Três Dimensões | 07-01-2025 18:00

“A docência ainda é uma das mais belas profissões do mundo”

“A docência ainda é uma das mais belas profissões do mundo”
TRÊS DIMENSÕES
João Raposo é da Chamusca e dirige há uma década o Agrupamento de Escolas de Arruda dos Vinhos

João Raposo, 52 anos, é director do Agrupamento de Escolas de Arruda dos Vinhos há uma década e diz ter o privilégio de fazer o que mais adora numa terra de gente boa que o recebeu e acarinhou até hoje.

É natural da Chamusca e não esconde a tristeza de ver a sua terra definhar a cada dia que passa. Apaixonado por basquetebol e motas, sonhava ser veterinário quando era pequeno mas foi a vocação para ensinar que o levou para os bancos da escola. Diz que os pais se devem esforçar para reconhecer a autoridade dos professores e tira-o do sério a ingratidão. A falta de tempo para parar e pensar, defende, é um dos maiores problemas actuais.

Quando era miúdo contactava muito com animais e sonhava ser veterinário. Gosto muito de animais e tenho quatro cães e um gato, tudo animais que foram abandonados na pandemia e que resgatei. Moro numa aldeia do concelho de Torres Vedras e uma associação tinha o canil cheio e procurava famílias de acolhimento para os animais. Comecei como tutor dos animais mas depois já não me consegui separar deles. Costumo dizer a brincar que gosto mais de me relacionar com os animais do que com algumas pessoas. Mas não sou radical e não partilho daquele pensamento de que quem não tem animais não gosta de pessoas. Os animais não substituem as pessoas. É um extremo as pessoas pensarem que os animais são como filhos ou fazerem deles algo que não são.
Comecei a trabalhar na juventude nos campos da Golegã a apanhar fardos de palha. Depois ainda passei pela fábrica do tomate na Chamusca, pelas bombas do Fernando Barreto e a distribuir botijas de gás. Fui monitor da CP enquanto tirava o curso e depois entrei no Ministério da Educação e sou professor há 25 anos. Sou licenciado em ensino básico e estou no quadro do primeiro ciclo. Também tenho um mestrado em Administração Educacional. O nosso agrupamento de escolas tem 1.100 alunos, 80 docentes e 80 não docentes. O maior desafio é saber gerir os conflitos.
A nossa sociedade vive numa aceleração tal que queremos tudo para hoje e tudo é urgente. Não somos capazes de parar para reflectir. Se houver um incidente achamos logo o pior, queremos logo apresentar queixa, chateamo-nos com facilidade. O tempo que tenho disponível para o trabalho pedagógico e de gestão começa antes das aulas e estende-se depois de jantar, para conseguir responder a todas as solicitações. Durante o dia temos quatro centros escolares e há sempre situações para resolver.
Arruda dos Vinhos está a ser muito procurada por pessoas que vêm de fora. É uma terra muito boa para se viver e este lema do Vale Encantado ilustra isso mesmo. Somos uma terra segura para viver e aprender e foi uma terra que me acolheu muito bem. Arruda dos Vinhos é uma terra de boa gente e eu tenho de estar super agradecido. Estamos perto de Lisboa e com bons acessos. Em bom tempo os decisores políticos fizeram esta aposta na protecção e desenvolvimento deste território e hoje é um concelho da região Oeste que tem tido um crescimento equilibrado, com bom senso, sabendo captar novos investimentos.
Tenho uma missão importante e gosto do que faço. Tira-me do sério a ingratidão das pessoas e pensarmos só em nós. Quando estamos em instituições como esta não podemos ficar agarrados a pensar na primeira pessoa, temos de ter um pensar colectivo e infelizmente muita gente ainda só olha para si.
