“Sou contra a prisão perpétua porque faz com que a pessoa desista da vida em sociedade”
Sandra Alexandre é advogada e presidente da delegação de Santarém da Ordem dos Advogados.
Nascida em Santarém há 51 anos, regressou à cidade após concluir os estudos para abrir escritório e fazer dela morada. Diz-se orgulhosamente uma residente do centro histórico onde ainda há muitas casas vazias a merecer reabilitação. Lamenta que o prometido Palácio de Justiça 3 continue na gaveta, é contra a prisão perpétua e diz que todas as pessoas têm direito a defesa e, por isso, não se importaria de defender um político corrupto.
Sempre disse, depois de ir tirar Direito para a Universidade Lusíada, em Lisboa, que não voltaria para Santarém, mas acabei por fazê-lo. Afinal abri escritório na cidade onde nasci e cresci. Guardo boas memórias dos tempos de infância junto dos meus avós maternos e paternos que são de aldeias deste concelho. Recordo o cheiro a campo, das vindimas, do vinho, do azeite. Eram momentos que passávamos em família; o vinho já não fazemos mas a azeitona continua a ser colhida para se fazer o azeite.
Resido, com muito gosto, no centro histórico de Santarém, que está a precisar de ser reabilitado. Mas essa recuperação está nas mãos de privados... já se nota que se está a apostar mais na recuperação de casas antigas, mas ainda faltam muitas. Se pudesse, trazia mais vida para o centro da cidade. Não podemos culpar o shopping pela falta dela, a culpa é daqueles que criticam e que não fazem nada para mudar o facto de muitas vezes o centro estar às moscas. Como o Largo do Seminário que é a nossa sala de visitas... Ainda gostava de o ver como qualquer ‘plaza mayor’ de uma cidade espanhola, cheio de dinâmica e pessoas.
Aceitaria defender um político corrupto como aceitaria defender qualquer outra pessoa. Todas as pessoas têm direito a defesa. Pode haver atenuantes, lapsos no processo que conduzam a provas ilegais e aí estamos a aplicar a lei e a tentar defender da melhor forma o cliente. Já defendi vários arguidos em crimes sexuais. Todos têm uma história e em todos podemos procurar algo que sirva de defesa e procurar que o julgamento seja justo. Estou há 25 anos inscrita na Ordem dos Advogados e ao longo deste tempo dedicado à profissão tornei-me numa pessoa mais capaz de defender toda a gente e de perceber que todos têm direito a defesa.
As leis mudam vezes demais e nem sempre para melhor. Muitas vezes só complicam. Isso faz com que nós, advogados, tenhamos também de estar constantemente a informar-nos do que está e não está em vigor para fazermos bem o nosso trabalho. Para se ser um bom advogado é fundamental saber ouvir e estudar muito. Um advogado também tem um pouco de psicólogo. O Direito e a Psicologia deviam andar mais de mãos dadas. Num caso de violência sexual que envolva uma criança nunca há um psicólogo presente, a menos que haja declarações para memória futura. O acompanhamento que existe é momentâneo. Quem é vítima é que tem de procurar ajuda, quando o tribunal a devia assegurar. Além disso, a grande maioria dos crimes praticados tem a ver com problemas de saúde mental. E isso não vem da pandemia, vem de trás.
Sou contra a prisão perpétua porque faz com que a pessoa desista da vida em sociedade. O fim da prisão é, por vezes, a reabilitação da pessoa. A reinserção social ainda não acontece como idealmente necessitamos, mas temos vindo a melhorar. Faltam mais meios para acompanhar, da Psicologia à Psiquiatria, e apoio social. 25 anos são uma vida lá dentro, estão bem como pena máxima, aumentar faria com que a pessoa perdesse esperança na sua reabilitação.
Está a permitir-se que áreas do Direito sejam tratadas por quem não está devidamente habilitado. Quem perde é o cidadão porque vai entregar os seus problemas a quem não tem prática, competências, experiência, seguro de responsabilidade civil, nem regras deontológicas a seguir como têm os advogados. Um exemplo: os contratos de promessa de compra e venda estão abertos a imobiliárias e podem não estar a servir o cliente. Esta abertura à prática de actos veio fazer com que para um jovem advogado seja hoje mais difícil abrir um escritório sozinho, como eu e outros fizemos há 25 anos.
Nunca foi ambição minha ser presidente da delegação da Ordem dos Advogados (OA). Aconteceu naturalmente por estar envolvida. Ao contrário do que se possa pensar há poucas pessoas a querer ajudar, a fazer algo sem contrapartidas. Na OA estamos a falar de voluntariado puro e trabalho extra, interno, pouco divulgado e que traz pouca visibilidade, mas um trabalho importante pela descentralização. Se houvesse apenas a OA em Lisboa os colegas sentir-se-iam ainda mais distantes e menos representados. O nosso papel é sermos próximos, perceber as dificuldades e levá-las até Lisboa.
Há anos demais que Santarém reclama um tribunal administrativo e fiscal, mas continuamos a ser servidos por Leiria, onde os processos demoram décadas. Temos também um Palácio de Justiça 3 prometido há anos mas que não sai da gaveta. Era importante para melhorar as condições do Ministério Público e da instrução criminal, serviços que funcionam apertados no Palácio da Justiça 1. Estaríamos melhor em contentores do que nalgumas salas de interrogatório que são cubículos minúsculos, até por questões de segurança. Também faz falta uma grande sala de audiências para evitar que em julgamentos grandes, como já aconteceu no caso Tancos, se tenha de ir para o CNEMA.
Sou uma pessoa simples que valoriza a confiança a simplicidade e a humildade. Sou sempre a mesma no trabalho e fora dele. As pessoas têm de saber adequar-se ao sítio onde estão. Há pessoas que dizem que são sinceras mas no fundo são é malcriadas. Nos tribunais há um formalismo que leva a que quem assiste pense que está a ver uma peça de teatro, mas é importante que exista. E esse formalismo perdeu-se muito durante a pandemia quando muitas diligências foram feitas online.
Todos os anos vou a pé a Fátima e no ano passado fui até Santiago de Compostela. Sou crente, mas nunca o fiz para cumprir promessa. Para mim é um momento de peregrinação, de reflexão, de agradecer, não é uma caminhada desportiva. Gosto de viajar, mas não tenho nenhuma viagem de sonho. Estou bem em qualquer sítio a conhecer uma nova cultura. Viajar, tal como estar com a família e amigos, ajuda a descontrair do trabalho. Muitas vezes deito-me e levanto-me a pensar nele. Sou casada e tenho dois filhos rapazes de 14 e 19 anos. Se lhes perguntassem, diriam que sou uma mãe chata, eu digo que sou uma mãe chata quanto baste. Não me considero demasiado mãe galinha; os filhos têm de ter asas para voar e aprender com os próprios erros. Não sou ambiciosa, apenas espero ter saúde, porque sem ela a vida não se faz.