Três Dimensões | 09-01-2024 21:00

“Fico frustrada com a burocracia necessária para resolver problemas”

“Fico frustrada com a burocracia necessária para resolver problemas”
TRÊS DIMENSÕES
Rita Merenda esteve na génese da criação da lei do esquecimento para sobreviventes de cancro

Rita Merenda, 45 anos, secretária do executivo da União de Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho

Rita Merenda gosta de história, nasceu em Vila Franca de Xira e já viveu em várias localidades do concelho até se fixar na Malvarosa, bairro onde gosta de viver. Aos 11 anos sofreu de leucemia e sonhou encontrar uma cura para o cancro. Não a descobriu mas ajudou a lançar a chamada Lei do Esquecimento que permitiu o acesso a seguros de vida a quem já lutou contra a doença. Tira-a do sério a falta de civismo e diz que a fraternidade natalícia devia ser vivida todos os dias. Paz é o que mais deseja para 2024.

A origem do meu nome sempre me fascinou e suscitou curiosidade. Consegui, através dos registos dos baptizados e casamentos da igreja, encontrar um senhor onde a alcunha “Merenda” começou. Desenhei a minha árvore genealógica, ainda não consegui terminar mas é uma coisa muito gira de se fazer. Adorei. Sou uma apaixonada por história.
Apaixonei-me pelo Sobralinho por ser um dos raros locais onde as crianças podiam brincar na rua à vontade. Nasci em Vila Franca de Xira, os meus pais são da zona de Coruche e quando vieram procurar trabalho vim com eles morar para a Póvoa de Santa Iria. Depois ainda vivi no Forte da Casa e comprei casa no Sobralinho, achei um sítio extraordinário. Quando conheci o meu marido e tive a minha filha mudámo-nos para a Malvarosa.
Quando era miúda queria ser professora, mas aos 11 anos tive de lutar contra uma leucemia e foquei-me no sonho de encontrar uma cura para o cancro. Segui engenharia química e ainda bem que não entrei em enfermagem, porque sou muito sentimental. Apego-me às pessoas e custa-me vê-las sofrer. Odiei trabalhar num laboratório de análises químicas. É monótono e gosto de fazer sempre coisas novas. Depois fui para uma empresa que vende produtos para a indústria pesada.
Muitas seguradoras não faziam seguros de vida só porque a pessoa teve um cancro. Num congresso do PS em 2020 fiz uma intervenção sobre como é ser sobrevivente de cancro e da dificuldade que existia em conseguir ter acesso a seguros de vida na compra de habitação. Havia até adultos que tinham tido cancro em bebés, que nem se lembravam disso, e que tinham essa condicionante na vida. Houve um deputado que lá estava, ouviu a minha intervenção, interessou-se e batalhou por uma lei que revertesse esta situação. A lei do esquecimento para quem teve cancro acabou por incluir também outras patologias como a hepatite C, HIV, pessoas com diabetes, etc... Essa minha intervenção foi a faísca. Estive na Assembleia da República quando a lei foi aprovada e foi um momento maravilhoso.
Quando sobrevivemos a um cancro infantil ele acompanha-nos o resto da vida. A nuvem nunca desaparece. Os tratamentos são muito agressivos e as consequências podem aparecer até ao fim de 20 ou 30 anos. É preciso determinadas medidas e um acompanhamento médico constante. É uma doença que nos ensina a aproveitar melhor a vida e a desvalorizar certos problemas no nosso dia a dia. Hoje faço voluntariado na pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO). Há miúdos que saem desta experiência muito traumatizados e é lá que levo a minha chapada quinzenal de realidade. Percebemos que todos os problemas que levamos para lá connosco e pensamos que são importantes e complicados são triviais. Digo às crianças que já lá esteve e que recuperei. É muito bom ver o brilho nos olhos dos pais de que há esperança para a doença.
É o meu primeiro mandato no executivo da junta e isto é mais difícil do que parece. Obriga a uma dedicação permanente, principalmente quando se tem um trabalho oito horas por dia e família e temos de nos dedicar a isto nas horas livres. No nosso executivo apenas o Cláudio Lotra (presidente) está a tempo inteiro. Todos nós temos os nossos empregos. É uma experiência cansativa mas maravilhosa. No final do mandato se tiver conseguido ajudar, nem que seja uma única pessoa, já fico feliz. Estou cá pela missão de serviço público. Fiz parte de associações e tento sempre envolver-me com o sítio onde vivo.
O Estado devia pensar que o trabalho para as pessoas é um só. Não importa se um problema é da Infraestruturas de Portugal, da câmara municipal, da junta ou da Segurança Social, as pessoas têm de ver os seus problemas resolvidos e a junta de freguesia é quem está mais perto. O que mais me irrita é por vezes não poder resolver todos os problemas das pessoas por causa da burocracia. De passar o tempo a mandar mails, assinaturas, pedidos…
Viver em Alverca é viver na melhor cidade do mundo. Sonho deixar até ao final do mandato uma cidade perfeita mas sei que isso é uma utopia. Gostava de melhorar o estacionamento, resolver os problemas da saúde, que a mim me preocupam tremendamente, principalmente ver os idosos que não têm acesso a médicos de família. Precisamos de ter um silo de estacionamento, embora a melhor forma de conhecer a nossa cidade seja a andar a pé. E o lixo. Gostava que as pessoas que vivem na nossa terra vissem a freguesia como um espaço delas que deve ser cuidado. Gostava que elas colaborassem, não mandassem lixo para o chão, não enchessem as papeleiras com lixo de casa, respeitassem as ilhas ecológicas. Gostava que mesmo os novos moradores que vêm para cá viver se sentissem alverquenses e sobralinhenses como se tivessem cá nascido. A falta de civismo tira-me do sério.
O Natal devia ser todos os dias. Devíamos ligar todos os dias à nossa família e cultivar sempre os valores da amizade, fraternidade, parece que só nessa altura as pessoas se lembram. Não devemos ser fraternos apenas no Natal mas sim todo o ano. Desejo que o próximo ano nos traga paz e médicos para todos. Não podemos mandar a toalha ao chão, temos de ser optimistas e sonhar. Se não sonharmos não vamos a lado nenhum.

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