Três Dimensões | 02-04-2024 18:00

“Trabalhar com os filhos não é fácil mas é um grande motivo de orgulho”

“Trabalhar com os filhos não é fácil mas é um grande motivo de orgulho”
TRÊS DIMENSÕES
José Jorge, sóciogerente da Jorge&Filhos - Oficina de Reparação de Automóveis, Lda

Na infância José Jorge jogava à bola com uma feita de trapos velhos. Isto nos intervalos em que não estava a ajudar os pais, peixeiros de profissão, a anotar quem pagava ou ficava a dever.

Aprendeu a ser pintor de automóveis aos 14 anos e, há 34 anos, abriu em Vale do Paraíso, concelho de Azambuja, a sua oficina. Aos 78 continua a trabalhar e não se imagina a ficar parado em casa ou de perna cruzada, a ver quem passa, numa esplanada de café.

Quando conto aos meus netos episódios da minha infância eles estranham, nem acreditam que era assim. A maior parte de nós andava descalço e pouco tempo havia para brincar. A bola com que jogávamos era feita com as meias das nossas mães e meia dúzia de trapos velhos lá dentro. São tempos que não deixam saudade.
Nasci na antiga Rua da Inveja, hoje Rua dos Combatentes, em Vale do Paraíso, com a ajuda de uma parteira. Frequentei a escola até à quarta classe e até hoje sei fazer contas de cabeça. Em parte pelo treino que tive da altura em que ajudava os meus pais, que eram peixeiros, a assentar tudo no livro de contas. Sempre que alguém ficava a dever o meu pai mandava-me a casa da pessoa para cobrar o dinheiro. Foi assim que perdi a vergonha de pedir o que me pertence.
Comecei aos 14 anos a aprender o ofício numa oficina de carros de bombeiros que havia em Azambuja. Naquela altura, para se aprender um oficio tínhamos que ter um padrinho que nos ajudasse a entrar numa empresa. Num dia eu e mais uns amigos decidimos faltar ao trabalho para podermos ir à festa de Dezembro de Vale do Paraíso. No dia seguinte, quando chegamos lá, o patrão mandou-nos de volta para a nossa terra.
Abri a minha oficina em Vale do Paraíso em 1990 depois de ter passado pela Ford, Opel, onde fui encarregado, e OGMA. Foi ao ir para estas oficinas em Alverca que escapei à guerra. Às vezes os pilotos convidavam-me para voar com eles, mas nunca aceitei e até hoje nunca me meti num avião. Tenho muito medo e, além disso, não me esqueço de um colega que aceitou e acabou a vomitar o avião todo. Depois, claro, ficou a limpá-lo.
Trabalhar com os filhos não é fácil mas é um grande motivo de orgulho. Comecei sozinho, com a pintura automóvel, até passar a ter comigo os meus dois filhos, Sérgio e Nuno. Hoje, além de pintura temos serviço de bate-chapas e pequena mecânica. Nunca nos faltou trabalho, o que falta, e é cada vez mais difícil de arranjar, é mão-de-obra. Quem trabalha com seriedade e qualidade tem sempre clientes.
Tenho 78 anos e embora já não meta a mão na pintura venho para a oficina todos os dias porque parar é morrer. Hoje sou mais um moço de recados, o que trabalha com os papéis, mas irei ajudar enquanto puder. Nunca fui pessoa de ir para os cafés passar o tempo. Sempre fui muito exigente com o meu trabalho. Já fui madrugador, agora nem tanto mas não sou de ficar parado.
Sou do tempo em que se namorava à janela ou na rua encostado a uma parede a conversar. Casei há 56 anos com a Esmeralda, mãe dos meus filhos, mas não foi fácil levá-la ao altar. Ainda namorámos uns quatro anos. Primeiro casámos pelo civil e só fomos à Igreja no dia em que foi baptizado o nosso filho mais velho.
Vale do Paraíso tem evoluído para melhor embora tenhamos perdido cafés e mercearias. Dantes havia quatro talhos, agora tenho que ir a Azambuja comprar carne. Mercearias também já só há uma. Estes negócios em meios pequenos têm tendência para acabar porque hoje toda a gente tem carro e desloca-se aos hipermercados. Faço questão de vez em quando em fazer compras na mercearia para ajudar. Se não formos nós a contribuir, daqui a pouco não temos nada.
Aos 31 anos tive um enfarte do miocárdio enquanto estava numa reunião da Assembleia de Freguesia de Vale do Paraíso. Vi a luz a fugir, a sorte foi que o socorro não demorou. Fiquei esse mandato mas depois saí da política embora continue, claro, a ter as minhas convicções e a ser do Partido Socialista. Mas tenho andado chateado com os nossos políticos. Os impostos continuam demasiado pesados para os empresários. Os pequenos empresários, como eu, têm de ter muito cuidado, ser muito contidos, para poderem continuar de porta aberta.
Temos mais paciência e damos mais amor aos netos. Embora não queira dizer que o amor é superior ao que temos pelos filhos. A gente dantes é que não tinha este vagar. E logo eu que fazia muitos serões até às tantas da noite a trabalhar. Nestes anos houve pouco tempo para ir de férias. Num Verão ainda aluguei casa um mês na Nazaré, para a família e eu só lá ia aos fins-de-semana. Não sou pessoa de ter desejos, só peço saúde. Prefiro não ter dinheiro mas ter valor.

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