O fado e a rádio são duas paixões de Joaquim Calçadas
Joaquim Calçadas, 64 anos, trabalha no ramo funerário há quatro décadas. Está à frente da Funerária CC na Póvoa de Santa Iria, cidade onde também foi bombeiro. O fado e a rádio são as suas grandes paixões. Organiza espectáculos e dá voz ao programa “Fado Vadio”, na Rádio Amália, todas as semanas. É em Seda, terra alentejana onde nasceu, que aproveita para descansar sempre que tem tempo livre.
Sou natural de uma freguesia do Alto Alentejo, Seda, no município de Alter do Chão. Foi lá que nasci e estudei até à terceira classe. Depois vim para Lisboa ter com os meus pais, que já cá estavam. O meu pai trabalhava nos hospitais civis de Lisboa e a minha mãe nas oficinas gerais de fardamento. Com 14 anos comecei a trabalhar no casão militar e fui o último paquete a entrar ao serviço no dia 28 de Março de 1974. Passado um mês deu-se o 25 de Abril e a melhor memória que tenho foi pensar que se havia revolução não se trabalhava. E fui para o Largo do Carmo.
Tenho memórias do que era a Lisboa antiga. Na altura as vivências eram outras. Brincávamos na rua e íamos para Alfama. Aos 15 anos tive o meu primeiro contacto com o fado, mas nunca cantei. Havia uma casa de fado, O Pinoca, e eu e a malta distribuíamos os flyers do estabelecimento à porta do Campo Pequeno. Naquela altura quem ia aos fados eram os mesmos que iam às corridas de touros. Quando o porteiro do Pinoca faltou meteram-me uma cinta vermelha à cintura e um colete e fiz de porteiro.
Comecei a trabalhar na área dos funerais quando ainda estava no casão militar. Ganhava-se pouco e um tio da minha ex-mulher levou-me para fazer o serviço de ir buscar os corpos aos hospitais.
O meu primeiro contacto com a morte foi difícil. Havia muitos falecimentos em casa e as pessoas só queriam que os cadáveres saíssem nas urnas. Éramos quatro homens a descer escadas com as urnas às costas porque mesmo que houvesse elevadores as pessoas não queriam.
Este ramo está completamente diferente do que era há 40 anos. A morte era tratada de forma diferente. Agora não temos contacto com os cadáveres mas na altura os corpos estavam em macas e nós circulávamos à vontade na morgue. Como sabiam que eu tinha sempre o isqueiro do lado direito do casaco e o tabaco do esquerdo meteram-me a mão de um morto no bolso e pediram-me lume. Também me marcou a primeira vez que vesti um corpo mas vamo-nos habituando, tal como nas outras profissões.
O fado parece que andou sempre atrás de mim. Sub-aluguei uma funerária na Rua de São Lázaro, em Lisboa, e mesmo em frente abriu o restaurante “Os Ferreiras” que foi uma das melhores escolas de fado da capital, por onde passaram todos os grandes fadistas como Ricardo Ribeiro, Ana Moura, Sara Correia e Fernando Maurício.
Naquela altura era bimbo e foleiro ir aos fados. Hoje é moda. Paralelamente aos espectáculos de fado trabalhei sempre em funerárias. A rádio entrou na minha vida quando surgiram as rádios piratas. Estive uma década na Popular FM, com música portuguesa, e mais tarde passei pela RDS. Agora tenho às quartas-feiras o programa “Fado Vadio”, em directo, na Rádio Amália, e continuo com os espectáculos de música.
Fui muitos anos bombeiro na Póvoa de Santa Iria, ainda no antigo quartel. Em 1988 trouxe os Seis Latinos a tocar no pavilhão da Abelheira, que já não existe. Na altura tinha uma funerária, que acabei por vender, e posteriormente abri uma funerária em Camarate. Abri depois a funerária CC na Póvoa de Santa Iria e fui buscar a malta toda antiga, que trabalha comigo há 20 e 30 anos. Fiz o funeral do rei do fado, Fernando Maurício, há 20 anos, onde se cantou.
Há muita gente que não sabe o significado da palavra amigo. Um amigo tem de provar que o é, tal como provo aos meus amigos que o sou. Tenho pessoas comigo para a vida, tanto do fado como do ramo funerário. A falsidade tira-me o sono. Se tenho alguém em quem confio que me faz alguma coisa, que não espero, vou para a cama e penso nisso. Temos de ser francos e directos. Quando não gostamos temos de dizer e é isso que faço.
Tenho três filhas e uma neta e estou à espera de outra neta. Conto abrandar o ritmo e olhar um bocadinho mais para mim, mas não vou parar. Seda é o meu paraíso. São as gentes de que gosto e nunca perdi contacto. Sempre que posso vou até à minha terra.