Três Dimensões | 16-01-2024 07:00

“Acredito na justiça mas não em alguns dos seus intervenientes”

“Acredito na justiça mas não em alguns dos seus intervenientes”
TRÊS DIMENSÕES
Rosinda Serrão escolheu ser advogada e tem uma carreira com duas décadas

Rosinda Serrão sempre foi fascinada pela área de Direito. Na juventude ia para o tribunal e sonhava pertencer àquele mundo. Por isso, quando teve de escolher entre constituir família ou ter uma carreira não hesitou. É advogada há mais de 20 anos e nunca quis sair do Ribatejo porque é apegada às suas raízes.

Sou natural da freguesia do Biscainho, concelho de Coruche. Fui estudar para Benavente porque na altura apareceu um transporte que fazia a rota até lá. Regressei depois a Coruche e comecei a trabalhar na cooperativa. Cheguei a matricular-me em Economia mas não fui. Quem me entusiasmou e me fez despertar para o Direito foi um falecido colega. O Dr. Firmino, notário em Coruche, é cunhado de um primo meu e de cada vez que o ouvia falar eloquentemente ao jantar dizia para mim que queria ser assim.
A minha avó era católica e ensinou-me muitos princípios que se interligam com o Direito. Ela também me entusiasmou desde pequena. Nas horas livres ia para o tribunal porque achava fascinante. Gostava do modo solene como as pessoas se comportavam. Achei que gostava de entrar naquele ambiente. Ingressei na Faculdade de Direito de Lisboa e ia e vinha de carro para Coruche. No primeiro ano estudei de dia e os restantes em horário pós-laboral. A minha mãe ficava aflita, especialmente no Inverno.
Sou muito apegada às raízes. O meu irmão faleceu e eu era cuidadora dele. Quando ele morreu faltava-me qualquer coisa e foi quando comecei a estudar Direito, aos 30 anos. Na altura morava e trabalhava em Salvaterra de Magos e já vivia maritalmente. O meu irmão deixou uma menina na altura com dois meses, que é como se fosse minha filha.
Não comecei logo a exercer. No final do curso trabalhei nas Finanças, em Lisboa, e em jornalismo, em Leiria. Mas sempre quis trabalhar no Ribatejo. Estagiei em Benavente com a Dra. Ana Casquinha, Dr. Mourão e Dr. Castelo. Apoiaram-me muito. Na altura ou me dedicava à casa e era mãe ou seguia a profissão… Escolhi a carreira e não me arrependo. A minha primeira intervenção foi a defender um estrangeiro e lembro-me de estar nervosa. Mas quando comecei só via o objectivo à frente. Tive logo uma intervenção em que a funcionária do Ministério Público telefonou à minha patrona.
A minha interrogação foi sempre: será que vou defender bem estas pessoas? Não me sinto com falta de capacidade mas interrogava-me se seria capaz. Sabia que aquelas pessoas estavam na minha mão. Tive um caso de um senhor que estava acusado de abuso sexual de meninas. O primeiro impacto que tive com ele foi de desconfiança. Felizmente foi uma nomeação de escala e ele constituiu advogado.
Marcou-me o caso de um acidente com jovens em Samora Correia em que o meu constituinte estava indiciado por homicídio qualificado. Esteve um ano em prisão preventiva e no julgamento eu consegui provar através da perícia forense que o falecido não morreu pelo pontapé e murro do meu constituinte mas por outras razões. Tenho uma grande intuição e dediquei-me muito a esse rapaz, que não tinha mãe e tinha um historial sofrido. Tinha medo que ele se suicidasse na cadeia e dediquei-me bastante. Quando ia a Lisboa visitava-o na prisão. Tive casos em que chorei nas alegações. Eram ilícitos em que as pessoas não estavam consciencializadas das situações que as levaram ali. E nunca me enganei.
Todas as situações me tiram o sono. Durante a noite surgem ideias. O meu marido pergunta-me o que andei a fazer de noite e digo que escrevi uma peça e muitas vezes levantei-me para escrever. Não tenho tempo para hobbies. O que faço é tratar do jardim da quinta que os meus pais me deixaram. Aos domingos, já em jovem, ia à missa e tratava do jardim. Antes corria mas tive um acidente grave em 2018 e deixei. Tenho muitos amigos e amigas que ficaram. Não se esquecem com o passar dos anos. Ainda no Natal me mandaram mensagens.
Honestidade e confiança são dos valores que mais prezo. Já tive clientes que ao início não dizem a verdade. Quando os ponho à vontade percebo o outro lado da história. Deixo-os sempre falar em primeiro e acabam por confessar que não foi bem assim…Ponho-os à vontade. Um bom advogado deve saber ouvir, porque as pessoas quando nos transmitem um caso falam sobre a sua vida particular.
Acredito na justiça mas não acredito em alguns intervenientes da justiça. Alguns procuradores, advogados, colegas, funcionários judiciais e juízes. Sempre procurei trabalhar lealmente com todos, mas há advogados que não nasceram para isto mas para ganhar dinheiro. Quando assim é as coisas não são o que deviam. Sinto-me respeitada e sempre foi assim. Tive algumas pessoas com uma postura menos adequada mas acabaram por compreender que estava no lugar certo.
Não alterava as penas de homicídio. Uma alteração das penas não beneficiava nada. Não há preparação e um sistema para que as pessoas quando saem da prisão poderem seguir o bom caminho. As pessoas que estão arrependidas acabam por seguir o bom caminho na sociedade. Outros cumprem as penas até ao fim e já não querem sair da cadeia. Temos muitos reclusos imigrantes em que a única família que têm são os guardas prisionais e preferem continuar no sistema. Estas pessoas nunca souberam nem sabem planear a vida. Não é depois de estarem presos que vão saber. A sociedade tem repulsa em dar trabalho a essas pessoas.
Salvaterra de Magos estagnou, não avançou muito. Benavente evoluiu bastante com a vinda de muitas empresas. Coruche evoluiu na qualidade de vida. Para mim o importante é preservar o ambiente e manter as zonas verdes na região. Falta-me escrever um livro, uma ficção. Já tenho esboços mas ainda estão na gaveta.

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