O papel dos alunos e dos professores hoje em dia é um grande desafio. Acredito que esta geração vai ter muito mais competências do que a minha. Os desafios que têm pela frente são muito mais exigentes do que os que tivemos quando fomos adolescentes. E a sociedade com a velocidade a que está a acelerar a vida das pessoas torna tudo isto um desafio. A escola tem-se adaptado, mas não sei se ao ritmo que é necessário. Tenho muito orgulho e sinto uma grande gratidão por trabalhar com a minha equipa. Ao contrário do que alguns políticos falaram, a educação em Portugal tem muito bons profissionais e devia haver maior investimento na educação. Isto para podermos desenvolver o nosso país e criar as condições para sermos um país realmente desenvolvido a nível europeu, para não parecermos sempre o parente pobre.
Em Arruda dos Vinhos temos um laboratório que foi projecto piloto a nível nacional para o primeiro ciclo. Nasceu de um projecto de promoção do sucesso escolar. Este laboratório tem uma ponte com o Arruda Lab, que é ibérico e tem grande potencialidade. Os alunos em Arruda não precisam de sair para ter estas experiências. São desafios que as escolas têm de acompanhar. A escola hoje não pode ser apenas o aprender a ler e a escrever e decorar a tabuada. Os desafios são maiores que isso. A relação humana é fundamental e deve haver bom senso na gestão do dia a dia.
A docência ainda é uma das profissões mais belas do mundo. Uma das coisas mais bonitas é quando percebemos que uma criança aprendeu números ou letras pela primeira vez. O professor da primária nunca se esquece e guardamos connosco para sempre. Quando fui para a escola tinha uma professora que nos batia, metia orelhas de burro, chamava nomes, era excessivo. Hoje passámos para a situação dos alunos que nem sequer respeitam uma ordem para estar na sala. Passámos do oito ao oitenta. Devia ser reconhecida pelas famílias, aos professores, a autoridade que está consagrada na lei. Os pais têm de confiar nos profissionais de educação, são profissionais, não são amadores, são pessoas com formação na área.
Sou um desastre na parte musical e tenho um ouvido terrível. Mas gosto muito de ouvir música e gosto de Rui Veloso, Pink Floyd, Dire Straits, a velha escola. Mas também gosto de alguns artistas actuais, não sou radical. Também sou um apaixonado por basquetebol desde a infância. Sempre que sei que o Chamusca Basket vem jogar à zona de Torres Vedras vou ver. A NBA americana fascinou-me enquanto jogava mas hoje já não vejo.
A minha maior ansiedade é sentir que tenho tanta coisa na cabeça para fazer e não vou conseguir. Há imensos projectos que tenho na cabeça que gostava de desenvolver e sinto que o tempo útil está a acabar. As 24 horas do dia precisavam de ser aumentadas. Estamos sempre à espera da pausa do fim de semana que nunca chega e quando chega há sempre tantas solicitações que há coisas que ficam para trás. Tenho um fascínio por andar de mota. Gostava de fazer uma viagem de moto pela Europa. Já fiz aqui na Península Ibérica, indo até França.
Tenho alguma tristeza por ver o estado em que a Chamusca se encontra. Não sei o que se passa mas sinto que a terra está vazia sempre que lá vou, com muitos edifícios fechados. A terra perdeu vida, não sei se por estar no interior se por falta de investimento. É provável que alguma coisa tenha falhado.
Ter crescido na Chamusca foi extraordinário. Hoje em dia poucas vezes lá vou mas lembro-me de quão enriquecedor foi. Lembro-me de poder brincar na rua. Hoje a maior parte dos alunos não tem essa experiência. Poder brincar no Verão até ao anoitecer com a segurança de uma vila como a Chamusca, onde toda a gente se conhecia e ia mantendo vigilância em nós. Podia-se ir ao Tejo, ir à pesca e conviver. Os mais velhos tomavam conta dos mais novos.
Praticar basquetebol ajudou-me ao longo da vida. Comecei na Chamusca ainda criança, através do professor José Monteiro. Ainda hoje o basquetebol é uma referência desportiva da Chamusca, e ter podido fazer uma carreira enquanto atleta e treinador deu-me alicerces para procurar esta profissão que tenho e desempenho.

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