Três Dimensões | 15-04-2024 07:00

Tratar todos por igual é o lema de vida da Celeste do Montepio

Tratar todos por igual é o lema de vida da Celeste do Montepio
TRÊS DIMENSÕES
Celeste Rodrigues é o rosto da Associação de Socorros Mútuos Benaventense

Com quase 80 anos Celeste Rodrigues, conhecida como a “Celeste do Montepio”, continua a dar injecções, medir tensões e a gerir a agenda das consultas médicas na Associação de Socorros Mútuos Benaventense.

Não se imagina sem trabalhar e tem de praticar pelo menos uma boa acção por dia. Não consegue dizer que não e arranja solução para tudo. Na vida vê sempre o copo meio cheio, até mesmo nas alturas mais difíceis.

Sou natural da Várzea Fresca, Salvaterra de Magos. Comecei a trabalhar no antigo hospital de Benavente há 60 anos. Vim viver para cá há 42 anos. Nunca tirei o curso de enfermeira mas sei fazer quase tudo o que uma enfermeira faz. Assisti a muitas operações, partos e acidentes. Fui autorizada por uma médica do Hospital de Santa Maria a dar vacinas às pessoas. Ajudei muitas crianças a nascer que eram de Benavente, Fajarda e Foros de Salvaterra.
Quando a assistente da médica adoeceu lembraram-se de mim. Era a pessoa indicada para trabalhar na Associação de Socorros Mútuos Benaventense. Sabia dar injecções, medir tensões e já estava habituada a lidar com os doentes. Vim experimentar e fiquei. Quase todos me conhecem como a Celeste do Montepio porque quando isto foi inaugurado, há 137 anos, era uma associação mutualista.
Consegui sempre tratar todos por igual sem fazer distinções. Antigamente davam gorjetas aos funcionários do hospital e eu não queria. Éramos conhecidas pelas criadas do hospital mas fazíamos tudo aos doentes, desde lavar, vestir, dar comida. Eu não queria as gorjetas para não pensarem que tratava melhor de um paciente do que de outro. Uma vez estava numa loja e um senhor reconheceu-me pela voz. Perguntou como me chamava e ele disse que há muitos anos andava para saber o que era feito de mim. E esse senhor disse para as pessoas que lá estavam que tratei todos por igual no hospital, o que para mim é um orgulho muito grande.
Estou satisfeita de ter aqui pessoas e associados mas fico triste por o Centro de Saúde de Benavente não estar a dar assistências às pessoas e não ter médicos de família. Como não têm resposta noutro lado vêm para aqui. Digo que já estou velha, na brincadeira, mas as pessoas querem na mesma que lhes dê as injecções, e isso acontece quase todos os dias. Se a minha filha não estivesse aqui como administrativa possivelmente também não estava porque é ela que me traz de manhã e me deixa em casa. Tenho carro mas já está parado à porta.
Sempre fui uma pessoa bem disposta. Vejo muitas desgraças e penso que não tenho com que me queixar. Tenho um problema na cara que me causa muitas dores mas ainda posso falar e comer. Sempre tive esta visão desde menina. Conheci as minhas duas avós sempre velhinhas. Estiveram doentes e faleceram antes dos 70 anos, mas tenho quase 80 anos e não me sinto velha. Não me sinto limitada em nada e tenho muita vontade de trabalhar. Se ainda estiverem em consulta até às 21h00 fico aqui. Sou eu que tomo conta da agenda.
Era viúva e não tinha filhos. Durante seis anos não quis ninguém, mesmo tendo muitos pretendentes. Mas não mandamos no nosso coração e apareceu um senhor que me procurou para casar e eu disse que sim. Nasceu a minha filha. O meu marido era um bom homem e estivemos juntos 22 anos, já faleceu. Ele tinha menos 15 anos que eu e tratei dele. Tenho um neto com 12 anos e uma menina com oito.
Não quero pensar no dia em que deixe de trabalhar. Já disse à médica e à minha filha que quando acharem que eu já não estou capaz de tratar das receitas dos doentes que me digam. Mexo no telemóvel e no WhatsApp. Quando as receitas começaram a ser passadas a computador observei o que o informático fez e quando ele saiu fui sozinha mexer e aprendi a fazer igual. Mexo sempre em tudo.
Não sou capaz de dizer que não. Se não conseguir resposta no momento tento procurar e telefono às pessoas mais tarde. Nunca digo “isso não é comigo”. Tenho necessidade de ter uma boa atitude todos os dias, nem que seja ajudar um cego a atravessar a rua. Fazer o bem sem olhar a quem é a minha maior qualidade. Fui habituada com a minha mãe e fui criada neste lema.
Recordo-me da taberna que existia antigamente na Barragem de Magos e que tinha um telefone público. O rapaz da taberna não tinha vagar para fazer as chamadas das pessoas que pediam e lembraram-se de me chamar. Eu sabia como falar com os hospitais e marcar consultas, isto há 60 anos.
Sempre fui muito teimosa, mas de forma saudável. Nunca gostei de ouvir falar da vida dos outros. Na associação, quando oiço falar deste e daquele corto. Depois tenho pessoas que não vêm cá fazer nada a não ser conversar comigo. Dizem que saem daqui melhor. Valorizo muito a sinceridade e empatia. O passar na rua e dizer bom dia a todos, mesmo que não respondam. Não passo por ninguém sem dar a saudação, sem distinção. Já na Misericórdia tinha a alcunha da capa da Misericórdia porque defendia toda a gente.

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