Três Dimensões | 24-07-2024 21:00

“Grande parte da classe política é medíocre e empregada do sistema”

“Grande parte da classe política é medíocre e empregada do sistema”
TRÊS DIMENSÕES
Nelson Tereso nasceu nos Estados Unidos, país pelo qual nutre especial afecto e onde viu os políticos darem-lhe várias menções de louvor

Nelson Tereso é advogado em Alhandra, tem 56 anos e é presidente da assembleia geral da Associação do Hospital Civil e Misericórdia de Alhandra.

Nasceu nos Estados Unidos da América e veio para Alhandra com seis anos, terra de onde nunca mais saiu. Aos 16 anos criou a sua primeira associação e desde então tem estado sempre ligado ao movimento associativo. Homem sem papas na língua, foi candidato a presidente de junta em 2001 mas hoje diz-se desencantado com a classe política. Adora escrever e prepara-se para lançar o quarto livro.

Até aos 20 anos pensava formar-me em Direito em Portugal e emigrar para os Estados Unidos da América (EUA) onde tenho família e amigos. Depois percebi que Portugal não era tão mau como pensava nem a América era o paraíso. Fiquei por cá mas nunca perdi a ligação aos EUA. Fui representante das comunidades portuguesas durante muitos anos e tentei sempre ajudar a fortalecer as relações com a nossa comunidade. Por esse motivo a câmara dos representantes de New Jersey e de Massachusetts atribuiu-me menções de louvor. A Casa Branca convidou-me para a tomada de posse do segundo mandato do Bill Clinton e recebi uma carta de George H. Bush a felicitar-me pelo meu trabalho. Gosto muito dos EUA e ainda hoje tenho escritórios associados em New Jersey, Massachusetts, Califórnia, Flórida e Connecticut. Quando tenho assuntos para tratar nestes estados eles representam-me lá e vice-versa.
Tenho uma vida muito absorvente, desgastante e já não consigo ter tempo para ajudar tanto as associações como gostaria. Aos 16 anos fundei a minha primeira associação em Alhandra, o CB Clube O Campino, um clube de radioamadores que entretanto acabou. Também fui director do Clube Recreativo de Alhandra, já fui presidente do conselho fiscal dos Bombeiros de Alhandra e fiz parte da comissão das Piscinas Baptista Pereira do Alhandra Sporting Club, que hoje são da câmara municipal. Também fui administrador da Fundação Amália Rodrigues.
Há 30 anos fundei o Clube de Fãs do Basquetebol (CFB), desporto pelo qual sou apaixonado. Andamos com essa organização por todo o país com jogadores profissionais a dar aulas de formação gratuitamente nas escolas. Sou fã dos Boston Celtics. Através do CFB trouxe a Portugal alguns jogadores da NBA. Foram bons tempos em que havia patrocinadores, hoje é muito difícil. Faço parte da AG da Misericórdia de Alhandra com muito prazer. Gosto muito da instituição e ajudar os mais velhos. O país devia tratar melhor os idosos. Na associação devíamos ter mais apoio. Somos mais do que um lar, somos também um hospital de retaguarda. A instituição tem saúde financeira mas estamos preocupados com o futuro.
Fui vítima de uma tentativa de burla por parte de um cliente e já procurei duas prostitutas para que desistissem de uma queixa-crime nas vésperas do meu casamento. A minha preocupação era se me vissem nas ruas, nas zonas de prostituição, o que as pessoas não iriam pensar (risos). E fui sequestrado na casa de uma cliente juntamente com a minha mulher. Uma mulher trancou-nos dentro de casa e teve de vir a senhora de uma farmácia convencê-la a destrancar a porta. Não tive receio mas fiquei incomodado. Mantive a calma. Foi uma situação inusitada.
O meu pai foi assaltado à mão armada há 14 anos. Não se fez justiça e nunca apanharam os criminosos. O meu pai tinha uma ourivesaria em Moscavide e um dia, depois de almoço, três negros encapuzados entraram dentro da loja com um pé de cabra, partiram as montras e o meu pai, já nos seus 60 anos, resistiu e deram-lhe uma coronhada que lhe deu cabo da cabeça e levou 27 pontos. Também dispararam mas felizmente eram invólucros secos. Levaram mais de 100 mil euros de ouro. Quando cheguei à loja e vi o mar de sangue pensei que ele tivesse morrido. Resistiu mas infelizmente um cancro matou-o três anos depois.
Gosto muito de escrever e já publiquei três livros. Dois sobre direito sucessório e um a contar as minhas histórias de 25 anos de advocacia. O meu quarto livro sai no final deste mês e fala do direito penal comparado entre Portugal e os Estados Unidos, que escrevi com o procurador-adjunto do Bronx, em Nova Iorque, Tony Castro. Vou em Setembro voltar aos Estados Unidos para o lançar.
Irrita-me a arrogância das pessoas, a desonestidade e a ingratidão. Detesto o beija mão. Defendo que as pessoas conquistem os lugares pelo mérito e não pelos conhecimentos. Em 2001 fui candidato a presidente de junta em Alhandra pelo PSD mas não voltaria a repetir a experiência. Sempre quis servir o partido e não me servir a mim, ao contrário de quase todos que lá estão, que querem é tacho. Uma situação transversal a todos os partidos.
Não quero ser injusto mas grande parte da classe política portuguesa é medíocre. Não há mérito. Pessoas que nunca trabalharam, nunca vingaram em nenhuma profissão, nunca vingaram na vida, enveredaram pelas carreiras políticas nas juventudes, social-democratas e socialistas, tornaram-se empregados políticos do sistema e o resultado está à vista. Muita gente está hoje na política não para servir o país, está lá para se servirem a eles. E isso é grave. Estou completamente desencantado com a política. Não me voltarão a ver como candidato, deputado, nada. Não há mérito em quem ocupa os lugares. Só compadrio. Isso não está certo. Nos EUA é ao contrário: vai para a política quem já têm pergaminhos demonstrados na vida.
O concelho precisa de ambição nos seus projectos. Veja-se o espaço da antiga Marinha, só serve de parque de estacionamento para os autocarros. É um desperdício de dinheiros públicos. Podia haver ali um instituto politécnico e é o sítio ideal para construir o tribunal. Se é apenas uma promessa e não sai do papel não me interessa. Sou um fazedor, tenho uma ideia e implemento, não ando com rodeios.
Envergonha-me o estado do Palácio da Justiça. O que ali temos não são contentores, são gaiolas. Todos os tribunais de Vila Franca de Xira deviam passar para o terreno da Marinha. O espaço está a cair, está decrépito. Tenho muita pena. Veja-se o presidente das Caldas da Rainha: recebeu um concelho atrasado e veja-se o que criou, com novos pólos universitários, equipamentos e soluções. Dinamizou o concelho em poucos anos. Aqui em VFX estamos na mesma e podia fazer-se muito mais do que aquilo que está a ser feito.
Sou uma pessoa activa e não me consigo ver parado na reforma. Vou escrever e continuar a fazer alguma advocacia. Espero ter saúde, porque ia morrendo há dois anos no São José com uma bactéria que me fez estar dois meses e três dias no hospital, com seis idas ao bloco operatório. Ter saúde para mim é tudo e o resto vem por acréscimo. Também espero ver os meus filhos tornarem-se cidadãos exemplares na sociedade, é isso que lhes incuto.

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