Luís Valente: “é preciso uma reforma urgente na Justiça”
Luís Valente, 55 anos, é advogado e tem escritório em Santarém há 28 anos.
Foi para a capital de distrito depois de um advogado da sua terra natal, Vila Nova da Barquinha, lhe ter feito uma carta de recomendação para estagiar em Santarém. Cresceu perto do Tejo e tem uma grande ligação ao rio. Adora pescar e na pandemia aprendeu a dar valor às flores e ao ciclo da vida. Defende que tem que haver uma reforma urgente na justiça portuguesa que a torne mais célere.
O advogado não pode ser apenas o advogado no sentido estrito da palavra. Um advogado é conselheiro, tem que saber ouvir, dá um conselho para além do jurídico, dá o conselho da ponderação. São conselhos que vão muito para além do aspecto da lei. Se uma pessoa vem ao meu escritório para procurar os meus serviços, se eu for muito formal o cliente vai achar que esteve a falar com uma pedra. Não pode ser. Em criança nunca sonhei com a minha profissão. Tinha inclinação para as ciências humanas mas a vida encaminhou-me para o Direito e sei que estou na profissão certa.
Tirei o curso em Lisboa e depois regressei à minha terra natal, Vila Nova da Barquinha, e era para fazer lá o estágio. No entanto, esse advogado fez uma carta de recomendação para um escritório em Santarém e lá vim eu do mundo rural para a cidade de mochila às costas. Acabei por ficar e mudei a minha vida para Santarém, onde tenho escritório há 28 anos.
Há matérias em que a Inteligência Artificial [IA] pode ser útil mas também pode ser perigosa. Como qualquer instrumento de comunicação, também a IA é uma arma poderosa, que pode ser muito vantajosa mas, como tudo na vida, há sempre que usá-la com conta, peso e medida. Não sou contra a velocidade com que a vida é hoje vivida, mas é complicado porque assim que acordamos mexemos no telemóvel e estamos ligados ao mundo. Estamos sempre disponíveis para tudo através do telemóvel e email. Ainda sou do tempo em que esperávamos pelas 18h00 para telefonar aos clientes, porque era quando a pessoa chegava a casa e ligávamos para o telefone fixo.
Fui criado à beira Tejo e sou apaixonado por pesca. Sempre tive uma grande ligação ao rio e aprendi desde cedo a pescar. Sou presidente da assembleia-geral da Federação Portuguesa de Pesca Desportiva e actualmente faço competição na 2ª divisão nacional e já estive na 1ª divisão nacional. É difícil porque a competição é grande e tem que haver disponibilidade, o que nem sempre existe. A pessoa tem que estar muito concentrada enquanto pesca e tem que haver disponibilidade mental. A pesca lúdica a predadores é uma pesca mais sozinha, que começa ao romper do dia ou ao final do dia. Normalmente vou pescar para herdades na zona de Coruche.
Candidatei-me à presidência da Câmara de Vila Nova da Barquinha porque achava que poderia ajudar a mudar a minha terra. Tive sempre aquela ideia de que gostava de ser presidente da minha vila. Candidatei-me pelo espírito de missão porque sabia que poderia ajudar a melhorar a vida das pessoas e o próprio território. Não venci e foi um ciclo que se fechou. Uma página do livro que se fechou. Tenho pena de perceber que o meu concelho não mudou assim tanto nos últimos anos. Entrei na política aos 16 anos com o mesmo espírito de contribuir com algo porque acreditei que poderia mudar a vida das pessoas.
Tem que haver uma reforma urgente e consensual na Justiça. O maior número de forças políticas tem que se unir para fazer uma grande reforma. As coisas como estão não funcionam. Tem que haver mais funcionários, mais juízes, mais procuradores, todos melhor preparados. Com menos pessoas as coisas não andam. Cai-se numa situação em que os processos, que já são demorados, vão andar cada vez mais devagar. A culpa é de toda a estrutura e da forma como está montada. Houve um desinvestimento na justiça e uma tentativa de centralizar, o que não funcionou e está a ter consequências. Por exemplo, o Tribunal de Família e Menores, existe apenas em Santarém e em Tomar para todo o distrito. Não é suficiente.
O custo da Justiça é caro assim como as custas dos tribunais são caras. Existe o chamado apoio jurídico a que as pessoas com maiores necessidades financeiras recorrem. Mas também aqui tem que haver uma reforma. Há quem defenda que se deva criar advogados de carreira que se dediquem apenas ao apoio jurídico. Normalmente quem faz apoio jurídico são advogados em início de carreira, para ganharem tarimba. No entanto, o advogado é ele e a sua experiência. Há situações que são resolvidas não só pelo conhecimento mas também pela experiência do advogado. Tudo isto merece uma reflexão mais amplas mas não temo pelo futuro da justiça em Portugal, porque é um dos pilares do Estado de Direito, que tem capacidade de se regenerar.
Aprendi a dar valor às árvores. Apaixonei-me por flores durante a pandemia, aproveitei para ocupar o tempo. Aprendi muito e adoro perceber a perfeição e harmonia com que a natureza criou as flores. Tenho um quintal enorme onde planto as flores e comecei a dar valor à vida, porque percebemos o ciclo de vida com as flores. Acho que todos deveríamos plantar uma árvore em adultos para perceber o tempo que demora uma árvore a crescer e a dar frutos. A nossa vida é igual, não podemos querer tudo para ontem. A vida leva o seu tempo a ficar no sítio certo.