Cândida Lopes: a ex-militar e a primeira mulher presidente da Junta de Benfica do Ribatejo
Cândida Lopes está no seu terceiro e último mandato como presidente da Junta de Benfica do Ribatejo, freguesia de onde é natural.
Aos 47 anos fala abertamente da luta que travou contra a infertilidade e da ideia errada que tinha sobre se sentir diminuída como mulher. Os sete anos no Exército e ter sido a primeira mulher presidente naquela freguesia ensinaram-na a não desistir perante as adversidades.
Na altura em que andava na escola a mentalidade em Benfica do Ribatejo era deixar os livros cedo para ir para o campo trabalhar. Não tinha ninguém em casa que me incentivasse a continuar os estudos, mas houve uma professora que puxou por mim. Acabei por me matricular no sétimo ano já depois do tempo de inscrições e tive que pagar multa. Quando concluí o 12º ano nem sequer foi tema ir para a universidade porque os meus pais não tinham possibilidade. Decidi então ir para o Exército. Entrei para a Escola Prática de Serviço de Transportes na Figueira da Foz, onde estive sete anos.
A instrução militar foi dura física e psicologicamente, mas fez-me crescer porque era muito fechada. Na altura não havia pelotões mistos e os tenentes faziam competição entre o das raparigas e o dos rapazes. Lembro-me de estar à noite a montar uma G3 quando a culatra da arma me caiu no dedo. Fiz um esforço enorme para não chorar à frente de ninguém. Nunca ninguém me viu chorar nem rir. Não sou de mostrar emoções com facilidade. Através do Exército tirei o curso de técnica administrativa e fui estagiar para a Câmara de Almeirim, onde trabalho até hoje.
Sofri de infertilidade e conseguir ser mãe depois de sete anos a tentar engravidar foi a maior vitória da minha vida. Foi difícil mas nunca desisti. Às vezes fazemos planos e sai-nos tudo ao lado. Foi o que aconteceu. Casei em 2004, decidi que durante três anos não queria filhos e que depois iria engravidar de modo a que fosse mãe em Novembro. Mas só ao fim de muitas tentativas e de muitos embriões perdidos consegui engravidar, em 2014, quando já não achava que seria possível. Quando me ligaram do hospital para comunicar que estava grávida estava numa reunião que consegui terminar sem exteriorizar sentimentos. Quando saí fui comprar uns sapatinhos e entreguei-os ao meu marido. Durante este processo tirei um curso de Ciências da Informação e Documentação na Universidade Aberta.
Ser infértil fez-me sentir que a minha condição como mulher estava diminuída. Hoje reconheço que era uma estupidez. Durante anos não consegui falar do assunto. Quando me perguntavam, dizia que não queria ser mãe. Continuo a ser da opinião que perguntas destas não se fazem a mulheres que estão com alguém há muitos anos e que não têm filhos, porque não sabemos o que se passa na vida dos outros. Como mãe sou muito possessiva, acho que pela dificuldade que tive em engravidar. A minha filha Inês, hoje tem oito anos e sabe como foi concebida. Poder vê-la crescer é o meu maior desejo.
Quando me convidaram para ser cabeça de lista a Benfica do Ribatejo neguei três vezes, mas depois de muito ponderar aceitei. Quis pôr-me à prova e em 2013 venci as eleições. Nunca uma mulher tinha sido presidente da Junta de Benfica do Ribatejo. Há pessoas que fazem alguma distinção por ser mulher. Finjo que não percebo que estão a ser preconceituosas porque se não têm a capacidade de entender que mulheres fazem igual ou melhor que os homens não merecem que perca tempo com elas.
Exerci sempre o meu direito de voto. É importante participar no acto que vai determinar quem nos governa. As pessoas desinteressam-se pela política ignorando que ao não votarem a sua vontade sai mais prejudicada. Gosto que as pessoas de Benfica do Ribatejo sintam e saibam que a junta de freguesia tem as portas abertas para as ajudar e servir. Valorizo essa ligação e esforço-me para que nada fique por resolver. Às vezes é difícil, faltam meios. Tenho o meu trabalho, no gabinete de apoio à vereação na Câmara de Almeirim, mas todos os dias vou à junta e faço atendimento.
Se a tropa me fez crescer, ser presidente de junta ensinou-me a não desistir perante as dificuldades. Orgulho-me do percurso que tenho feito embora gostasse de deixar mais obra. Uma delas é o campo de futebol, que espero que um dia venha a ser realidade. Termos reconstruído uma ponte que estava em perigo, construído as casas mortuárias, a requalificação do centro de saúde, das escolas e do jardim-de-infância, deixa-me satisfeita.
O percurso político trouxe-me inimizades, mas prefiro valorizar as amizades que ganhei. Dou o meu número de telefone aos fregueses e atendo sempre, mesmo quando me ligam fora de horas. Também abro a porta de casa, mesmo que vão lá bater de madrugada, como já aconteceu. Isto é proximidade. Os presidentes de junta são muito mal pagos. Recebo 275 euros como presidente de junta. Este ordenado é quase um desincentivo; não é pelo dinheiro que recebemos que nos candidatamos. Se achamos que somos capazes devemos contribuir e dar algo de nós.
Estou a construir casa em Almeirim e não troco o meu concelho por outro. Aqui encontro a qualidade de vida que procuro. Nasci em Almeirim mas sempre morei em Benfica do Ribatejo. Gosto de sopa da pedra mas tiro o feijão para o lado. Sou boa cozinheira embora o meu marido cozinhe mais vezes. Ele é a pessoa que mais admiro no mundo; é extremamente inteligente e ponderado. Ser reservada faz os outros terem uma ideia errada acerca de mim. Passo por antipática, mas sou brincalhona com quem tenho confiança. A minha ideia de felicidade é estar com a minha família.