“Ser presidente de junta é fazer milagres todos os dias”
Florinda Roque, 55 anos, é natural de Castanheira do Ribatejo, terra onde vive e onde há precisamente um ano passou a liderar os destinos da União de Freguesias de Castanheira do Ribatejo e Cachoeiras, depois da saída de Mário Baptista.
É uma pessoa simples e recatada que gosta de fazer o trabalho nos bastidores e servir a comunidade, tendo passado oito anos na direcção da APATI. Nesta conversa com O MIRANTE confessa-se uma mulher discreta e pacífica que anda sempre com um bloco de notas na mala para apontar as queixas e pedidos dos fregueses.
Herdei o nome da minha avó. Sou natural da Castanheira e toda a minha família é daqui. Quando era pequena, as brincadeiras eram todas ao ar livre e não dentro de casa. Vínhamos para a rua brincar, jogar ao peão ou à carica. Não havia tanto trânsito como agora. Na altura até dava para brincar aos carrinhos de rolamentos na descida da Rua Calouste Gulbenkian, onde morava. Naquela altura não havia carros nem medo, a idade era outra (risos).
Quando era pequena a minha profissão de sonho sempre foram os números e os papéis. Sobretudo contabilidade. Trabalhei muitos anos num escritório onde fazia esse serviço. Profissionalmente, trabalho na Atral, a fábrica de medicamentos da Vala do Carregado. Entrei lá há uns nove anos e a minha vida sempre foi escritório e administrativa.
Na vida da Castanheira, os momentos altos da vila sempre foram as festas de São João. Lembro-me de, há muitos anos atrás, trazerem-se bons artistas à festa e fazer com que a população tivesse contacto com artistas de renome. Era bom para toda a gente sair de casa e conviver. Era numa altura em que as pessoas da Castanheira conheciam toda a gente. Hoje em dia menos, mas a Castanheira ainda tem uma grande proximidade entre as pessoas. Temos uma boa vida de bairro e boa vizinhança. Felizmente, conheço toda a gente do meu prédio.
Envolvi-me na política muito cedo. Comecei pelas associações de estudantes e a envolver-me nas causas há uns 40 anos. Entretanto o PS apresentou-me um projecto em que achei que valia a pena investir. Foi a primeira vez que aceitei integrar o executivo de uma junta, mas antes já tinha integrado listas candidatas. Fiquei presidente da junta há precisamente um ano, quando o Mário Baptista renunciou. Quando soube da notícia vieram-me mil e uma coisas à cabeça. Sobretudo o que poderia acontecer para a frente, se assumia a liderança da junta ou não, os prós e os contras.
Não era de todo minha ambição ser presidente da junta. Nunca tive a ideia de que ia ser a sucessora do Mário Baptista. Mas era a número dois, sabia que se alguma coisa acontecesse teria de lidar com isso. Sou uma pessoa que gosta de trabalhar nos bastidores e não gosto de aparecer. O trabalho faz-se longe dos holofotes. Não foi difícil abraçar a responsabilidade de ser presidente da junta, porque é o seguimento de um projecto. Já sabia mais ou menos com o que contar e trabalhava muito com o Mário.
A experiência como presidente tem sido boa e agradável. Conheço bem a Castanheira e tenho andado a tentar conhecer melhor as Cachoeiras. Tem sido uma missão trabalhosa mas recompensadora. Quando trabalhamos em prol dos outros compensa. Entretanto habituei-me ao desafio. A família foi a que ficou mais prejudicada, mas felizmente tenho um marido que me apoia bastante nas horas em que estou ausente de casa. Estamos a criar novas instalações na junta para os nossos colaboradores, com copa, balneários, oficinas, tudo de novo. Somos 20 trabalhadores mas poucos para toda esta zona, é um grande esforço. Fazemos varrição, corte de ervas, mato, recolha de algum lixo, não é fácil.
Integrei durante oito anos a direcção da APATI. Teria sido mais confortável estar no sofá mas se toda a gente pensar assim não há evolução e não se faz nada. Se queremos ter desenvolvimento e olhar para o vizinho do lado temos de trabalhar. Se queremos uma terra melhor todos temos de fazer a nossa parte e dar um bocadinho de nós. Sinto que cada vez menos se faz isso, infelizmente. Precisávamos de mais empatia com o outro e isso está-se a perder.
Não é em frente a um computador ou a uma televisão que se aprendem competências humanas. É na rua, a lidar com as pessoas. Todos os dias ando nas ruas e ouço recados, é normal. Costumo andar com um bloco de notas para apontar o que me vão dizendo que precisa de ser resolvido. Já sobre a união de freguesias não tenho opinião sobre ela. Entendo que as Cachoeiras queiram a sua freguesia de volta mas é o que temos e temos de fazer o melhor com o que nos foi deixado.
Somos uma freguesia que tem crescido, com mais postos de trabalho a aparecerem. Temos bons infantários, uma estação do comboio, autocarros em quantidade, estamos perto da cidade e ainda se vive aqui com calma. Acho que devem vir para cá viver e trabalhar. Agrada-me ver a plataforma logística a avançar. É sinal de desenvolvimento para a terra, vai criar postos de trabalho e ao fazê-lo vai desenvolver a união. Já a segurança da estação de comboios é um assunto que está a ser tratado com o presidente da câmara e os responsáveis da estação para se encontrar uma solução. Gostava de ver a estação a funcionar a cem por cento, porque temos ali a zona logística e será através dela que muita gente vai chegar para trabalhar.
É frustrante nunca se ter conseguido resolver o problema do futuro quartel da GNR da Castanheira. Ao fim de todo este tempo continuamos a falar dele e é super importante. Já está na altura de se investir num novo quartel para a GNR e dar mais condições aos militares que ali prestam serviço. Andamos sempre a forçar e a tentar que avance, porque já estive no quartel antigo e conheço as condições em que eles trabalham.
Gostava de deixar no final do mandato o centro de saúde a funcionar a cem por cento. Chegam-me problemas com a falta de médicos e gostava de ter um centro de saúde mais bem equipado e com mais médicos. O centro de saúde até é um bom edifício, o que falta é ter médicos. Daqui por um ano gostava que esse fosse um dos problemas resolvidos porque a saúde é extremamente importante. O que me tira o sono é conseguir fazer o trabalho com os poucos trabalhadores que tenho e em condições. Ser presidente de junta é conseguir fazer milagres todos os dias com o pouco que se tem. E nós aqui tentamos fazê-los todos os dias. Não gosto de injustiças nem de mentiras. Isso tira-me do sério.
Vivo o dia-a-dia e tenho uma base familiar muito boa. Quero ter saúde, felicidade e o resto vem por acréscimo. É muito difícil falar de mim. Vejo-me como uma pessoa que quando assume um compromisso gosta de o levar até ao fim e ter a consciência tranquila de que o que faço é da melhor forma possível que sei fazer e quero fazer. Estou imbuída num espírito de missão e quero continuar a fazer o meu melhor até final do mandato. Ainda não decidi qual será o meu futuro autárquico.