Três Dimensões | 20-11-2024 07:00

“Não consigo dormir quando tenho de enviar bombeiros para os incêndios”

“Não consigo dormir quando tenho de enviar bombeiros para os incêndios”
TRÊS DIMENSÕES
Bartolomeu Castro, comandante dos Bombeiros de Castanheira do Ribatejo, defende que a nova central única do concelho de Vila Franca de Xira será uma mais-valia para os moradores

Bartolomeu Castro tem 48 anos, trabalha na Exide e é comandante dos Bombeiros Voluntários de Castanheira do Ribatejo há três anos. É um homem que gosta de sair da sua zona de conforto e que não consegue dormir quando tem de enviar os seus operacionais para combater incêndios. Numa altura em que faltam voluntários, a corporação conseguiu cativar 12 novos estagiários este ano, algo que não acontecia há 15 anos.

Mais tarde ou mais cedo as infraestruturas básicas terão de aparecer na Castanheira. Seja uma biblioteca ou um centro cultural, para mim são instalações que fazem falta à população para se fixarem. Temos de ter qualidade de vida na vila. Quem é bairrista é normal que queira tudo na sua casa, como uma piscina, mesmo tendo a de Vila Franca de Xira tão perto. Mais do que bairrista, eu sou contribuinte e sou realista.
Sou elemento do comando da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Castanheira do Ribatejo há uma década e comandante desde 2021. Trabalho na Exide e exerço as funções de comandante a título voluntário. Nasci no Funchal e vim para o concelho de VFX ainda não tinha um ano de idade. Fui criado em Alhandra até aos 14 anos e depois vim para a Castanheira. Acabei por fazer desta terra o meu sítio de eleição e foi aqui que fiz o resto da minha adolescência. Criei aqui raízes.
A passividade, falta de cumprimento de regras e a falta de pró-actividade tiram-me do sério. Estes são os primeiros passos para a pessoa não ter sucesso. E não gosto de discursos tóxicos e inflamatórios. Tento sempre afastar os bombeiros das conversas políticas mas cada vez mais vejo várias áreas políticas a tentarem envolver-se na tomada de decisão das instituições. Temos de ser completamente isentos. O ideal político dos bombeiros é fazer o melhor socorro possível e ajudar a população.
Conseguimos agregar mais 30 jovens nos bombeiros nos últimos anos porque somos um local diferente dos outros. Eu diria que o futuro dos bombeiros está assegurado. Reactivámos a fanfarra há quatro anos e procuramos voluntários na população activa, mas isso é muitas vezes um insucesso. Por isso procurámos nas camadas mais jovens cadetes e infantes. Temos este ano 12 estagiários, algo que não acontecia há mais de 15 anos. A maior parte deles veio dos cadetes e da fanfarra. A motivação é o combustível para trabalharmos cada vez mais. Acho que as coisas vão funcionar e que os bombeiros têm futuro.
Sou um defensor do sistema da central única de bombeiros no concelho de VFX. A população fica mais bem servida porque vai permitir um melhor balanceamento do socorro em todo o concelho. Não estava de acordo com o modelo pensado inicialmente, em que as centrais de cada corporação fechavam. Fui contra essa ideia porque os nossos quartéis estão muito inseridos na comunidade e se fechássemos as centrais iríamos perder essa ligação. Também não concordei com a ideia de serem os operadores das associações a trabalhar na central conjunta, porque não concordo com trabalho precário. Iriam estar na central conjunta com ordenados e regalias diferentes. Acho que este modelo é adequado, foi à procura dos recursos humanos externos necessários e por isso tem tudo para ser um sucesso.
Comecei a interessar-me pelos bombeiros quando vi que no quartel podia conviver com outras pessoas. Não tinha laços familiares nos bombeiros. Vim à descoberta sozinho e por cá fiquei. Tive o sonho de ser militar e ainda passei pelo serviço militar durante alguns meses. Percebi que aquilo não era para mim. Acabei por regressar ao mercado de trabalho.
Não é perigoso deixar o socorro das pessoas na mão de voluntários, mas o modelo tem de mudar. O voluntário tem de ser um recurso de reforço de meios. No pré-hospitalar no concelho de VFX a primeira intervenção já está assente em recursos profissionais, mas a parte do combate a incêndios não está e é aí que temos de trabalhar. É de elogiar a disponibilidade das pessoas que procuram dar o seu melhor à população. O socorro de proximidade deve manter-se. Termos grupos de primeira intervenção, financiados pela Câmara de VFX, nos seis corpos de bombeiros, mas as três equipas de intervenção permanente têm obrigatoriamente de aumentar.
Ainda faz sentido haver uma corporação só para a Castanheira. Uma associação que adormeça na forma está condenada. Há vários anos que passámos a fazer apenas o transporte de doentes para os sócios da associação e companhias de seguros, porque a Segurança Social só nos pagava 10,40 euros para um serviço com carro, combustível e dois bombeiros. No final não compensava. Agora dedicamo-nos sobretudo ao socorro.
Sou uma pessoa que gosta de sair da sua zona de conforto e de novos desafios. Um caso que me sensibilizou bastante até hoje foi um acidente na Auto-Estrada do Norte (A1) durante a obra de ampliação para as actuais três faixas. Na altura não havia viatura médica e fomos chamados para reforçar o socorro. Quando lá cheguei vi um senhor atropelado que parecia uma cobra, sem sistema dorsal. Isso marcou-me. Antigamente fazíamos socorro muito novos e esse acidente deixou-me marcas. Por outro lado tive uma história feliz: um bebé com obstrução de uma via área que quando chegámos estava inanimado na Vala do Carregado e conseguimos fazer a desobstrução.
Quando tenho de mandar bombeiros para os incêndios perco o sono. Uma vez, em Almodôvar, ficámos cercados pelas chamas, valeu o treino para conseguirmos ultrapassar a situação. Já cheguei a ligar a alguns bombeiros a meio da noite para saber se estavam bem. Sejam bombeiros com muita ou pouca experiência.
Gosto de liderar pelo exemplo. Sei que tenho muito a melhorar como pessoa, mas sou um comandante que não vive profissionalmente dos bombeiros. Sou alguém que se disponibiliza para trabalhar em prol dos outros sem qualquer tipo de remuneração, que dá centenas de horas ao corpo de bombeiros. Espero ser lembrado como uma pessoa exigente, que vive mal com a passividade, falta de pró-actividade e que é exigente com os outros e consigo próprio.
Este mundo anda muito individualista. Com o aumento das condições de vida tornámo-nos individualistas. As pessoas antigas têm um sentimento colectivo de apoiar o próximo, havia uma solidariedade diferente de hoje. E isso é algo que temos de transformar. As coisas terão de mudar.
É importante que o socorro não falte às pessoas. A construção de um novo quartel é uma prioridade. As nossas instalações ainda são dignas mas com a dimensão que criámos são hoje diminutas. Temos veículos na rua e estragam-se um pouco todos os dias. A ampliação é urgente, precisamos de melhores camaratas femininas e de ter os carros protegidos. O trabalho foi iniciado com a câmara municipal, de encontrar um espaço onde possamos proteger as viaturas, mas já lá vão dois anos sem o resultado que esperávamos. Por isso temos de continuar a trabalhar.

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