 53 anos, que na infância detestava ter de ir para a loja ajudar os pais em vez de brincar com os amigos.
O momento mais difícil da sua vida foi a morte da sua mãe e os mais marcantes o seu casamento e o nascimento dos filhos.
Detestava ter de ir para a loja em criança ajudar os meus pais. A Casa Brincheiro existe há quase um século. Foi fundada por Antero Rebelo Alves, padrinho do meu pai, que entretanto lhe comprou a loja. Depois da escola não podia ir brincar para a rua com amigos. O que menos gostava era de varrer o chão e limpar. Há 15 anos que o meu pai saiu e fiquei à frente da loja. Trabalho aqui desde os 18 anos.
Queria ter feito carreira militar. Já trabalhava na loja quando tive de ir para a tropa. Fiz a recruta em Santa Margarida da Coutada (Constância). Adorei aquele mundo e concorri para as Caldas da Rainha onde me formei como sargento e trabalhei na área de Cavalaria. Foram anos muito bons de camaradagem e convívio que tive muita pena de deixar. Saí em 1993 quando a minha mãe, que ajudava o meu pai na loja, adoeceu e tive de regressar ao Cartaxo.
É muito difícil ver a nossa mãe sofrer com uma doença maligna e não podermos fazer nada. A minha mãe faleceu com cancro de mama. Foram anos difíceis em que a acompanhava sempre aos tratamentos ou consultas no IPO de Lisboa. Assistirmos ao seu enfraquecimento a cada dia que passa é muito complicado e a impotência é enorme porque não podemos fazer nada para a salvar. Foi o momento mais difícil da minha vida.
O meu casamento foi um momento muito marcante. Estou casado há 29 anos e foi das melhores decisões que tomei na vida. O nascimento dos meus dois filhos foram outros momentos marcantes. Quando decidimos ter filhos sabemos que a nossa vida vai mudar, mas muda tudo para melhor. É um amor que não sabíamos que existia e que não acaba. Tenho um rapaz com 26 anos e uma filha com 19 anos que ainda vivem connosco.
O comércio tradicional no Cartaxo está a morrer há muitos anos. Começou a definhar quando decidiram cortar um dos sentidos da Rua Batalhoz e transformá-la em sentido único. A machadada final aconteceu quando fizeram as obras da praça central com o parque de estacionamento subterrâneo. As pessoas deixaram de vir para esta zona porque o trânsito estava praticamente cortado. As pessoas gostam de ser enganadas nas grandes superfícies comerciais. O meu negócio vai correndo bem porque não há muitas lojas de tecidos, calças de tecido, retrosaria, linhas, botões e muitas outras coisas. Um carrinho de linhas na minha loja custa dois euros e o mesmo produto, sem nenhuma diferença, numa grande superfície custa quatro euros. As pessoas têm preguiça e fazem as compras todas no mesmo local, mesmo que seja tudo mais caro e, muitas vezes, com menos qualidade.
Ser um dos municípios mais endividados do país não pode ser desculpa para tudo. Falta indústria no concelho do Cartaxo, que parece um dormitório, não se vêem muitas pessoas. Várias empresas quiseram instalar-se no Cartaxo e foram para outros concelhos por causa dos preços dos lotes de terreno. Podiam isentar as empresas de vários impostos durante alguns anos para atraí-las a instalarem-se cá.
Nas horas vagas sou produtor de vinhos. Quando tenho tempo livre vou para a minha vinha. Tenho cinco hectares. Sou eu que faço tudo. São os vinhos Lambéria. Vendo mais para restaurantes e churrasqueiras. Gosto de cozinhar, sobretudo grelhados, mas aprecio mais quando é a minha esposa a fazê-lo. Adoro o bacalhau com natas que ela faz. Quando é preciso pendurar quadros e lâmpadas a minha esposa chama-me logo para esses trabalhos de bricolage.
A festa brava não vai morrer porque faz parte da tradição do povo. Sou aficionado e a minha filha ainda é mais. Sempre que posso vou a corridas de toiros e a minha filha está sempre a lembrar-me de quando há corrida e é ela quem compra os bilhetes. Quem não gosta de touradas deve respeitar quem gosta, e vice-versa, porque também há católicos e protestantes e todos se respeitam. A tourada é uma tradição secular do Ribatejo, Alentejo e outras zonas do país. Acredito que vai continuar a existir e tem de haver respeito pela tradição.